S�o Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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Mulher de verdade

CAIO T�LIO COSTA

Para aparecer, um escritor se vale de um mal resolvido caso de amor com uma atriz inacess�vel
De todos os filmes de Jean Seberg, a lembran�a mais forte � dela como a garota americana em "Acossado": o cabelo curtinho, a camiseta de listras horizontais, os �culos escuros.
Esteve antes na pele de Joana D'Arc, dirigida por Otto Preminger. Em meados dos anos 70 estrelava obras decadentes e conservava certo vi�o no rosto, mas os olhos eram os mesmos -impenetr�veis.
Ficou, no entanto, a lembran�a da menina com o "Herald Tribune" na m�o. Talvez tamb�m por "Acossado" ser de Jean-Luc Godard -houve uma �poca em que ver Godard, discutir Godard e incensar Godard era obriga��o semanal, era a vida.
A not�cia da triste morte de Jean Seberg, aos 40 anos, veio em setembro de 1979. O corpo foi encontrado em seu carro numa rua de Paris, apodrecido ap�s duas semanas de decomposi��o. Suicidou-se com barbit�ricos, depois de muitos regimes, droga, �lcool, depois de uma vida na qual, tudo indica, faltou-lhe exatamente quem soubesse am�-la.
Isso vem a prop�sito de um livro hip�critra lan�ado ano passado por um escritor oportunista do M�xico e traduzido agora no Brasil: "Diana", de Carlos Fuentes (Rocco, R$ 15).
A hipocrisia: Fuentes, que teve um caso com Seberg no come�o dos anos 70, conta a hist�ria, mas n�o tem coragem de nome�-la. Chama-a de Diana Soren, a "ca�adora solit�ria". Usa recurso gasto por v�rios escritores e levado ao auge nos anos 50 por Simone de Beauvoir, com "Os Mandarins": falar de gente famosa trocando o nome.
Ao esconder do leitor o nome daquela que seus amigos sabem quem �, Fuentes tenta livrar sua consci�ncia de falso cavalheiro.
O oportunismo: Fuentes � um autor de relativo sucesso. Conquistou leitores no rastro dos grandes escritores latino-americanos, principalmente com "A morte de Artemio Cruz" (1962). Agora, para vender mais livros, se vale de um mal resolvido caso de amor com uma das mais inacess�veis personalidades do cinema. Porque o livro n�o existe se n�o se falar em Jean Seberg e ningu�m que escreveu sobre a obra deixou de esclarecer quem � Diana. Pois � a lembran�a, a aura dessa atriz atordoada que empresta curiosidade e sucesso a este livro de Fuentes.
Toda a impossibildade desse amor est� presente. Aparece principalmente na id�ia de Fuentes de que Seberg seria uma mulher dif�cil de se amar. Coisa n�o s� dele, mas tamb�m de outro homem com o qual Seberg conviveu, o escritor Roman Gary (nomeado Ivan Gravet no livro). Quando se encontraram, Gary confessou a Fuentes:
-Voc� n�o conheceu a dificuldade de amar uma mulher a quem n�o pode nem ajudar, nem mudar, nem deixar.
Isso era Jean Seberg. Claro, cabe�a de dif�cil compreens�o para a mentalidade machista e pregui�osa.
Fuentes deseja a f�mea tipo normal. Veja como define uma de suas esposas, esta p�s-Seberg:
-Mo�a saud�vel, moderna, ativa, bel�ssima e independente.
Com Seberg, que o acusava de ter pouca imagina��o, apesar dos sessenta e nove suntuosos, dos banhos de champanhe e m�ltiplos orgasmos, o �pice da impossibilidade amorosa veio na forma de uma frase capital:
-O senhor j� teve duas semanas de prazer. Quando pensa em d�-lo para mim?
Teve raz�o Seberg ao trocar Fuentes por um estudante, "revolucion�rio de verdade", conforme disse. Sobre Fuentes ela foi definitiva:
-Voc� escreve, mas n�o faz. � como os liberais ianques.

Ilustra��o: Jean Seberg em fotograma de "Acossado", filme de Jean-Luc Godard (1959)

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