S�o Paulo, sexta-feira, 25 de abril de 1997![]() |
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Biografia louva e desdenha Charles Chaplin
ANDREW SARRIS
Plat�ias riram de suas palha�adas antes mesmo de saber que o camarada baixinho com chap�u-coco, cal�as largas, bigodinho impertinente e bengala expressivamente m�gica era Charles Chaplin, imigrante de sotaque cockney, artista de teatro de variedades. Mas, praticamente ao mesmo tempo em que o Charlie das telas era aplaudido, o Charles da vida real j� era vaiado, acusado de fugir covardemente da Primeira Guerra Mundial (na verdade, fora rejeitado pelo recrutamento militar por problemas m�dicos). E assim seguiram a sua longa vida e a sua longa carreira: em meio a superlativos e apupos. Kenneth S. Lynn, autor de elogiados estudos sobre Ernest Hemingway, Mark Twain e William Dean Howells, professor em�rito do Departamento de Hist�ria da Universidade Johns Hopkins, produziu um calhama�o prodigiosamente pesquisado e sob muitos aspectos fascinante, que se arrisca em todas as dire��es � procura do homem por tr�s do mito. Infelizmente, o leitor de "Charles Chaplin and His Times" ter� de escalar uma montanha de notas de rodap�, refer�ncias, extratos, breve contextualiza��o de convuls�es sociais e hist�ricas, minibiografias de personagens famosos, opini�es de cr�ticos e de historiadores, de amigos, inimigos, de esposas e amantes, at� chegar ao t�mulo em Vevey, na Su��a, de onde v�ndalos roubaram o caix�o de Chaplin no dia 2 de mar�o de 1978. Para iniciar uma leitura compulsiva da obra de Kenneth Lynn, talvez seja melhor come�ar por alguns coment�rios de Sigmund Freud que o leitor encontra depois de percorrer cerca de dois ter�os do livro. "Charles Chaplin esteve em Viena por estes dias", relata Freud a um amigo em carta datada de 1932. Chaplin, em viagem pela Europa, j� havia se encontrado na Inglaterra com George Bernard Shaw e com o primeiro-ministro brit�nico Ramsay MacDonald, e, na Alemanha, com Marlene Dietrich e Albert Einstein. Frio demais Freud escreve: "Eu tamb�m deveria ter me encontrado com ele, mas estava frio demais para ele, que partiu rapidamente". A seguir, Freud oferece suas observa��es sobre o famoso comediante: "Ele �, sem sombra de d�vida, um grande artista. Interpreta sempre uma �nica e mesma figura, sempre o jovenzinho fr�gil, pobre, indefeso e desajeitado, mas, no final, as coisas acabam dando certo". "Mas julga voc� que, para interpretar esse papel, ele precisa deixar de lado o pr�prio ego? Ao contr�rio: ele representa sempre a si mesmo, tal como foi em sua mocidade sombria". "N�o consegue superar aquelas impress�es e at� hoje busca compensa��o pelas frustra��es e humilha��es de seu passado. Ele �, por assim dizer, um caso extraordinariamente simples e transparente". "O conceito de que as realiza��es dos artistas sempre est�o intimamente ligadas �s lembran�as, repress�es e decep��es da inf�ncia j� produziu muitos esclarecimentos e, por essa raz�o, tornou-se muito precioso para n�s". Fantasia � parte confirmar Sigmund Freud como um dos grandes cr�ticos do s�culo 20, essa passagem aponta para o tema central de Kenneth Lynn, que vai se insinuando por entre pilhas e pilhas de documentos, e � a fantasia jamais realizada de Chaplin de resgatar da loucura a desgra�ada m�e, Hanna, por meio de sua arte e de seu sucesso. Todo o resto � a viagem de uma longa vida solit�ria at� Vevey, onde ele p�de criar, na melancolia de seu crep�sculo, um mundo vitoriano mais af�vel do que aquele ao qual fora atirado pela m�e. L�, Chaplin podia reinar como severo patriarca dos oito filhos e da m�e-menina deles, Oona O'Neill Chaplin. Na aventura de Kenneth Lynn -seis anos, ao todo- pelos dom�nios da biografia cinematogr�fica, talvez o mais assombroso para o leitor seja o fato de que o autor admira o artista Chaplin com a mesma intensidade de seu desd�m, que beira a repugn�ncia, pelo ser humano Chaplin. Eu n�o tinha id�ia de que Chaplin escolhera Virginia