Livraria da Folha

 
15/04/2010 - 14h15

H� 30 anos morria Jean-Paul Sartre, existencialista que lutou ao lado de estudantes em 1968

da Livraria da Folha

31.ago.1960/Reprodu��o
Veja reprodu��o da p�gina do jornal que traz a not�cia
Veja reprodu��o da p�gina do jornal que traz a not�cia
Siga a Livraria da Folha no Twitter
Siga a Livraria da Folha no Twitter

Jean-Paul Sartre (1905-1980), fil�sofo existencialista e romancista franc�s que influenciou diversas gera��es, foi um dos grandes ativistas pol�ticos do s�culo 20.

Em 1960, o pensador esteve no Brasil e voltou em outras oportunidades. Durante as rebeli�es estudantis do conturbado ano de 1968, entrincheirou-se junto aos estudantes.

Publicado originalmente em 1943, "O Ser e o Nada", sua obra mais famosa, apresenta uma explica��o sistem�tica sobre o mundo, por meio de um exame da realidade humana e como ela se manifesta concretamente.

O t�tulo foi considerado um dos cem melhores livros de n�o-fic��o do s�culo 20, resultado de vota��o organizada pelo caderno "Mais!" da Folha de S.Paulo.

Reprodu��o
Livro tamb�m relata o relacionamento pouco convencional com a escritora Simone de Beauvoir
Biografia revela o relacionamento pouco convencional com escritora

Em 1964, Sartre recusou o pr�mio Nobel de literatura.

O intelectual est� enterrado no cemit�rio de Montparnasse, em Paris, junto a sua companheira, a escritora francesa Simone de Beauvoir (1908-1986).

Para entender a vida e a obra do fil�sofo e sua importante participa��o no pensamento ocidental, "Sartre" --escrito por Annie Cohen-Solal, sua principal bi�grafa-- revela os caminhos, as ang�stias, os relacionamentos, os fracassos e os sucessos desse franc�s cuja vida se confunde com a pr�pria hist�ria do s�culo 20.

O volume parte de uma reconstitui��o das diferentes �pocas, lugares e situa��es, para reconstruir a sua filosofia e seu tempo, al�m de esclarecer os motivos pelos quais ele exercia tanta influ�ncia sobre a juventude.

Abaixo, leia um trecho de sua biografia.

Aten��o: o texto reproduzido abaixo mant�m a ortografia original do livro e n�o est� atualizado de acordo com as regras do Novo Acordo Ortogr�fico. Conhe�a o livro "Escrevendo pela Nova Ortografia".

*

ACENDAM-SE AS LUZES PARA JEAN-BAPTISTE!

"Meu pai teve a delicadeza de morrer em idade prematura... Saindo de cena assim, de fininho, Jean-Baptiste me privou do prazer de conhec�-lo. Ainda hoje, fico espantado do pouco que sei a seu respeito... Mas na minha fam�lia nunca houve algu�m capaz de me despertar a m�nima curiosidade por ele..."
As palavras

