|
Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
Em "Um Homem Indignado", ator satiriza a primazia da imagem, abre feridas e se torna porta-voz da revolta geral
Walmor Chagas exerce o verbo em monólogo
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
"Um Homem Indignado"
não é um derradeiro acerto de contas de um representante
da velha e gloriosa geração de atores brasileiros contra a mediocridade atual do país; não é o canto
de cisne de Walmor Chagas. É
bem melhor do que isso, apesar
de não ser uma peça sem falhas.
Primeiro, porque Walmor não é
"uma múmia, com todos os achaques das múmias", para citar Nelson Rodrigues, um autor que ele
desautoriza abertamente em cena, ao se mostrar recusando um
convite de José Celso Martinez
Corrêa para fazer "Senhora dos
Afogados" no Oficina. Não aceita
o pedestal nem para si nem para
ninguém. Aos 74 anos, justamente, é dado a uma figura pública o
direito de não fazer mais média
com ninguém, não ser diplomático por cautela profissional, e esse
privilégio Walmor exerce com juventude plena, com virilidade até.
Descalço em cena, apoiado não
no cajado dos sábios, mas em
uma espingarda de cano duplo,
remete a Clint Eastwood, reafirmando com orgulho gaúcho que
nosso velho oeste está no sul. Sua
sabedoria está a negar a prudência, a serenidade que supostamente vem com a idade, que é o
primeiro mito que ele faz questão
de desmentir. Com auto-ironia,
esse "velho senhor indigno" se faz
porta-voz da indignação geral.
Mas o eremita de Guaratinguetá
não profetiza nem esbraveja. É
um ator contido, interiorizado,
que tira sua força justamente do
seu modo prosaico e sem cerimônia de abrir feridas. Faz rir com
seu mau humor, mas com um distanciamento que demonstra um
controle de sua imagem pública:
como Woody Allen, faz papel de
si mesmo. Sua dramaturgia, no
entanto, ainda pertence à do teatro de frases. Outro ator com menos carisma revelaria a fraqueza
do texto. Walmor escreve para
Walmor: outros personagens surgem como projeções, até mesmo
em forma de desenho animado,
na divertida caricatura do político. Avançando por associações,
quase como um blog, costurando
páginas de diário com esboços de
encenações, o texto só não se torna desconexo porque gira em torno do tema "palavra versus imagem", o que pode ser entendido
como teatro conseqüente do passado versus o exibicionismo atual
da mídia televisiva.
O diagnóstico é apressado. Primeiro porque a palavra cada vez
mais se faz presente no teatro brasileiro, graças aos novos dramaturgos, o que começa a melhorar
até mesmo a televisão. Depois
porque o próprio Walmor Chagas, que se apresenta como um
ator de cinema antes de tudo, já
era apaixonado pela multimídia
desde "Labirinto, Balança da Vida", de 1973, em parceria com esse mesmo Djalma Limongi Batista, que garante para o espetáculo
uma direção de arte bem cuidada,
com belas e dinâmicas projeções.
Apesar de satirizar a primazia
da imagem, portanto, o espetáculo aposta na imagem como saída
da crise, e falha justamente na direção de ator desses parceiros virtuais. São bastante amadoras as
participações especiais, ora por
inexperiência dos jovens atores,
ora por roubarem a cena sem cerimônia, como no caso de José
Celso. Para desautorizar o mau
gosto do "reality show", bastaria a
Walmor a palavra.
Este não é, portanto, o espetáculo definitivo de Walmor Chagas.
Mas é melhor assim: não é uma
despedida. Como Paulo Autran,
outro representante dos tempos
mais jovens de outrora, Walmor
Chagas deverá se manter à disposição do público para que o pulso
ainda pulse no teatro.
Um Homem Indignado
Quando: qui. a sáb., às 20h, dom., às
19h; até 22/5
Onde: CCBB (r. Álvares Penteado, 112,
tel. 3113-3651)
Quanto: R$ 15
Próximo Texto: "Pequenas Caquinhas" testa faces do humor Índice
|