São Paulo, sábado, 21 de maio de 2005

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CRÍTICA

Em "Um Homem Indignado", ator satiriza a primazia da imagem, abre feridas e se torna porta-voz da revolta geral

Walmor Chagas exerce o verbo em monólogo

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"Um Homem Indignado" não é um derradeiro acerto de contas de um representante da velha e gloriosa geração de atores brasileiros contra a mediocridade atual do país; não é o canto de cisne de Walmor Chagas. É bem melhor do que isso, apesar de não ser uma peça sem falhas.
Primeiro, porque Walmor não é "uma múmia, com todos os achaques das múmias", para citar Nelson Rodrigues, um autor que ele desautoriza abertamente em cena, ao se mostrar recusando um convite de José Celso Martinez Corrêa para fazer "Senhora dos Afogados" no Oficina. Não aceita o pedestal nem para si nem para ninguém. Aos 74 anos, justamente, é dado a uma figura pública o direito de não fazer mais média com ninguém, não ser diplomático por cautela profissional, e esse privilégio Walmor exerce com juventude plena, com virilidade até.
Descalço em cena, apoiado não no cajado dos sábios, mas em uma espingarda de cano duplo, remete a Clint Eastwood, reafirmando com orgulho gaúcho que nosso velho oeste está no sul. Sua sabedoria está a negar a prudência, a serenidade que supostamente vem com a idade, que é o primeiro mito que ele faz questão de desmentir. Com auto-ironia, esse "velho senhor indigno" se faz porta-voz da indignação geral.
Mas o eremita de Guaratinguetá não profetiza nem esbraveja. É um ator contido, interiorizado, que tira sua força justamente do seu modo prosaico e sem cerimônia de abrir feridas. Faz rir com seu mau humor, mas com um distanciamento que demonstra um controle de sua imagem pública: como Woody Allen, faz papel de si mesmo. Sua dramaturgia, no entanto, ainda pertence à do teatro de frases. Outro ator com menos carisma revelaria a fraqueza do texto. Walmor escreve para Walmor: outros personagens surgem como projeções, até mesmo em forma de desenho animado, na divertida caricatura do político. Avançando por associações, quase como um blog, costurando páginas de diário com esboços de encenações, o texto só não se torna desconexo porque gira em torno do tema "palavra versus imagem", o que pode ser entendido como teatro conseqüente do passado versus o exibicionismo atual da mídia televisiva.
O diagnóstico é apressado. Primeiro porque a palavra cada vez mais se faz presente no teatro brasileiro, graças aos novos dramaturgos, o que começa a melhorar até mesmo a televisão. Depois porque o próprio Walmor Chagas, que se apresenta como um ator de cinema antes de tudo, já era apaixonado pela multimídia desde "Labirinto, Balança da Vida", de 1973, em parceria com esse mesmo Djalma Limongi Batista, que garante para o espetáculo uma direção de arte bem cuidada, com belas e dinâmicas projeções.
Apesar de satirizar a primazia da imagem, portanto, o espetáculo aposta na imagem como saída da crise, e falha justamente na direção de ator desses parceiros virtuais. São bastante amadoras as participações especiais, ora por inexperiência dos jovens atores, ora por roubarem a cena sem cerimônia, como no caso de José Celso. Para desautorizar o mau gosto do "reality show", bastaria a Walmor a palavra.
Este não é, portanto, o espetáculo definitivo de Walmor Chagas. Mas é melhor assim: não é uma despedida. Como Paulo Autran, outro representante dos tempos mais jovens de outrora, Walmor Chagas deverá se manter à disposição do público para que o pulso ainda pulse no teatro.


Um Homem Indignado
  
Quando: qui. a sáb., às 20h, dom., às 19h; até 22/5
Onde: CCBB (r. Álvares Penteado, 112, tel. 3113-3651)
Quanto: R$ 15



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