S�o Paulo, domingo, 10 de abril de 1994
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M�sica tamb�m se faz com id�ias

Sai 'Contemplating Music', antologia de est�tica musical

ARTHUR NESTROVSKI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Seis anos e 2.000 p�ginas depois do primeiro lan�amento, aparece agora este quarto e �ltimo volume da monumental antologia de fontes da est�tica musical, organizada por Carl Dahlhaus e Ruth Katz. Nem hist�ria da est�tica, nem filosofia da m�sica, "Contemplating Music" tem o prop�sito mais original de situar-se no cruzamento entre id�ias musicais e id�ias sobre a m�sica. Cobrindo um vasto per�odo, que coincide virtualmente com a hist�ria da nossa cultura, as reflex�es aqui reunidas enquadram-se no contexto mais amplo da "Kunstwissenschaft", ou estudo geral das artes. A antologia nos faz mesmo ver a maneira como a m�sica, ela tamb�m, vem pensando a nossa cultura. Vale dizer que esta colet�nea n�o se destina s� aos music�logos e poderia servir de est�mulo para as mais variadas disciplinas, da filosofia �s ci�ncias sociais, da psicologia � hist�ria.
Na paisagem multifacetada de tantos textos e autores, percebe-se agora a concentra��o em tr�s vias mestras, presentes do come�o ao fim: m�sica e linguagem, m�sica e tempo, e m�sica e express�o. No grande esquema montado pelos organizadores, essas tr�s correntes v�o se combinar, sem ordem fixa, com o pensamento sobre a natureza da m�sica (vol. 1), seu significado (vol. 2) e sua ess�ncia (vol. 3). O quarto volume estabelece liga��es entre est�tica e sociologia, sob a rubrica da "Comunidade Discursiva".
Como nos outros tr�s, aqui tamb�m a riqueza do livro vem do confronto, mais do que da unidade. V�rias tend�ncias se chocam entre si, conferindo ao conjunto um tom quase dram�tico. O que dizer, por exemplo, de um ensaio de Adorno lado a lado com as palavras do ide�logo stalinista Andrei Zhdanov? Ou dessa "Palestra de Encerramento da Confer�ncia de Trabalhadores Musicais Sovi�ticos" contrastada � discuss�o "liberal" de um John Mueller, ou � "filosofia humanista da m�sica" de Edward Lippman? Quando se pensa nesses di�logos, sobrepostos a todos que os antecedem, na pr�pria antologia, certos padr�es de recorr�ncia se imp�em com for�a milenar, sossegando at� o esp�rito mais inflamado. A orienta��o do desassossego n�o � o pior motivo de um educador; e "Contemplating Music" � uma educa��o como poucas.
Seguindo o modelo da s�rie, o volume quatro traz breves introdu��es a cada texto; mas ao contr�rio dos demais, a colet�nea, neste caso, privilegia o nosso s�culo, como n�o poderia deixar de ser, tendo em vista o assunto. A sociologia � uma disciplina recente e o primeiro estudo propriamente sociol�gico da m�sica � um fragmento inacabado de Max Weber (1864-1930), "Funda��es Racionais e Sociais da M�sica", publicado postumamente em 1958. Weber se pergunta porque teria o sistema tonal moderno se desenvolvido em certas partes do mundo, e n�o em outras. Existiria uma rela��o entre forma musical e forma social? No fragmento, eles se prop�em examinar o processo crescente de racionaliza��o no Ocidente, com paralelos na m�sica. Para o estudante de sociologia, pode causar surpresa um Max Weber falando de "Pentatonicidade e o Problema do Semitom", ou das "Propriedades Irracionais do Acorde de S�tima Dominante"; mas este � apenas um dos tantos pontos em que Dahlhaus e Katz nos revelam a m�sica como fonte, e n�o s� reflexo do pensamento.
Mais importante do que Weber, em retrospecto, s�o os escritos de Theodor Adorno (1906-1969), representados por um excerto da "Filosofia da Nova M�sica". Seus coment�rios sobre a rela��o entre inova��es da forma e altera��es no conte�do expressivo, e sua an�lise sobre a "tend�ncia do material" em Schoenberg s�o cl�ssicos da est�tica moderna, com repercuss�es diretas sobre a produ��o musical. E s�o precisamente essas bodas contempor�neas entre composi��o e cr�tica que fornecem assunto para o ensaio de Stanley Cavell, "Music Discomposed" (1976), que apropriadamente d� fecho ao livro num tom de interroga��o.
Se fosse necess�rio resumir essas 2.500 p�ginas em uma frase s�, talvez se pudesse dizer o seguinte: nem s� de sons vive a m�sica.
Id�ias sobre a m�sica s�o parte integral da composi��o, como da percep��o. N�o h� quem n�o tenha pressupostos sobre o que �, ou deveria ser a m�sica; examinado detidamente, este fato poderia render uma verdadeira psicopatologia da escuta cotidiana, parte, ali�s, do que vem fazendo a sociologia musical. Ao proporcionar um contato direto com a rica tradi��o de coment�rios sobre essa arte, "Contemplating Music" faz jus �s palavras de Wittgenstein, citadas por Cavell, mas trocando aqui filosofia por m�sica: "Redobrar as for�as da m�sica, contra o encantamento da intelig�ncia pela linguagem."

A OBRA
Contemplating Music - Source Readings in the Aesthetis of Music, vol. 4, organiza��o de Carl Dahlhaus e Ruth Katz. Pendragon Press, Stuyvesant, Nova York. 250 p�gs.
Onde encomendar: Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, Cj. Nacional, tel. 011 285-4033)

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