"Minha querida irm�zinha, cumpro o que prometi e vou te falar do baile de s�bado. Foi uma festa bel�ssima, muito bem-organizada. Ocorreu nos sal�es do hotel Continental; s�o imensos e luxuos�ssimos: no s�bado � noite compareceram tr�s mil pessoas no m�nimo, formando um p�blico selecionado; os vestidos eram bonitos e proporcionaram um lindo espet�culo para os olhos. L�gico que havia uma por��o de militares fardados, com espl�ndidos uniformes, como os dos oficiais e engenheiros-navais. Dois ministros, ex-alunos, Cavaignac e Guieysse, l� estiveram. �s onze horas anunciaram a chegada do senhor Faure; logo � entrada, os organizadores do baile (entre os quais eu) formaram duas alas, de espadim em punho. O presidente parecia muito contente e manifestou sua alegria nos conce dendo um dia inteiro de folga na segunda-feira..." Paris, 22 de janeiro de 1896. Como todas as semanas, um jovem aluno da Escola Polit�cnica, nascido em Thiviers (na Dordogne), descrevia � irm�, H�l�ne, que continuava morando no torr�o natal, todos os detalhes da nova vida de estudante. Jean-Baptiste Sartre, aos vinte e um anos, tirou o 46� lugar entre 223 candidatos no exame de admiss�o da "turma de 95". Esse filho de m�dico do Sudoeste da Fran�a era baixo, franzino, moreno e retra�do: no seu olhar n�o se vislumbrava o menor brilho, apenas a sobriedade, o t�dio, a falta de vibra��o dos homens de idade indefinida, amadurecidos demais aos vinte e j� velhos antes de completar trinta. Onze anos mais tarde, estar� morto, sem ter sequer envelhecido, depois de procriar um filho, Jean-Paul, que nem chegou a conhecer direito. Com o belo uniforme e o vasto bigode, parece mais uma crian�a fantasiada, miniatura de gente, verdadeiro soldadinho de chumbo. Algu�m seria capaz de prestar aten��o nesse projeto de homem, n�o fosse o adorno desproporcional do extraordin�rio bigode? Que se destacava de sa�da, professoral, belicoso, preto, fl amante, alvo e seguro. Que provocava e se impunha: ironia contida, distin��o e aprumo tenazes, um olhar de coniv�ncia, enfim, desses baixinhos demais, que desprezam a pr�pria estatura que t�m.

Jean-Paul Sartre nunca fez uma refer�ncia ao pai, Jean-Baptiste, que ultrapassasse uma p�gina e, mesmo assim, sem entrar em maiores detalhes. Jamais revelou que tivesse estudado na Escola Polit�cnica. Nem deixou transpirar uma ou duas informa��es que, no entanto, sabia: que o pai, indiv�duo brilhante, duplamente bacharel, tr�s vezes laureado no Concurso Geral, de que participavam os melhores estudantes universit�rios franceses, e filho de fam�lia abastada, decidiu bem cedo sair de casa, romper com tudo, em busca de aventuras noutras paragens, muito distantes do pequeno lugarejo do P�rigord onde havia nascido. E, no entanto, quantos la�os em comum entre Jean-Baptiste e Jean-Paul! Do ponto de vista f�sico, um � a pr�pria imagem do outro. O pai: um metro e cinq�enta e seis de altura; o fi lho: um e cinq�enta e sete. E depois, o mesmo temperamento de marginal desses dois jovens bem-nascidos, bem-aquinhoados pela sorte e pela sociedade, e destinados, desde o ber�o, a trajet�rias garantidas no meio burgu�s de onde provinham. Jean-Paul, ao se tornar escritor, resolve embaralhar os vest�gios, atrapalhar os bi�grafos, despistar os admiradores. Filho de ningu�m, � a op��o que faz, decidindo oficialmente que o pai de Sartre n�o existe. Est� certo, trata-se de um pai que n�o conheceu: tinha quinze meses de idade quando Jean-Baptiste morreu. E quando interrogado sobre o assunto, se refugia na falta de lembran�as, no sil�ncio da fam�lia ou ent�o, pura e simplesmente, no encontro frustrado de ambos:

- Meu pai? - reiterava, com indiferen�a. - Era apenas um retrato no quarto de minha m�e. - E acrescentava, como ponto final: - Nunca tive pai.

Com aquela voz perempt�ria, ciosa dos m�nimos efeitos, que interrompia qualquer contato com o interlocutor logo depois de pronunciar a �ltima s�laba:
"Nunca tive pai". Assunto encerrado.

