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NO PLANALTO
O nome do problema do governo não é Romero Jucá
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
Conservador na economia, Lula iniciou pela política o ciclo de mudanças que prometera em campanha. Opera-se
agora uma revolução nos costumes políticos. Governos anteriores suavam para produzir os seus
próprios escândalos. Lula incorpora à sua gestão, sem esforço, escândalos que já vêm prontos.
O problema da administração
petista tem nome e sobrenome. Os
auxiliares do presidente o chamam ora de Romero Jucá ora de
Henrique Meirelles. Se estivessem
certos, a solução seria simples.
Bastariam dois golpes de esferográfica. Estão, porém, enganados.
Chama-se Luiz Inácio Lula da
Silva o problema do governo. Ele
chegou ao Planalto como solução
dos milhões de brasileiros que o
elegeram. Tornou-se problema no
instante em que começou a subordinar o interesse público a
uma causa que traz embutida um
benefício particular: a reeleição.
A era de transformações políticas inaugurada por Lula modificou a paisagem enfeitada com os
monumentos de Niemeyer. Há
hoje em Brasília dois palácios do
Planalto. Um deles espalha o boato de que eleição é assunto para
2006. O outro canaliza toda a articulação governamental para a
costura do complô que tentará
reeleger o presidente.
Mimetizando a ambigüidade
que envenenou a trajetória política do antecessor, Lula conduz a
própria biografia num passeio pelos cafundós do Brasil. FHC cavou o instituto da reelegibilidade
em meio a uma atmosfera de barganhas conspurcada pela confissão dos deputados do Acre que levaram "200 mil" de uma certa
"cota federal".
No afã de servir-se da regra nascida de um processo cuja legitimidade o ex-PT tanto questionou,
Lula acomoda na Esplanada um
senador de Roraima dono de notável ficha corrida. O recém-nomeado esforça-se em vão para explicar a renovação de um empréstimo em banco público mediante
a garantia de fazendas fantasmas. Logo, terá de explicar outras
coisas.
Ontem como hoje, a fome reeleitoral dos presidentes submete a
administração pública a um banquete de cardápio sinistro. A refeição é reservada a convivas que
se habituaram a enxergar o Estado como fonte de negócios e oportunidades.
À semelhança do que ocorreu
com o sociólogo envernizado na
Sorbonne, obscuros parlamentares da tribo dos peemedebês e dos
pepês passam a enxergar o ex-sindicalista forjado nas lutas do ABC
como "um dos nossos". Há outras
semelhanças hediondas.
O garçom da refeição servida
sob FHC foi Sérgio Motta. Antes
da morte, o ex-superministro consolidou um legado de truculências a serviço dos interesses do
chefe. Sua imagem está indelevelmente associada àquela "cota federal" tão festejada pelos deputados acreanos. A mesa patrocinada por Lula vem sendo caprichosamente posta por José Dirceu.
Dirceu não é senão um neo-Serjão. A barriga é menor, mas o
apetite é igualmente exuberante.
Entrou na política pela porta certa. Fez-se na luta contra a ditadura. Mas escolheu compor o papel
de coveiro do próprio histórico.
O condestável de Lula soube
com antecedência das complicações curriculares do senador roraimense. Mas preferiu dar de
ombros. A conveniência da incorporação do PMDB à caravana
reeleitoral prevaleceu sobre a
compostura.
O onipresente chefão da Casa
Civil chegou a tricotar outras nomeações tisnadas com as cores da
vulgaridade. Avalizou, por exemplo, a candidatura ministerial de
um temerário aliado de Severino
Cavalcanti. A nação foi salva na
última hora, graças ao extemporâneo ultimato do faminto presidente da Câmara.
A volúpia aliancista do ex-PT
produz estremecimentos de alcova. O empresário José Alencar,
cônjuge de Lula na chapa eleita
em 2002, começa a sentir o cheiro
de adultério que impregna o ar
palaciano. Sente avizinhar-se o
momento em que será comunicado de que a vaga de vice em 2006
não será dele, mas do PMDB.
Observador atento, FHC esboça, desde o seu retiro na rua Rio
de Janeiro, na elegante Higienópolis, um plano de reação. Escorando suas análises na experiência pessoal, o ex-presidente recomenda aos aliados uma reação
vigorosa. Acha que, ao expandir o
seu leque de alianças políticas às
raias do infinito, Lula torna-se
praticamente imbatível nas eleições do ano que vem.
A resposta do PSDB é, porém,
inibida pelas marcas de um passado que renasce nas páginas de
sentenças judiciais do presente.
Como pode o tucanato atacar os
negócios suspeitos de Henrique
Meirelles se o ex-presidente do
Banco Central, Francisco Lopes,
acaba de ser condenado a dez
anos de prisão por conta do providencial socorro ao banco Marka
de Salvatore Cacciola?
Com que autoridade um partido que confiou os negócios da
$udam a apadrinhados de Jáder
Barbalho pode agora alvejar o
peemedebista Romero Jucá, afilhado de Renan Calheiros?
Como podem os tucanos espicaçar a incoerência dos acertos de
Lula com Orestes Quércia, se o
próprio FHC, candidato à reeleição, posou ao lado de Paulo Maluf, postulante ao governo paulista, num memorável outdoor exposto nas esquinas de São Paulo?
Na oposição, o PSDB é prisioneiro
do próprio impudor.
E a sociedade brasileira, por ora
indefesa, é órfã da perturbadora
rotina que transforma paladinos
da reforma dos hábitos políticos
em servos de alianças fundadas
em esquemas tão perturbadores
quanto inaceitáveis.
Lula ainda poderia salvar o verbete que a enciclopédia reserva ao
seu governo. Bastaria que fizesse
aprovar no Congresso uma emenda constitucional que sepultasse o
funesto estatuto da reeleição. Como isso não irá acontecer, resta
ao (e)leitor a convivência com o
aviltante espetáculo da degenerescência política.
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