São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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PT NO DIVÃ

Em esboço de novo programa partidário, elaborado pelo Campo Majoritário no Rio, petistas endossam Terceira Via

Partido troca ruptura por equilíbrio fiscal

PLÍNIO FRAGA
DA SUCURSAL DO RIO

FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

No esboço de seu novo programa partidário, o PT troca a pregação da "ruptura necessária" com o modelo econômico, aprovada no Encontro Nacional de 2001, pela adesão ao conceito da Terceira Via da "boa governança" e pela defesa rígida do equilíbrio fiscal.
"O partido soube aprender que o descontrole da economia e das finanças públicas é sempre mais cruel com os pobres. Uma das principais lições tiradas de nossas experiências à frente do setor público refere-se à compreensão de que uma economia estável, sólida e dinâmica é condição essencial para que o Brasil invista fortemente na qualificação e capacitação de seu povo, na ampliação de seus direitos e na universalização de políticas sociais, como forma de combater a pobreza e as desigualdades", diz o texto.
Em 44 páginas, o esboço de nova linha partidária, elaborado pelo chamado Campo Majoritário do PT -grupo de tendências moderadas que tem a maioria interna-, tem forte tom paloccista, pois avaliza a atual gestão do ministro da Fazenda.
Mas contém também uma menção expressa à necessidade de juros menores, em trecho de clara inspiração do grupo petista ligado ao ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu.
O texto é uma versão preliminar da tese do Campo Majoritário para o processo de eleição interno, marcado para setembro. Ainda sofrerá emendas e passará por uma redação final, mas dificilmente a linha geral será modificada significativamente.

Embate
O choque entre as duas correntes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva -uma mais próxima da ortodoxia econômica e que se reúne em torno de Antonio Palocci e outra que prega menos gradualismo na mudança do modelo econômico defendida por petistas mais próximos de Dirceu- aparece veladamente em vários trechos do texto do nono programa partidário petista.
"A redução do endividamento público -assim como a redução da taxa de juros- é essencial, porém é um processo a ser pacientemente construído, combinando equilíbrio fiscal, reformas e investimento público eficiente, de modo que o investimento privado se intensifique, acelerando a expansão da economia", diz o texto, num trecho exemplar, em que se prega a continuidade e a mudança, por contraditório que seja.
Adiante, o próprio documento justifica a dubiedade: "Se o dissenso é quase regra quando o assunto é economia, o que dizer do debate em um partido como o PT, cuja marca é a diversidade?".
A explicação apresentada pelo PT para seu abrandamento está exposta da seguinte maneira: "A capacidade dos agentes financeiros de desestabilizar a economia -dada sua vulnerabilidade e a liberdade irrestrita da movimentação de capital- pende permanentemente como uma espada de Dâmocles sobre o país, condicionando as decisões da política econômica em suas diversas esferas."
O PT explica o aumento do gasto público, principal ponto em que vem sendo atacado pela oposição. Diz que uma parte foi em razão da contratações para tornar mais eficiente a ação do Estado e outra é conseqüência da implementação de políticas sociais.
Mas o partido admite estar havendo desperdício. "[O gasto] pode e deve ser objeto de análise permanente da administração federal, com vistas a evitar desperdícios, sobreposições de funções e perda de eficiência." Mais à frente, se compromete a diminuir a carga tributária, falando até em "metas de redução".

Nova cara
A cara reformada do PT começou a ser desenhada ontem, em reunião do Campo Majoritário, no hotel Novo Mundo, no Flamengo, zona sul do Rio.
As principais lideranças petistas participaram do evento. Estavam presentes, entre outros, os ministros José Dirceu (Casa Civil) e Antonio Palocci Filho (Fazenda).
O último documento petista aprovado pelos filiados data de novembro de 2001. Com o título "A Ruptura Necessária", pregava o rompimento com o FMI e afirmava que um governo petista deveria representar "uma ruptura com o atual modelo econômico, fundado na abertura e na desregulação radicais da economia nacional e na conseqüente subordinação de sua dinâmica aos interesses e humores do capital financeiro globalizado".
Essa verve radical será formalmente amaciada, segundo propõe a maioria interna do que se pode chamar "novo PT", num abrandamento semelhante ao ocorrido com a esquerda européia que chegou ao poder, a chamada Terceira Via, cujo ícone maior é o primeiro-ministro britânico, Tony Blair.
O texto petista deixa patente essa similaridade até na incorporação de conceitos e palavras. "Governança", por exemplo, um termo muito associado a Blair, aparece várias vezes no documento.
"O PT entende que o processo de aprofundamento da democracia comporta [...] a ação política no Estado no sentido de garantir a boa governança", afirma o documento, citando um princípio da chamada Governança Progressiva. Além de Blair, líderes como o ex-presidente americano Bill Clinton, o chanceler alemão, Gerhard Schroeder, e, até o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso defenderam o conceito.

Comissão
O texto tenta explicar a nova inclinação do partido. "O PT sempre deixou claro que está em movimento, não parou no tempo e não tem medo de mudar nem de reconhecer seus erros, pois nunca concebeu seu programa como cláusula pétrea. O PT deve mudar, sem mudar de lado", diz o texto.
Já referências ao socialismo, mesmo em sua forma democrática, são raras no documento.
Hoje o encontro do campo majoritário definirá uma comissão de redação que adequará o texto, intitulado "Bases para um Projeto para o Brasil", com as sugestões das lideranças petistas.
No final de maio, a versão acabada será registrada na Direção Nacional como a tese programática do Campo Majoritário a ser colocada em votação dos filiados petistas na eleição internada marcada para 18 de setembro.


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