Mas em 1960, em plena fase de indiferen�a manifesta, o escritor Jean-Paul Sartre, ent�o com cinq�enta e cinco anos de idade, estava trabalhando numa obra autobiogr�fica - talvez a mais bela de todas as que escreveu - que seria publicada tr�s anos depois: As palavras. De repente, e sem se sentir na obriga��o de informar qualquer pessoa de seu c�rculo de rela��es, toma o trem na esta��o de Austerlitz e vai parar no P�rigord. Lembra-se vagamente de que o pai tinha ali uma irm�, a tia H�l�ne Lannes, que morava antigamente na Rua Saint-Front, perpendicular � catedral. Toca a campainha do n�mero 7, uma casa residencial fronteira ao velho pr�dio, agora em ru�nas, que antes servia de sede � loja ma��nica de P�rigueux. Ningu�m atende. Toca de novo. Nada. Resolve descer ao andar t�rreo para se informar sobre o paradeiro da tia com o antiqu�rio ali estabelecido.

- A senhora Lannes? Morreu h� pouco tempo, uns tr�s meses no m�ximo...

Fazia mais de trinta anos que n�o mantinha o menor contato com a tia, de quem n�o gostava e que vinha a ser o �ltimo sobrevivente da fam�lia paterna. Segundo contam os vizinhos, a velha insistiu at� o fim em adotar atitudes exc�ntricas, quando n�o rid�culas, achando "bonito" desfilar por P�rigueux com a cara toda pintada de ruge e batom, e sempre com o mesmo vestido preto, tanto no inverno como no ver�o, e uma pele de raposa prateada corro�da pelas tra�as em torno do pesco�o, na qual prendia uma rosa vermelha. Um desses vizinhos, s� por brincadeira e sem maldade nenhuma, um dia botou-lhe o apelido de "Madame-de-volta-�-cidade". Por tr�s da porta fechada, por�m, ainda havia, no dia em que Sartre tocou a campainha, um ba� cheio de cartas, fotografias e lembran�as que mais tarde seria descoberto pelo propriet�rio do im�vel. Mas, apesar desse acesso de curiosidade, o escritor n�o encontrou nada de muito empolgante para relatar a respeito de Jean-Baptiste e se contentou, para As palavras, em suprimir mais um pouco das parcas recorda��es que guardava. O tal ba�, com as cartas e muitas outras lembran�as de Jean-Baptiste, foi achado em 1984 nos meandros folhetinescos de sindic�ncias sobre a fam�lia. Pre�mbulo � sua biografia, eis aqui, pois, para essa crian�a sem pai, sob a forma de livro inclu�do no livro, o relato de quem foi Jean-Baptiste, junto com algumas informa��es que o escritor Jean-Paul Sartre foi buscar em P�rigueux...

Seis horas da manh�, saltar da cama ao som do clarim. Das seis �s seis e meia, estudo. Depois, at� �s oito e trinta, aula no anfi teatro. �s oito e meia, primeira refei��o, composta de uma x�cara de leite ou de uma fatia de queijo (gournay ou roquefort)... Ser� que Jean-Baptiste gostava desse ritual militar imut�vel como, segundo tudo indica, tinha gostado do prest�gio da farda? E no dia em que recebeu o novo enxoval, com uniforme, cal�ados e roupa branca, teria percebido que estava assumindo uma nova identidade que lhe traria muitas vantagens? Capote com pelerine... Colete... Duas cal�as de traje de gala... Um culote... Duas t�nicas... Uma caixa de papel�o contendo o quepe do uniforme de gala... Alguns meses mais tarde pedia aos pais um pequeno empr�stimo: "� absolutamente necess�rio que eu tenha qualquer coisa para cobrir as costas e as pernas no ver�o, pois, sendo oficial, n�o poderei usar mais o uniforme. Encontrei uma �tima oportunidade para me vestir com grande eleg�ncia e por pre�o irris�rio. Se papai puder me mandar oitenta ou cem francos, estarei muito bem-provido. Ser� o in�cio do meu enxoval. Papai pode considerar isso como empr�stimo, se quiser. A partir do pr�ximo ano, estarei em condi��es de come�ar a ressarci-lo."

