S�o Paulo, quinta-feira, 20 de junho de 1996
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O amor � cego e imaturo por natureza

MARIO SERGIO CORTELLA

H� exatamente 40 anos, o fil�sofo e psicanalista alem�o Erich Fromm -que, ao lado de Marcuse, influenciou imensamente os movimentos contraculturais dos nossos anos 60 e 70- publicou o livro "A Arte de Amar" e, no cap�tulo 2, afirmou: "O amor imaturo diz 'eu te amo porque preciso de ti'; o amor maduro diz 'eu preciso de ti porque te amo'."
Essa aparente contradi��o indicada por Fromm, supostamente produzida pela transi��o da imaturidade para a maturidade, aponta para uma outra quest�o: a dimens�o da causalidade.
Quando imaturo, a necessidade de algu�m faz com que aquele seja amado, sendo o amor um efeito; quando maduro, o amor por algu�m faz com que dele se necessite, sendo o amor uma causa.
Existe, de fato, amor maduro? Mais ainda: pode existir? Ou, pior: existe o amor, ou esse � apenas um outro nome para caracterizar as rela��es de depend�ncia e precis�o? Maduro ou n�o, o que � isso? � diferente o da mulher e o do homem? Lord Byron achava que sim; no seu Don Juan inseriu a m�xima 471 de La Rochefoucauld: "Na sua primeira paix�o a mulher ama o seu amante; em todas as outras, tudo o que ela ama � o amor".
Todos n�s, provavelmente, quando fomos apresentados aos estudos da gram�tica, ainda no processo inicial de alfabetiza��o, nos demos conta de um fato: o melhor e mais citado exemplo para explicar um substantivo abstrato era amor. Aprendemos que era substantivo e tamb�m que era abstrato; s� n�o aprendemos qual a sua subst�ncia.
Afinal de contas, o substantivo concreto � aquele que designa um objeto ou um ser; por sua vez, o substantivo abstrato � aquele que nomeia a��es, qualidades ou estados considerados separados dos seres e objetos. Separados dos seres e objetos! Onde, ent�o? Teria a morfologia uma queda pelo idealismo de Plat�o ou, melhor ainda, assimilado completamente a no��o de "amor plat�nico"?
Um dos melhores graffiti que j� pude ler -pela sua erudi��o e sagacidade- ficou muito tempo numa das paredes da PUC/SP: "Para curar um amor plat�nico, nada como uma transada hom�rica!".
Seria a revolta contra os ditames da imperme�vel abstra��o do substantivo exemplar ou apenas uma reifica��o psicanal�tica amadora? De qualquer forma, a frase capta bem o sentido da id�ia de Sebastien Chamfort que afirmava (em plena Revolu��o Francesa) que "o amor, tal como existe na sociedade, n�o passa da troca de duas fantasias e do contato de duas epidermes".
Seria o amor resultante da fantasia, da quimera simb�lica, da �nsia pelo valor mais alto dos pertencimentos rec�procos, da abstra��o? Mas o sentido do amor passa, sem d�vida, pelos sentidos dos corpos, pelo concreto.
Qual o papel do tato ("tua pele macia"), do olfato ("o aroma de canela"), da audi��o ("tuas doces palavras"), da vis�o ("teu semblante majest�tico") e do paladar ("teu sabor de mel")? Ou, como pensava Albert Cohen, "teria Julieta amado Romeu se a Romeu faltassem quatro incisivos, deixando-lhe um grande buraco negro no meio?".
O amor � cego e... imaturo. � paix�o e mist�rio. Tem raz�o Fernando Pessoa/�lvaro de Campos ao dizer que "todas as cartas de amor s�o rid�culas/ n�o seriam cartas de amor se n�o fossem rid�culas/ (...) Mas, afinal, s� as criaturas que nunca escreveram cartas de amor � que s�o rid�culas".
Substantivo abstrato?! Ora, os gram�ticos que nos perdoem...

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