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ARTIGOS
Descoberto assassinato de John Kennedy
SILVIO DWORECKI
especial para a Folha
John Kennedy assassinado por
Alzira Pastore. Anos de pistas falsas, dúvidas e suspeitas. Agora,
somente agora, a assassina confessa. Alzira era criança quando
mandou matá-lo. Apaixonada,
sabia dele pela revista "Manchete". Isso e muito mais pode-se saber nas falas, benditas, de Bete
Coelho em "Pai", aula de direção
teatral de Paulo Autran, texto
pop de Cristina Mutarelli e cenário japonês de Daniela Thomas.
Pop, sim...mas por que pop?
A autora do espetáculo tem um
hábito: faz colagens todas as noites. São Paulo já viu a qualidade
de seus trabalhos em artes plásticas. Assiste-se ao espetáculo imaginando. Ou seja, criando imagens no pensamento. A autora é
atriz. Das artes também faz as
plásticas. Seu texto é construído
com figuras a suceder-se.
É bom lembrar o que se diz das
crianças. Quando exercem uma
linguagem artística, provavelmente exercerão outra. Uma puxa a outra. Mas se abandonam
uma linguagem, logo abandonarão as outras.
Quando abandonadas, abandonam. O mesmo se dá com
adultos, adolescentes, idosos.
Diante desse exercício simultâneo de Cristina Mutarelli como
atriz, artista plástica e agora autora, uma leitura possível de seu
texto talvez seja através do foco
das artes plásticas. Retomando
então: por que pop, o Pai?
Tanto os vitrais medievais
quanto as pinturas da época traziam personagens com tamanhos hierarquizados de acordo
com sua importância em relação
à ordem celeste. Pai, Mãe, Divino
Espírito e Filho sempre grandes.
O povo em escala diminuta. Os
lugares claramente efêmeros.
Falsos como cenários de papelão.
Presépios. É no Renascimento,
com as leis da perspectiva, que as
figuras começam a ganhar tamanho, de acordo com a posição
que ocupam no espaço. Na Idade
Média, a igreja hierarquiza. No
Renascimento, o olhar. Na infância... o afeto.
Partes do texto do espetáculo
são da personagem Alzira quando criança. Para ela, Kennedy é
grande. Ela pequena, Kennedy
grande, o pai enorme, poderoso...
Quase como se supõe ser para toda criança.
Mutarelli, adulta, redesenha estas imagens e as traz para o palco.
O verbo no presente. Pensa-se
mais em colagem, como as que a
autora faz à noite.
Ícones e totens da paisagem
gráfica e urbana da América nos
60. Isso de pintura com imagens à
imagem e semelhança ao que de
fato são, é coisa do Renascimento. Ao se citar as leis da perspectiva, já se enunciava o desejo da fotografia. Ou de Hollywood.
Alzira, quando criança, colhe
suas fantasias na revista "Manchete". Decide matar o então presidente americano baseada nesta
mesma fonte. Mutarelli cita os sinais que permitem identificar e
localizar a personagem. Mais que
isto. Mostram a coleção de imagens do folclore urbano da alta
classe média paulistana da metade deste século 20. Baile na ilha
Porchat, apartamento em Higienópolis e outro no Guarujá...
Esta coleção é exposta pelo texto ao público como citações, imagens coladas, elogios da cultura
daquele momento.
Quando as emoções ameaçam
avolumar-se, surge um substantivo. Surge um jogo trocadilhesco, de palavras. Estes recursos enclausuram a possibilidade de
pranto. Engole-se em seco.
Velho grande e seu cão diminuto, é narrativa que aparentemente nada tem a ver com o todo. Por
isso, talvez, é o momento que
mais elucida.
O segundo já nem se vê. É história em quadrinhos, comics. Como também é comics a luz que
emoldura a atriz e sua bolsa.
De colagem em colagem, segue
o gosto em ação no teatro. O fim
do texto se explica e trai sua natureza. Abandona a vocação pop de
fragmentos agrupados.
Em cena, o branco ritmado de
gavetas. Quase reais. Papel branco de desenho japonês. Ali, o
tempo não tem antes nem depois. Só vale o durante. O tanto
que dura uma fala. Um gesto. Local próprio para um espetáculo
que se desenrola ao longo do
tempo, como qualquer espetáculo, ganhar a condensação do que
pode ser aprendido em frações de
segundo. Colagem, pintura. Daniela Thomas ofereceu o lugar
onde o pop viceja.
Poucas vezes a atriz é emoldurada pelo negro. Vive num quadrado de luz. Betty Boop? Louise
Brooks? Bete Coelho!! Sem largar
a bolsa, o espetáculo vai em direção à sua maior vocação. Pop.
Ingmar Bergman diz que dirige
cinema, teatro, com o fim único
de entrar em contato com a platéia. O talento cultivado de Bete
Coelho faz o mesmo: ninguém
dos presentes a qualquer de suas
apresentações sai ileso. Fato raro
nestes tempos de clones e enxurradas. Esta é uma atriz de teatro
sem vícios do naturalismo novelesco. Sem falsas economias.
Ao contrário, exubera na sinceridade cultivada das intenções
poéticas. Visíveis dos pés à cabeça e dos tons ao brilho. Esta é a
Bete Coelho antes de encontrar
Paulo Autran. Performance em
escala de praça. Desse encontro
nasce a possibilidade de atuar no
tamanho de estádios. Bom lembrar que os primeiros teatros,
aqueles das encostas das montanhas, eram estádios.
Silvio Dworecki é artista plástico, cenógrafo, professor doutor pela FAU-USP e autor
de "Camadas de Tempo" (Scipione) e "Em
Busca do Traço Perdido" (Edusp/Scipione)
Peça: Pai
Autora: Cristina Mutarelli
Com: Bete Coelho
Quando: sex. e sáb., 21h; dom., 20h
Onde: teatro Clowne Plaza (r. Frei
Caneca, 1.360, tel. 289-0985)
Quanto: R$ 20 (R$ 10/Apetesp)
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