São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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PODER DA PALAVRA

Para Antonio Lavareda, imagem negativa do deputado do PP pode contaminar a do presidente

Severino usa mesmas "armas retóricas" de Lula, diz sociólogo

FLÁVIA MARREIRO
PAULA LAGO

DA REDAÇÃO

O apelo midiático de Severino Cavalcanti (PP-PE) está causando danos em um dos maiores trunfos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: a força do discurso.
A opinião é do sociólogo e publicitário Antonio Lavareda, para quem a repulsa ao "estilo" de Severino pode atrapalhar a recepção das falas de Lula. "Esse "efeito Severino" durante algum tempo diminui o impacto, desqualifica ou, pelo menos, faz ser avaliada de forma menos positiva a "sinceridade", a emoção e a simplicidade do discurso do Lula", diz ele, cujo trabalho atual é preparar a propaganda do PFL, e, por tabela, o candidato a anti-Lula em 2006, o prefeito do Rio Cesar Maia.
Antes apelo exclusivo de Lula, não raro a boca faz Severino roubar a cena, quer em Brasília ou em Roma. Na análise do publicitário, essa overdose severina pode atrapalhar Lula pelo fato de usarem as mesmas "armas retóricas".
Lavareda argumenta que, dividindo o discurso político em três pares de "pólos", nos três Lula e Severino estão no mesmo ponto: entre o da emoção e o da racionalidade, ficam no primeiro; os dois também usam simplicidade argumentativa em contraponto à sofisticação; e as duas falas gozam de "percepção de sinceridade" perante a população em vez da "obliqüidade" comum.
Katia Saisi, professora do curso de especialização em Marketing Político e Propaganda Eleitoral da ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), avalia que o mais significativo é que o campo dessa "batalha discursiva" é o midiático. "É preciso separar o jogo político da percepção que a população tem dessa movimentação. E refletir se toda essa questão não atrai mais a atenção da mídia e dos próprios políticos do que da população", afirma.
Para o antropólogo Otávio Velho, professor do Museu Nacional da UFRJ, porém, Severino não tem cacife para "roubar a cena" discursiva. "Ele não tem essa força e não acredito que venha a ter. A audiência de Lula é nacional."
Velho acentua as diferenças: "Sem dúvida existem semelhanças, mas são formais, não de conteúdo. O que fazem é quebrar, por motivos diferentes, em nome de uma "retórica da espontaneidade", o discurso político instituído".
O publicitário Chico Malfitani, 54, que trabalha com campanhas políticas desde 1984 (já acompanhou as de Luiza Erundina e a de William Dib, prefeito atual de São Bernardo do Campo), endossa a análise de Velho. Para ele, são figuras opostas. "Lula é fruto de um movimento da opinião pública que queria transformação." Já Severino, prossegue, "foi eleito por currais eleitorais do Nordeste, chegou ao posto [de presidente da Câmara] por uma articulação política". "Sua imagem é oposta à que o povo queria ao eleger Lula."
O que pode "misturar" as imagens de ambos, diz Malfitani, é o "jogo sujo do Congresso". "A troca de cargos, a relação promíscua entre o poder central e o Legislativo os aproximam."
"O risco é as pessoas acharem que o Lula é o Severino. Isso seria muito negativo não para o governo, não para um partido, mas para a democracia do país", salienta.

Origens
Lavareda usa as coincidências biográficas para compará-los, mas também vê a diferença de conteúdo, advinda da trajetória política: "Além de pernambucanos, ambos têm origem humilde e migraram para São Paulo. Mas, ao voltar para Pernambuco, Severino fez uma carreira política tradicional. Ao ficar, Lula teve uma escola moderna, o sindicalismo".
Por afirmar que Lula e Severino partilham agora de uma mesma "categoria" é que, para Lavareda, essa carga negativa pode "contaminar" a fala de Lula -capaz de fazer uma "gafe" ou um "excesso" trocar de sinal na opinião pública: "FHC cometeria uma gafe. Lula comete uma sinceridade", brinca.
Já o que causa desconforto e repulsa no discurso de Severino, antes de serem as opiniões propriamente ditas, é o "excesso de transparência" do presidente da Câmara, incompatível com o discurso político, diz Otávio Velho.
E esse mesmo Severino, atacado como "símbolo do atraso", é o garoto-propaganda da classe média e da elite, como no caso da derrubada da MP 232, que aumentaria impostos para prestadores de serviços. "São posturas táticas. Severino nota também que, no momento em que ele está sob fogo cerrado, ele precisa se abraçar em bandeiras de maior legitimidade", explica Antonio Lavareda.
Ney Figueiredo, 67, consultor político, analisa o momento de Severino como seus "15 minutos de fama": "Lula é vôo de águia, e Severino, de galinha. Severino está em seu momento de glória, é o homem humilde que quer mostrar que deu certo. A elite quer cooptá-lo para que ele não faça a coisa errada. E ele, entrar para um clube ao qual não era convidado."


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