S�o Paulo, domingo, 28 de agosto de 1994
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A queda de Maradona

S�LVIO LANCELLOTTI

Reatou as suas liga��es com Ruggeri e Redondo e assumiu, naturalmente, as fun��es de l�der do elenco na concentra��o do Babson College dos arredores de Boston, a sede da Argentina no torneio.
Era um frequentador constante da sala de muscula��o da escola e, para a alegria do fisicultor Signorini, paulatinamente reassumia a sua forma do certame de 86.
Contra a Gr�cia, 4 x 0 no dia 21 de junho, Maradona atuou impecavelmente e anotou um lindo gol. Pena que n�o tenha controlado a sua comemora��o.
Na celebra��o, ele correu diretamente at� uma c�mara de TV, postada na lateral do gramado, justamente � frente da tribuna de honra em que se alojavam os dignit�rios da Fifa e o ex-presidente norte-americano George Bush.
Foi impressionante a express�o de seu rosto, mistura de gl�ria e de revolta, de euforia e de vingan�a. Certamente apavorou o "establishment" do futebol.
Os boatos a respeito de uma recidiva do jogador no consumo de drogas circularam rapidamente no centro de imprensa do est�dio de Foxboro, nos arredores de Boston.
Marcos Franchi tranquilizou alguns jornalistas, amigos de Maradona: "Imposs�vel. Nenhuma chance. Exercemos sobre Diego um controle total. Al�m disso, ele est� mesmo recuperado. Quer ganhar a Copa e quer bater o recorde de presen�as de Lothar Matthaeus, 21 jogos nos mundiais".
No dia 25 de junho, um s�bado, no mesmo Foxboro, Maradona igualou a marca do alem�o no cotejo entre a Argentina e a Nig�ria, 2 x 1, um dos melhores combates da Copa. O craque participou diretamente dos dois tentos de sua sele��o, ambos de Caniggia.
Quando faltavam 15 minutos para o pr�lio terminar, a Fifa promoveu o sorteio dos jogadores que se submeteriam aos exames antidoping. Pela Argentina os escolhidos foram o zagueiro reserva Vazquez e Maradona.
Aos 40min da etapa derradeira, Basile chamou Maradona � linha lateral e lhe comunicou o resultado do sorteio. Ao final do jogo, o atleta celebrou a classifica��o antecipada com os companheiros e, enfim, saiu do gramado de m�os dadas com a param�dica que o levaria � sala dos exames.
De passagem pela "mixed zone", a ala do est�dio em que os jornalistas podiam se encontrar com os jogadores, comentou � Folha: "Estou muito feliz. Vou comemorar jantando bem. Em Boston existem lagostas sensacionais. Vou comer uma, inteirinha, com minha mulher e filhas".
Naquela noite, enquanto o craque saboreava o seu crust�ceo, as duas amostras de sua urina viajavam de Boston at� Los Angeles, onde seriam analisadas no laborat�rio Paul Zibbern da Universidade da Calif�rnia.
Passaram-se tr�s dias at� que os testes ficassem prontos. Na ter�a-feira, dia 28, �s 10h30 da manh�, um t�cnico do laborat�rio comunicou � sua chefia que, num dos frascos examinados, ainda sem a identifica��o do atleta, se descobriram tra�os de cinco subst�ncias proibidas pelos regulamentos da Fifa: efedrina, norefedrina, pseudoefedrina, norpseudoefedrina e metaefedrina.
O segredo perdurou por 30 minutos. Decifrado o c�digo escrito no vidro da amostra, se soube que ela pertencia a Maradona.
O belga Michel D'Hooghe, presidente da Comiss�o Antidoping do Mundial, imediatamente informou Joseph Blatter no Four Seasons Hotel de Dallas.
Blatter, por sua vez, telefonou a J�lio Grondona no Holiday Inn Govenment Center de Boston: "As an�lises da urina de Maradona resultaram positivas. Os testes da contraprova ser�o realizados amanh� � noite, em Los Angeles. Aconselho voc� a enviar um representante para testemunh�-los".
Grondona estava ao lado da esposa, N�lida. "De novo, ele?" �foi a rea��o da mulher.
O presidente da AFA concordou em ir at� o Babson College � cata de mais detalhes. Houve ent�o uma reuni�o de cartolas, sem a presen�a de Maradona ou de Marcos Franchi. No m�ximo um dirigente da AFA, Eduardo Deluca, se limitou a fazer uma liga��o para Daniel Bolotnikoff, o advogado do jogador, advertindo que uma comitiva viajaria para Los Angeles.
Apenas na tarde de quarta, dia 29, por volta de 17h45, a Fifa incluiria uma vaga informa��o a respeito de um antidoping positivo, sem detalhes, nos seus comunicados via computador aos nove centros de imprensa do Mundial.
Na mesma madrugada de 28 para 29, todavia, Blatter voltou a telefonar a Grondona: "J�lio, pe�o que voc� me envie a lista de medicamentos que Maradona est� tomando para podermos comparar com o positivo da amostra".
Grondona assevera ter remetido a tal lista por fax, o mais depressa que p�de. Blatter assevera ter remetido a tal lista a um laborat�rio de Zurique, na Su��a, o mais depressa que p�de. Faziam parte da rela��o dois medicamentos antigripais, o Nastizol e o Decidex, de venda livre na Argentina.