J� fazia tr�s anos que Jean-Baptiste estudava em Paris - tinha feito o curso preparat�rio no liceu Henrique IV - e que comunicava, nas cartas para casa, as observa��es sociais e dedu��es pol�ticas que os primeiros contatos com a capital lhe permitiam tirar. Sabia que o irm�o mais velho, Joseph, ia sempre comprar porcos na feira de Excideuil e providenciava, de sacola de ca�a a tiracolo, o recolhimento de ovos, patos e animais castrados nas granjas de propriedade da fam�lia. E que a irm�, H�l�ne, aprendia em casa, gra�as ao talento culin�rio materno, a receita da omelete de cascas de trufas, das conservas de tomate, ou da torta de cereja. E que a m�e, devota e convencional, s� sa�a naturalmente para ir � igreja e recebia, �s sextas-feiras, as aristocr�ticas irm�s de Magondeaux, a mulher do prefeito e a fi lha do tabeli�o. Sabia, tamb�m, que o pai, quando andava de charrete, sempre gritava: "Eia, hu!" para o cavalo correr mais depressa ao se dirigir para os lados de Saint-Germain-des-Pr�s ou de Saint-Sulpice-d'Excideuil, para atender um parto ou qualquer lavrador atacado de t�tano. Sabia, enfi m, que a av� Theulier, sentada na sala da grande mans�o da fam�lia na rua do Atum, tricotava atr�s da janela, enquanto comentava as idas e vindas em torno dos pr�dios que avistava do mesmo �ngulo: a igreja e a farm�cia.

- Olha, l� se vai outra vez a filha do Lacombe buscar alguma coisa... Ser� que a m�e est� doente de novo...?

Era a todos eles que Jean-Baptiste se dirigia, ele, o provinciano que tinha ido para Paris, quando descrevia para a fam�lia em Thiviers, no P�rigord, o baile da escola com a presen�a do presidente da Rep�blica, ou ent�o, tr�s anos mais tarde, as manifesta��es que comemoraram na capital as primeiras alegrias do pacto franco-russo. Era a todos eles, ainda, que se dirigia no dia em que, depois de esperar em v�o pelo trem das duas e meia que deveria trazer o irm�o e a irm� a Paris, escreveu esta carta indignada: "Foi, sem d�vida, o medo de gastar os sete vint�ns de um telegrama", lan�ava-lhes na cara no fim, "que impediu que me prevenissem do cancelamento dessa visita..."

