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Músico lança hoje, com a Orquestra Jazz Sinfônica, dois dos seis CDs que pretende lançar em 2001
Por causa do amor
Um dos papas da bossa nova, o artista de 67 anos rejuvenesce graças ao mercado independente
Gustavo Roth/Folha Imagem
![](https://cdn.statically.io/img/www1.folha.uol.com.br/../images/ac2005012001.jpg) |
O compositor João Donato, um dos papas da bossa nova, durante ensaio com a Orquestra Jazz Sinfônica, com a qual se apresenta hoje na Sala São Paulo e lança disco |
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Um dos papas da bossa nova, o
pianista e compositor João Donato, 67, está hiperprodutivo em
2001. E diz que é culpa do amor.
Nascido no Acre e radicado nos
EUA nos anos áureos da bossa, ele
agora mora em Brasília. Culpa do
amor. Casou-se com uma jornalista estabelecida no Planalto Central e, nesta nova fase, já gravou
nada menos que seis CDs, que
pretende lançar ainda neste ano.
Continua sem o apoio das grandes gravadoras. Mas, desta vez,
Vartan Tonoian, russo radicado
nos EUA e dono do selo independente Elephant Records, tomou-se de amores por Donato e acaba
de lançar dois dos CDs -que
chegam ao Brasil via importação.
Um é "Brazilian Time", outro é
"The Frog". Esse vem com reforço da Orquestra Jazz Sinfônica,
que sobe hoje com o trio de Donato ao palco da Sala São Paulo, para
fazer as honras dos lançamentos.
Com a palavra, mr. Donato.
Folha - Por que você está tão produtivo?
João Donato - Não sei dizer.
Houve o lançamento de um songbook pela Lumiar, que deve ter
dado uma certa reavivada em
uma pessoa que sempre existiu,
mas estava ausente das gravações.
Eu gravava discos de dez em dez
anos, que eram malsucedidos comercialmente e tinham vida relativamente pequena. Em seguida
ao songbook, lancei "Café com
Pão", com Eloir de Moraes. Aí Almir Chediak (diretor da Lumiar)
me convidou para gravar o disco
"Só Danço Samba" em homenagem a Tom Jobim. Já gravei.
Vartan Tonoian me ligou do
Colorado a fim de fazer uma gravação comigo para o selo dele.
Gravamos "Amazonas", que foi
lançado aqui no ano passado, no
Memorial da América Latina,
com a Orquestra Jazz Sinfônica.
Esse concerto foi gravado e aparece agora como "The Frog". Naqueles dias aproveitamos um estúdio em São Paulo para gravar o
outro disco, "Brazilian Time".
Fomos a Denver para lançá-los
e lá gravamos mais um disco. Enquanto isso, o selo carioca Deck
Disc quis gravar comigo um CD
só com músicas inéditas, porque
o pessoal já está cansado de "A
Rã" e "Bananeira". Assim foi feito, mas a coisa começou a passar
da conta. Já chegou a 22 músicas,
dá para dois discos. O primeiro
vai sair antes no Japão.
Propus a Chediak mais um disco com Eloir: saiu "Remando na
Raia", também já pronto. E meus
amigos de Brasília me convidaram para gravar mais um disco, "I
Love You", que deve sair no fim
do ano. São seis ao todo, e vai haver um relançamento da BMG, de
um disco gravado com Claus
Ogerman em Nova York, em 65,
"The New Sound of Brazil". Esse
nunca foi lançado aqui.
Folha - Há uma explicação concreta para tanta produção?
Donato - Não sei a que atribuir.
Pode ser o fato de ter encontrado
com essa pessoa, que me deu um
certo estímulo, a euforia do
amor... Fiquei com vontade de
gravar mais, as pessoas começaram a me procurar mais, e eu, a
procurar as pessoas. Fora as participações que tenho feito em discos de Joyce, Marisa Monte, Fernanda Abreu, Emílio Santiago.
Acho que pode ser considerado
um recorde na história do disco.
Folha - Todos os CDs são de selos
independentes. As gravadoras
grandes continuam a ignorá-lo?
Donato - É verdade, continuo
sem interessá-las. Elas se voltam
para o sucesso momentâneo e
efêmero, das músicas pop que
não duram muito e dão muito dinheiro enquanto dão. As grandes
gravadoras não me procuram, e
eu, quando as procurei, sempre
recebi um não. Isso aconteceu várias e várias vezes. É comércio:
vendem a música, o amor, o corpo, qualquer coisa. Acho um pouco obsceno, 90% da música que
vendem é muito ruim.
Folha - E como você lida com isso?
Donato - Não vou dizer que não
fiquei triste várias vezes. O primeiro LP que gravei foi feito
quando Tom Jobim foi diretor
musical da Odeon por um tempo
bem curto. Sempre tive amigos
nos lugares. Roberto Menescal
me dizia que não podia gravar os
artistas que gostava, mas artistas
entre aspas, de retorno garantido.
Ao menos estou satisfeito pois as
pessoas com quem gravo não estão enriquecendo por causa disso,
nem eu também, mas não estamos perdendo de forma alguma.
Folha - Sua distância do formato
da canção tradicional, de letra e
melodia, não ajuda a explicar isso?
Donato - É verdade... Gosto muito de jazz, e no Brasil não há muito lugar para essa palavra. Brasileiro não gosta de música instrumental. A gente não compra disco
que não tenha letra, e a indústria
não quer gravar, porque sabe que
o retorno é duvidoso.
Folha - Como você encara participar de discos pop como os de Fernanda Abreu ou Marcelo D2?
Donato - É... A satisfação aí é que
eles admiram meu trabalho, telefonam-me perguntando se quero
tocar com eles. É lógico que vou
dizer sim. Convidei Fernanda e
Marisa para cantar no meu disco,
e elas vão topar. Chamo para dar
um colorido, um aspecto jovial, e
também para retornar o convite.
Sinto-me confortável e prestigiado. Vou com todo o prazer.
Folha - Algum dia você vai voltar
a trabalhar com João Gilberto, que
foi um de seus primeiros parceiros?
Donato - Só Deus sabe... Aí é
uma coisa de temperamento... A
gente gosta um do outro, admiramo-nos, mas cada um quer manter sua identidade, sua individualidade. A última vez que tocamos
juntos foi na época da bossa nova,
em 66. É mais difícil agora. Acabou o tempo da adolescência, dos
devaneios primaveris, de quando
nos encontrávamos sem saber
quando ou onde. Agora tudo é
um grande projeto.
Folha - Morando em Brasília, você
adquiriu algum interesse político?
Donato - Não, nem sei quem são
FHC, ACM... Não, seria absurdo
de minha parte, sei que se fala
muito sobre ACM. Mas não é da
minha curiosidade. Na hora de
votar, pergunto às pessoas que
admiro, à minha namorada, que
trabalha no PC do B. Mas não me
meto a estudar isso, não.
JOÃO DONATO TRIO E ORQUESTRA
JAZZ SINFÔNICA - Onde: Sala São Paulo
(pça. Júlio Prestes, s/n�). Quando: hoje,
às 19h. Quanto: R$ 5 a R$ 15.
Informações: 3337-5414.
THE FROG e BRAZILIAN TIME - CDs
com João Donato Trio (o primeiro
também com a Orquestra Jazz
Sinfônica). Gravadora: Elephant Records
(www.elephantrecords.com, tel. 3815-7140). Quanto: R$ 25, em média.
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