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ENTREVISTA DA 2�
Marina Silva, futura titular do Meio Ambiente, diz que Brasil deve pautar outros países na preservação
"Precisamos de ajuda na Amazônia"
RAQUEL ULHÔA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A futura ministra do Meio Ambiente, senadora Marina Silva
(PT-AC), 44 tem uma relação
com a natureza que supera o discurso. Por questões de saúde, usa,
preferencialmente, roupas feitas
de algodão e não come carne vermelha, crustáceos nem derivados
do leite. Seu hobby é desenhar e
montar colares e brincos de produtos orgânicos -semente, coco
e casca de limão e laranja desidratada. Tem 40 modelos desenhados, que pretende fazer um dia.
Na década de 70, em Rio Branco, quando militava em movimentos sociais, fez parte de um
grupo de teatro amador que chamava "Semente". O grupo construiu um teatro, que recebeu o nome de "Teatro Horta".
Vítima de cinco malárias, três
hepatites, contaminação por metais pesados e leishmaniose
-"doença típica dos pobres da
Amazônia"-, hoje Marina tem
alergia ao leite e seus derivados, à
carne vermelha e aos crustáceos.
E roupas de lã lhe trazem problemas respiratórios.
Ex-seringueira e analfabeta até
os 14 anos, Marina sabe o que lhe
diria o amigo e mentor político
Chico Mendes, líder sindical do
Acre morto em 98, se estivesse vivo para vê-la ministra do Meio
Ambiente. "Ele me daria um
abraço carinhoso, me olharia de
lado e diria: "Nega velha, tu é danada'". Leia a seguir entrevista.
Folha - A sra. disse que sentiu um
"frio na barriga" ao ver a confirmação do seu nome no ministério junto com a Celso Amorim. Por quê?
Marina Silva - Em 1995, na primeira vez em que saí do Brasil, fui
dar uma palestra em Nova York,
na Semana da Amazônia, e o ministro Celso Amorim [então representante do Brasil junto à
ONU" me recebeu de uma forma
acolhedora, fora do padrão formal que tem nessa cultura protocolar de embaixada. Aí eu pensei:
no dia em que o PT for governo,
acho que a gente deve convidá-lo
para ser o nosso ministro das Relações Exteriores.
Esse registro ficou. Quando o
Lula anunciou, hoje [sexta", deu
um frio na barriga. Digo: "Meu
Deus, em 95, pensei aquilo e nunca falei a ninguém". Fiquei emocionada e contei para ele [Amorim", que também se emocionou.
Folha - Muito já se falou no seu
passado de seringueira, empregada doméstica, alfabetizada após os
14 anos. Como uma mulher com esse passado se vê no poder, hoje?
Marina - Quando o Lula anunciou fiquei superemocionada,
porque há 17 anos o Chico [Mendes] foi para os EUA denunciar a
destruição da Amazônia e, quando voltou, a pressão foi terrível.
Ficamos isolados, sendo acusados
de ser contra o progresso, o desenvolvimento. A mídia local nos
pintava como demônios que queriam ver o Acre ficar no atraso.
Passa-se esse tempo todo, no
mesmo país, e o Lula anuncia que
aquela menina que estava lá com
o Chico Mendes vivendo toda
aquela pressão pode comandar a
política ambiental do país.
É uma demonstração de que esse país mudou. E a própria história do Lula, também. É uma demonstração, primeiro, do avanço
da nossa democracia. Segundo,
da riqueza social e cultural e da
capacidade fantástica que o ser
humano tem de superar dificuldades. E é isso que precisa ser cada vez mais mobilizado no país.
A gente sempre pensa que, para
fazer alguma coisa, precisa ter dinheiro. E precisa. Só que há um
capital adormecido, latente, a que
a gente não dá muita atenção, mas
que, se mobilizado, organizado e
processado, é muito maior do que
o que a gente pode colocar com o
dinheiro. É isso que está mudando o país e é isso que vai fazer o
país mudar cada vez mais.
Folha - Qual é o maior problema
da política ambiental do atual governo?
Marina - É a falta de uma política
ambiental integrada, que perpasse todas as ações do governo.
