S�o Paulo, ter�a-feira, 18 de abril de 1995
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"Tio Vania" mant�m vigor h� cem anos

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Est�o sendo lan�ados em v�deo dois filmes adaptados da pe�a "Tio Vania", do escritor e dramaturgo russo Anton Tchecov (1860-1904).
Os lan�amentos n�o deixam de ser um sinal do vigor de um texto que fez sua estr�ia nos palcos h� quase um s�culo, em 1899, no Teatro Art�stico de Moscou, fundado dois anos antes por Constantin Stanislavski (1863-1938).
O texto ter� ainda este ano v�rias montagens em teatros de Londres e Nova York e um novo filme, "August", a estr�ia na dire��o do ator Antony Hopkins ("O Sil�ncio dos Inocentes").
Um dos v�deos � "Tio Vanya em Nova York", do franc�s Louis Malle; o outro � "Vida no Campo", do australiano Michael Blakemore. No caso de Malle, n�o vale o lugar-comum segundo o qual bons textos resultam em filmes desastrosos e vice-versa.
Ao contr�rio de "Vida no Campo", que procura compensar o mal-estar do texto de Tchecov atrav�s de uma narrativa acelerada, desenvolta, sem lacunas e partid�ria de um humor um tanto deslocado, "Tio Vanya em Nova York" consegue sem nenhuma concess�o traduzir para o cinema a for�a do original que o inspira.
O achado de Malle est� no fato de que ele n�o faz propriamente cinema, mas teatro filmado. Mais do que isso, do in�cio ao fim assistimos n�o � pe�a de Tchecov, mas ao ensaio geral dias antes de sua estr�ia em um teatro de NY.
Por se tratar de um ensaio, o que sustenta a trama e d� ao filme o seu fio da meada � a interpreta��o dram�tica do texto, feita ali�s por atores absolutamente incomuns. H� muito pouca a��o, as refer�ncias espa�o-temporais s�o m�nimas e est�o praticamente ausentes do filme todas as pirotecnias e truques ilusionistas que fizeram do cinema o que ele �.
Malle opta pela economia, cria por subtra��o, limpando da tela todo o entulho diversionista. E, ao "omitir-se" da cena, ao deixar o texto falar, revela-se um grande diretor. "Tio Vanya em Nova York" acaba alcan�ando, dessa forma, o �mago da obra de Tchecov: p�e em cena um mundo em que nada acontece, imerso na mesmice, oscilando entre a ina��o e as trivialidades do dia-a-dia. Ao ver o filme temos a sensa��o, para parafrasear Tchecov, de que "s� resta na alma um grande espa�o vazio".
Em vez de uma trama que se desenvolve, atinge o cl�max e conhece um desenlace, como fomos habituados a ver o mundo a partir do drama burgu�s, Tchecov arma um atoleiro, em que todos os personagens, intranscendentes e amesquinhados, est�o mergulhados e condenados a viver como algo inescap�vel, um destino hist�rico.
Como escreveu Gilda de Mello e Souza num belo ensaio sobre o dramaturgo russo, publicado em "Exerc�cios de Leitura" (Duas Cidades, 1980), no universo de Tchecov "ningu�m luta encarni�adamente por um ideal, nenhum homem se eleva sobre os demais como a encarna��o da paix�o pessoal ou da grandeza de car�ter. (...) Neste mundo de frustra��es e mal-entendidos, a escolha quase n�o ocorre e a conduta � imposta do exterior para o interior".
Esta falta de alternativas, este mundo sem sa�das �, digamos, a chave de "Tio Vania", que Malle consegue compreender e explorar t�o bem. J� no final do filme, a sobrinha de Vania, a pretexto de consol�-lo, resume a trag�dia de suas vidas numa cena inesquec�vel. Diz ela: "O que podemos fazer, tio? Nada al�m de viver. Viveremos uma longa sucess�o de dias e de noites intermin�veis. Suportaremos as prova��es do destino, trabalharemos sempre para os outros agora e para o resto da vida. E quando morrermos, morreremos submissamente".

V�deo: Tio Vania em Nova York
Dire��o: Louis Malle
Elenco: Phoebe Brand, Lynn Cohen
Distribui��o: Betta (tel. 011/230-0200
V�deo: Vida no Campo
Dire��o: Michael Blakemore
Elenco: Sam Neil, Greta Scacchi
Distribui��o: Capital (tel. 257-8655)

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