Ao vir morar em Paris, Jean-Baptiste cortou por completo as rela��es com o meio familiar, e o sucesso que obteve na Escola Polit�cnica permitiu que prosseguisse com uma ruptura que j� estava muito adiantada. Da capital, e reanimado pelas novas experi�ncias, pregava serm�es a H�l�ne, dando-lhe pequenas alfinetadas de irm�o paternalista e li��es de moral: "Voc� tem uma tend�ncia muito grande a se deixar impressionar pelo movimento, pelas festas", escreve, por exemplo, a 12 de novembro de 1893. "Raciocine com calma para ver como tudo isso � oco e vazio... Se tivesse vivido algum tempo sozinha, no meio da multid�o indiferente... Imagine que todo dia chega a Paris uma quantidade enorme de mo�as da tua idade, cujos pais n�o podem mais sustent�-las, e elas ent�o se precipitam para a capital, com apenas uns trocados no bolso. Depois de meses de mis�ria", acrescentava ainda, "encontram emprego nas lojas de novidades, para ganhar trinta e cinco, ou quarenta e cinco francos - em Paris!!!" Chegar� mesmo a sugerir � irm� provinciana uma tentativa de sensibiliza��o pol�tica! "Se nestes dias voc� estiver sentindo muito frio", escreve em janeiro de 1894, "deve se compadecer de todas as desgra�as dos pobres. Quantos j� encontrei, cobertos de trapos, tiritando de frio! Quinta-feira � noite, vi num mict�rio um mendigo que tentava esquentar as m�os com a pr�pria saliva. E diante dos seus olhos desfilam carruagens conduzidas por cocheiros com o pesco�o protegido por peli�as. Eu compreendo perfeitamente como esses infelizes ficam indignados, exasperados, e viram anarquistas. Porque hoje n�o � mais como antigamente, quando a f� produzia m�rtires. S� generosa com os indigentes: e te d�s por muito feliz. Se todos os prazeres n�o est�o ao alcance da tua imagina��o, pelo menos conforto � o que n�o falta..." Jean-Baptiste tinha desembarcado na capital quase um quarto de s�culo depois da Comuna de Paris, e as ruas da metr�pole ofereciam, ao viajante atento, o espet�culo estridente da grande ind�stria, ent�o em pleno apogeu. Al�m dessas considera��es, teria Jean-Baptiste levado adiante suas averigua��es pol�ticas e sociais? Nada autoriza essa suposi��o. Ele chegava, entretanto, no centro vital do pa�s, numa fase particularmente agitada da hist�ria da Fran�a. Seq�elas do Imp�rio, engodo da era radical, recorda��es humilhantes da derrota da guerra de 1870 que reduziu a na��o francesa a uma terra mutilada. Anos dif�ceis para um pa�s que tateava em busca da pr�pria identidade. E essas informa��es, de que Jean-Baptiste tomou conhecimento pelos jornais durante o ano de 1894, n�o seriam suficientes, como s�mbolo flagrante de um per�odo de profundos abalos nacionais? Sucessivamente, portanto, soube do assassinato do presidente da Rep�blica, Sadi-Carnot, e da condena��o do capit�o Dreyfus. Dois fatos marcantes e sombrios que n�o deixaram de provocar, por tr�s das altas paredes brancas da colina de Sainte-Genevi�ve, emo��es louv�veis: n�o � f�cil ficar indiferente ao desaparecimento ou � condena��o de dois ex-alunos da Escola Polit�cnica. Mesmo se essa Fran�a que condenava Dreyfus perpetuava as tradi��es de um ex�rcito que se mantinha, em grande parte, monarquista, clerical e muitas vezes anti-semita.

N�o, Jean-Baptiste n�o se mostrou t�o sens�vel assim aos grandes abalos hist�ricos. Queria "progredir", como dizia � irm�, e ingressar na Polit�cnica. Esse famoso col�gio militar n�o vinha dando ao pa�s, h� um s�culo, al�m de engenheiros excepcionais, fil�sofos como Auguste Comte ou Georges Sorel, estadistas como Sadi-Carnot, grandes marujos - cujo uniforme Jean-Baptiste tanto apreciava - como os almirantes Rigault de Genouilly e Courbet, personalidades de proa das guerras coloniais francesas na Indochina? "Formar engenheiros de todos os tipos", prescrevia a lei de 21 de ventoso do ano II (11 de mar�o de 1794), que transformou a Escola Central dos Trabalhos P�blicos em Escola Polit�cnica. "Restabelecer o ensino das ci�ncias exatas", prosseguia o texto, "suspenso durante os anos de crise da Revolu��o." Fazia um s�culo, portanto, que a Fran�a fornecia � Escola Polit�cnica seus "grandes matem�ticos", submetidos � severa triagem de um concurso terr�vel. E que a Escola aprontava os que pretendia transformar, em dois anos de col�gio militar e rigorosos estudos, na elite ativa do pa�s. Jean-Baptiste ali estudou astronomia, estereotomia, mec�nica, desenho de arquitetura, literatura; e, desde o primeiro ano, os resultados obtidos confirmaram os bons progn�sticos do concurso de admiss�o: tirou 13,50 em instru��o militar, 14 em tra�ados de estereotomia, 14 tamb�m em literatura e hist�ria, 15,67 em astronomia e 17,6 em mec�nica. Levava a vida estudiosa e privilegiada de seus colegas da turma de 1895, freq�entador ass�duo dos outros bailes da temporada, o de Saint-Cyr, o da Prefeitura, �vido por teatro ou, mais simplesmente, pelas intermin�veis partidas de p�quer com os companheiros da "caserna 23": Chapelot, Perra, Lafargue, Vallantin, Marsollier ou Schweitzer... E diante de todos esses rapazes, verdadeiros meninos rechonchudos, de bu�o incipiente, que se diria passados diretamente do ber�o para o uniforme, l� estava Jean-Baptiste, bem s�rio, de olho atento no famoso bigode, pl�cido, circunspecto, j� de certo modo entediado de tudo.