Apesar dos esforços dos ministros, o Ministério do Meio Ambiente ficava isolado e era visto
muito mais como um problema
do que como solução.
Meu desafio é implantar uma
política integrada. É preciso que
mude a postura.
Existe uma relação de sobreposição de competências entre o
Ibama [Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis] e o Ministério do Meio Ambiente. Uma política integrada vai potencializar a
política ambiental.
Folha - Para evitar essa sobreposição de competência, a sra. pretende fortalecer o poder do ministério? Chamar para si todo o comando da política ambiental?
Marina - Eu pretendo coordenar. Isso, com certeza. A mensagem do presidente Lula é clara.
Ele sinalizou o tempo todo que
neste governo a gente não vai ter
políticas de ministérios, de ministros, nem de diretores. Vai ter
uma política de governo. E eu
gosto muito disso: gosto de construir processos.
O detalhamento de como isso
vai se realizar seria prematuro de
minha parte dizer. Mas os setores
do próprio ministério têm de estar integrados, agindo de forma
concertada. Acho que a sociedade
vem sinalizando a necessidade de
termos uma política ambiental
que coloque o Brasil no lugar que
ele precisa estar. Como um país
que deve ter uma posição estratégica, pela importância que tem
em termos de recursos naturais.
Folha - Como a sra. vê essa preocupação de outros países com a
Amazônia, que aqui muitas vezes é
vista como ameaça à soberania?
Marina - O fato de a Amazônia
ter a maior biodiversidade, a
maior reserva de água doce, a
maior floresta tropical, e ter uma
importância estratégica no que
concerne ao equilíbrio global do
planeta já diz que, é claro, todo o
mundo tem de ser preocupar com
ela. A destruição da Amazônia
tem implicações que não ficam
restritas ao Brasil. Tem consequências do ponto de vista global.
E, se nós temos a responsabilidade de preservar a Amazônia,
não pode ser debitado a nós a responsabilidade de fazermos isso
sozinhos. Precisamos de ajuda. Só
que essa ajuda não pode vir nos
pautando. Nós é que temos de
pautar a ajuda que queremos e dizer que projetos queremos e quais
são os eixos basilares dessa cooperação. E, se fazemos o dever de
casa em relação à Amazônia, com
certeza essa insegurança [ameaça
à soberania" baixa muito.
Folha - E o governo Fernando
Henrique Cardoso não fez?
Marina - Olha, se eu disser que
não fez nada, estarei sendo injusta. Eu diria que fez, mas foi insuficiente. Fez, mas em muitos aspectos de forma ainda pontual, piloto, sem dar escala. Por exemplo,
algumas experiências-piloto em
manejo florestal, controle de
queimadas e agricultura familiar... Há um conjunto de experiências que estão dando certo das
comunidades e até mesmo de setores de grandes empresas, feitas
com apoio do governo.
Não vou desconsiderar tudo isso de jeito nenhum. Sou uma mulher de processo. Aquilo que é
bom, correto, tem de ser aprofundado. Agora, precisamos ter uma
política para fazer esse processo,
que é a questão da transversalidade, do controle social, para o desenvolvimento sustentável.
É preciso ter uma política ambiental que, do ponto de vista do
desenvolvimento sustentável, comece a transformar essas experiências positivas em políticas públicas de desenvolvimento.
Folha - A sra. nasceu e viveu no
seringal até os 17 anos, quando foi
para Rio Branco morar num convento de freiras. Quando a sra.
abandonou o sonho de ser freira?
Marina - Desisti porque descobri
a Teologia da Libertação. As irmãs falavam muito mal do pessoal da Teologia da Libertação, da
CPT [Comissão Pastoral da Terra], do Chico Mendes. Foi dando
uma curiosidade! Aí, um dia, eu
estava na missa e tinha um cartaz,
bem no cantinho, que dizia "Curso de formação política da Comissão Pastoral da Terra com a presença de Chico Mendes". E pensei: vou me inscrever nesse curso.
Foi aí que conheci Chico Mendes
[com quem fundou a CUT no
Acre e atuou nos seringais].
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