Cherrill para o papel de florista cega em "Luzes da Cidade" porque, ao contr�rio das outras candidatas, ela n�o revirava os olhos para cima para demonstrar que era cega. E a observa��o de Lynn sobre o desconforto de Chaplin durante as filmagens de "O Grande Ditador" -em oposi��o ao prazer de fazer pastel�o com Jack Oakie, ator de vaudeville que interpretava Napaloni- nos remete �s origens pouco refinadas da arte de Chaplin. Ninfetas Ao mesmo tempo, Lynn esmera-se em relacionar exemplos da m� conduta permanente de Chaplin -a ca�a �s ninfetas, a compuls�o casanoviana, o discurso stalinista ing�nuo. Para o bi�grafo, ainda mais dignos de censura s�o os in�meros exemplos de frieza, ego�smo e ingratid�o para com colegas, empregados e membros da fam�lia, exemplos recolhidos de di�rios, fofocas, historinhas de segunda m�o e biografias (mas, naturalmente, n�o da autobiografia reconhecidamente pouco confi�vel do pr�prio Chaplin). Essa torrente de ofensas consome p�ginas e p�ginas, at� o ponto em que cabe perguntar como � que Chaplin escapou de ser linchado. Parece �s vezes que Lynn considera sua obriga��o destruir nossas ilus�es e eventuais sentimentos afetuosos em rela��o a Chaplin. Milion�rio aos cerca de 20 anos, esperto, mas inculto, Chaplin n�o era sen�o pretensioso em sua busca por respeitabilidade intelectual. Portanto, j� era alvo para detratores implicantes muito antes de Kenneth Lynn juntar-se ao bando. O malandro de rua que se tornou sir Charles Spencer Chaplin �s custa de enorme persist�ncia era muito zeloso de sua ascens�o social e da cita��o dos nomes de gente famosa com quem se relacionava. Mas Kenneth Lynn � ainda mais fervoroso na tentativa de condenar Chaplin por essas gafes pessoais. Tudo � quest�o de propor��o. Exemplo: para provar que a inf�ncia de Chaplin foi mais propriamente carente do que miser�vel, Lynn mergulha em digress�es sobre a pobreza em Londres, bairro a bairro, na �poca. O tom obsessivamente cr�tico de Lynn me impede a formular algumas advert�ncias de bom senso. Chaplin, afinal de contas, era figura incomum por ser, ao mesmo tempo, um artista da maior estatura e um executivo da ind�stria cinematogr�fica. Poder e gl�ria Portanto, diferentemente de figuras comparativamente detestadas como Pablo Picasso e Robert Frost, criou um ex�rcito de inimigos potenciais entre seus empregados e subordinados. Chaplin tinha poder, n�o apenas gl�ria. Al�m disso, Chaplin nunca enfrentou verdadeiro decl�nio em sua carreira. Trabalhou por conta pr�pria a vida toda, e, tendo vendido suas a��es em 1928, manteve-se pr�spero em meio � quebra da Bolsa, durante a Grande Depress�o e pelos anos seguintes. Embora tenha perdido p�blico de massa depois de "O Grande Ditador" (1940), continuou relan�ando seus filmes mudos cl�ssicos de tempos em tempos, de modo a permanecer uma figura p�blica forte, conhecida de milh�es de jovens frequentadores de cinema que jamais tinham ouvido falar, por exemplo, de Harold Lloyd. Seus �ltimos filmes -"Monsieur Verdoux" (1947), "Luzes da Ribalta" (1952), "Um Rei em Nova York" (1957) e "A Condessa de Hong Kong" (1967)- podem n�o ter sido sucesso de p�blico, mas transformaram-se em pe�as cultuadas por seus admiradores mais fi�is, como James Agee, Andr� Bazin e Fran�ois Truffaut. Ou seja: Chaplin nunca desceu � categoria de deprimente fantasma hollywoodiano, como D.W. Griffith ou Buster Keaton, de modo que n�o existe em sua hist�ria a trag�dia f�cil que induz l�grimas de crocodilo de bi�grafos a prop�sito da crueldade perene do show biz. Para profunda irrita��o de muita gente, Chaplin, at� o fim de seus dias, viveu como um homem livre. Tradu��o de Clara Allain Livro: Charles Chaplin and His Times Autor: Kenneth S. Lynn Lan�amento: Simon & Schuster (Nova York) Quanto: US$ 35 (ilustrado, 604 p�ginas) Texto Anterior: Barrashopping tem dia irregular Pr�ximo Texto: Vida do artista continua � espera de um bi�grafo �ndice |
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