Em apenas uma hora Blatter voltou a se comunicar com Grondona: "J�lio, me dizem na Su��a que, tomando esses medicamentos, Maradona teria dormido em campo no jogo diante da Nig�ria �e n�s todos vimos que ele correu como nunca..."
Ironicamente, Maradona mal descansou na madrugada de 28 para 29. A filha Giannina passara a ter�a com febre e Dalmita estava nervosa com a doen�a da irm�.
Foi o massagista napolitano Salvatore Carmando quem contou a Maradona do resultado do exame. O craque ficou estupefato: "N�o � poss�vel. N�o usei medicamento nenhum". Mais aguda, Cl�udia Villafane estourou: "Disse que voc� n�o deveria confiar em determinadas pessoas. Voc� n�o me acreditou e o resultado est� a�".
Em conversa com Marcos Franchi, o presidente da AFA voltou a citar o Nastizol e o Decidex.
Perplexo, Franchi procurou por Maradona. E o jogador lhe jurou n�o haver ingerido nenhum medicamento: "N�o sei de onde tiraram essa hist�ria de Nastizol e de Decidex. Eu n�o me droguei, juro pelas minhas filhas".
Aos poucos, Maradona foi-se descontrolando e desabou num choro convulsivo. "E agora, quem se fode � Maradona", ele gritava no escuro do Babson College.
O astro somente se acalmou quando Fernando Signorini lhe demonstrou toda a sua solidariedade: "N�o, Diego. Voc� se fode, e o Marcos tamb�m, que � o seu representante, e tamb�m eu, que sou seu preparador..."
No dia 29, enquanto um grupo de cartolas e o advogado Bolotnikoff viajavam para Los Angeles, a delega��o da Argentina partia de Boston para Dallas, onde enfrentaria a Bulg�ria na tarde de 30.
Dois dramas, ent�o, se sucederam simultaneamente. No Four Seasons, a Fifa e a AFA se dedicavam � elabora��o de um acordo. Era imprescind�vel evitar mais confus�es na ordem do Mundial. Melhor seria se a Argentina, de moto pr�prio, desligasse Maradona da delega��o, antes da divulga��o do resultado da contraprova.
No laborat�rio Paul Zibbern, at�nito, Roberto Peidr�, o vice-m�dico da sele��o, descobria que, no frasco da contraprova, j� estavam anotadas as subst�ncias proibidas do primeiro teste.
Para a total lisura dos exames, realiza as an�lises da contraprova uma equipe de t�cnicos completamente diferente da inicial. Mais, esses t�cnicos n�o podem saber, em hip�tese alguma, que subst�ncias devem investigar.
Peidr� ainda tentou argumentar com dois cartolas da AFA, David Pintado e Agricol de Bianchetti, tamb�m testemunhas das an�lises, que se tratava de uma irregularidade crucial, capaz de anular a investiga��o inteira. Os cartolas, no entanto convenceram Peidr� a se calar: "Ser� melhor assim".
�s 11h50 do dia 30 de junho, Pablo Abbat�ngelo, uma esp�cie de porta-voz da AFA, anunciou � imprensa que a federa��o decidira retirar Maradona da competi��o "a fim de permitir � Fifa analisar com maior profundidade o caso, num futuro pr�ximo". �s 12h20, Joseph Blatter comunicou, oficialmente, os resultados "positivos" da contraprova do jogador.
Em nenhum momento apareceram em cena o m�dico Ugalde e o treinador Basile. Maradona, posteriormente, acusaria Ugalde de omiss�o �e por isso est� sendo processado pelo m�dico.
A id�ia de um compl� contra Maradona impediu Franchi de enxergar a verdade �enfim clarificada, semanas depois, de volta a Buenos Aires, por Lentini.
Em meados de agosto, quando preparava com Franchi e com o craque a defesa a ser apresentada ao tribunal da Fifa, Lentini descobriu que Maradona tinha trocado o Ripped Fast por outro produto emagrecedor, o Ripped Fuel.
Velozmente, com a ajuda de quatro volunt�rios, Lentini testou e retestou o Fast e o Fuel. Quem tomou o Fast fez uma urina impec�vel. Quem tomou o Fuel apresentou a efedrina na urina.
S� ent�o Maradona se lembrou que, em Boston, se acabara o seu estoque do Fast �e que Daniel Cerrini, encarregado da reposi��o do produto, sem encontrar o Fast lhe forneceu o Fuel.
A tolice n�o exime o astro da responsabilidade. Funciona, por�m, como atenuante.
A AFA, parece claro, tem tantas culpas quanto Maradona. Dentre os seus cartolas, todos deveriam saber que Maradona ingeria um produto de emagrecimento. Todos, de Grondona a Basile, passando pelo m�dico Ugalde.
Por que, quando Blatter telefonou a Grondona para solicitar a lista de rem�dios o presidente, em vez de se apressar e citar o Nastizol e o Decidex, n�o consultou Franchi, Signorini, Maradona ou mesmo Cerini? O diet�logo, afinal, foi � Copa como membro oficial da delega��o.
A Fifa apenas puniu Maradona e Cerrini.
Sobre a efedrina no esporte, ali�s, sobrevive, forte, uma frase de Vincenzo Pincolini, o preparador atl�tico da sele��o da It�lia, um estudioso do doping: "Punir Maradona por causa de efedrina me entristece. Achar que a efedrina, hoje em dia, � um estimulante, me faz rir. Existem no mundo dezenas de outras subst�ncias mais eficientes �e muitas delas os testes n�o conseguem detectar".

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