São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

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Músico lança hoje, com a Orquestra Jazz Sinfônica, dois dos seis CDs que pretende lançar em 2001

Por causa do amor

Um dos papas da bossa nova, o artista de 67 anos rejuvenesce graças ao mercado independente

Gustavo Roth/Folha Imagem
O compositor João Donato, um dos papas da bossa nova, durante ensaio com a Orquestra Jazz Sinfônica, com a qual se apresenta hoje na Sala São Paulo e lança disco


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Um dos papas da bossa nova, o pianista e compositor João Donato, 67, está hiperprodutivo em 2001. E diz que é culpa do amor. Nascido no Acre e radicado nos EUA nos anos áureos da bossa, ele agora mora em Brasília. Culpa do amor. Casou-se com uma jornalista estabelecida no Planalto Central e, nesta nova fase, já gravou nada menos que seis CDs, que pretende lançar ainda neste ano.
Continua sem o apoio das grandes gravadoras. Mas, desta vez, Vartan Tonoian, russo radicado nos EUA e dono do selo independente Elephant Records, tomou-se de amores por Donato e acaba de lançar dois dos CDs -que chegam ao Brasil via importação.
Um é "Brazilian Time", outro é "The Frog". Esse vem com reforço da Orquestra Jazz Sinfônica, que sobe hoje com o trio de Donato ao palco da Sala São Paulo, para fazer as honras dos lançamentos. Com a palavra, mr. Donato.

Folha - Por que você está tão produtivo?
João Donato -
Não sei dizer. Houve o lançamento de um songbook pela Lumiar, que deve ter dado uma certa reavivada em uma pessoa que sempre existiu, mas estava ausente das gravações. Eu gravava discos de dez em dez anos, que eram malsucedidos comercialmente e tinham vida relativamente pequena. Em seguida ao songbook, lancei "Café com Pão", com Eloir de Moraes. Aí Almir Chediak (diretor da Lumiar) me convidou para gravar o disco "Só Danço Samba" em homenagem a Tom Jobim. Já gravei.
Vartan Tonoian me ligou do Colorado a fim de fazer uma gravação comigo para o selo dele. Gravamos "Amazonas", que foi lançado aqui no ano passado, no Memorial da América Latina, com a Orquestra Jazz Sinfônica. Esse concerto foi gravado e aparece agora como "The Frog". Naqueles dias aproveitamos um estúdio em São Paulo para gravar o outro disco, "Brazilian Time".
Fomos a Denver para lançá-los e lá gravamos mais um disco. Enquanto isso, o selo carioca Deck Disc quis gravar comigo um CD só com músicas inéditas, porque o pessoal já está cansado de "A Rã" e "Bananeira". Assim foi feito, mas a coisa começou a passar da conta. Já chegou a 22 músicas, dá para dois discos. O primeiro vai sair antes no Japão.
Propus a Chediak mais um disco com Eloir: saiu "Remando na Raia", também já pronto. E meus amigos de Brasília me convidaram para gravar mais um disco, "I Love You", que deve sair no fim do ano. São seis ao todo, e vai haver um relançamento da BMG, de um disco gravado com Claus Ogerman em Nova York, em 65, "The New Sound of Brazil". Esse nunca foi lançado aqui.

Folha - Há uma explicação concreta para tanta produção?
Donato -
Não sei a que atribuir. Pode ser o fato de ter encontrado com essa pessoa, que me deu um certo estímulo, a euforia do amor... Fiquei com vontade de gravar mais, as pessoas começaram a me procurar mais, e eu, a procurar as pessoas. Fora as participações que tenho feito em discos de Joyce, Marisa Monte, Fernanda Abreu, Emílio Santiago. Acho que pode ser considerado um recorde na história do disco.

Folha - Todos os CDs são de selos independentes. As gravadoras grandes continuam a ignorá-lo?
Donato -
É verdade, continuo sem interessá-las. Elas se voltam para o sucesso momentâneo e efêmero, das músicas pop que não duram muito e dão muito dinheiro enquanto dão. As grandes gravadoras não me procuram, e eu, quando as procurei, sempre recebi um não. Isso aconteceu várias e várias vezes. É comércio: vendem a música, o amor, o corpo, qualquer coisa. Acho um pouco obsceno, 90% da música que vendem é muito ruim.

Folha - E como você lida com isso?
Donato -
Não vou dizer que não fiquei triste várias vezes. O primeiro LP que gravei foi feito quando Tom Jobim foi diretor musical da Odeon por um tempo bem curto. Sempre tive amigos nos lugares. Roberto Menescal me dizia que não podia gravar os artistas que gostava, mas artistas entre aspas, de retorno garantido. Ao menos estou satisfeito pois as pessoas com quem gravo não estão enriquecendo por causa disso, nem eu também, mas não estamos perdendo de forma alguma.

Folha - Sua distância do formato da canção tradicional, de letra e melodia, não ajuda a explicar isso?
Donato -
É verdade... Gosto muito de jazz, e no Brasil não há muito lugar para essa palavra. Brasileiro não gosta de música instrumental. A gente não compra disco que não tenha letra, e a indústria não quer gravar, porque sabe que o retorno é duvidoso.

Folha - Como você encara participar de discos pop como os de Fernanda Abreu ou Marcelo D2?
Donato -
É... A satisfação aí é que eles admiram meu trabalho, telefonam-me perguntando se quero tocar com eles. É lógico que vou dizer sim. Convidei Fernanda e Marisa para cantar no meu disco, e elas vão topar. Chamo para dar um colorido, um aspecto jovial, e também para retornar o convite. Sinto-me confortável e prestigiado. Vou com todo o prazer.

Folha - Algum dia você vai voltar a trabalhar com João Gilberto, que foi um de seus primeiros parceiros?
Donato -
Só Deus sabe... Aí é uma coisa de temperamento... A gente gosta um do outro, admiramo-nos, mas cada um quer manter sua identidade, sua individualidade. A última vez que tocamos juntos foi na época da bossa nova, em 66. É mais difícil agora. Acabou o tempo da adolescência, dos devaneios primaveris, de quando nos encontrávamos sem saber quando ou onde. Agora tudo é um grande projeto.

Folha - Morando em Brasília, você adquiriu algum interesse político?
Donato -
Não, nem sei quem são FHC, ACM... Não, seria absurdo de minha parte, sei que se fala muito sobre ACM. Mas não é da minha curiosidade. Na hora de votar, pergunto às pessoas que admiro, à minha namorada, que trabalha no PC do B. Mas não me meto a estudar isso, não.


JOÃO DONATO TRIO E ORQUESTRA JAZZ SINFÔNICA - Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, s/n�). Quando: hoje, às 19h. Quanto: R$ 5 a R$ 15. Informações: 3337-5414.



THE FROG e BRAZILIAN TIME - CDs com João Donato Trio (o primeiro também com a Orquestra Jazz Sinfônica). Gravadora: Elephant Records (www.elephantrecords.com, tel. 3815-7140). Quanto: R$ 25, em média.



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