Quando, na classifica��o final, ap�s os dois anos do curso, Jean-Baptiste soube que havia tirado o 27� lugar num total de 223 alunos - a "nata", na g�ria do col�gio -, resolveu logo que pouco lhe interessava aproveitar-se de uma coloca��o t�o boa e se alistou na Marinha. N�o seria porque em Thiviers, numa casa vizinha, morava antigamente o almirante Fourichon, ministro da Marinha e da Guerra em 1870, de quem ainda se contava, entre sorrisos, uma hist�ria fant�stica de fuga em bal�o com Gambetta? O fato � que eram raros os marinheiros vindos do P�rigord: prova est� que os colegas de turma que acompanharam Jean-Baptiste nessa op��o, Clo�tre, Denquin e Marteville, nascidos respectivamente em Saint-Brieuc, Calais e Cherbourg, todos os tr�s �rf�os de pai marinheiro, seguiam uma voca��o permanente, marcada por indel�vel hereditariedade. Ele, n�o: preferiu singrar os mares, l� daquela cidadezinha de Thiviers, passagem obrigat�ria entre Limoges e P�rigueux, lugarejo estrat�gico, posto de fronteira desde o tempo em que, na Aquit�nia inglesa, cobrava-se ped�gio, l� daquela cidadezinha de Thiviers, onde as nostalgias hist�ricas se alimentam muito mais dos canh�es de fabrica��o local, de cidadelas feudais, pontes levadi�as e ar�etes lan�ados das ameias das torres, que das batalhas navais e outras esquadras espanholas ou inglesas. Jean-Baptiste inventava sonhos e projetos em torno dessa frota de encoura�ados, torpedeiros, avisos e canhoneiros que acabavam de substituir as fragatas e os navios de grande calado. Depois de Paris, da Polit�cnica, a op��o pela Marinha n�o representava, de fato, a mais significativa de todas as rupturas com Thiviers? Pois sabia que essa carreira iria lev�-lo aos extremos confins do mundo, para longe de sua terra em viagens muito demoradas: de tr�s, quatro, cinco anos, talvez. Antes de embarcar, no dia 1� de outubro de 1897, em Brest, no barco � vela Melpom�ne, voltou a Thiviers, pela �ltima vez antes da grande partida.

Reviu as ruas estreitas e �ngremes que todo mundo tem que enfrentar ao sair da esta��o para chegar � igreja: o beco dos Pregos, a rua dos �leos, a Ladeira do Arqueiro, a pra�a dos Tr�s Lados, a do Chap�u Vermelho, e as belas casas medievais da parte antiga da cidade, com seus telhados de argamassa de palha e vigas escuras. Reencontrou os olmos da pra�a principal, o campan�rio quadrado da igreja, o castelo do amigo Magondeaux, l� atr�s, e depois, ao lado, a farm�cia adquirida em 1821 pelo bisav�, Jacquot Theullier, e mais tarde legada a seu av� Jean-Baptiste Chavoix, farmac�utico de primeira classe. Por fim, logo em frente, a grande mans�o da fam�lia na rua do Atum, comprada pelo av� por mil francos, de Joseph Faure, em 1862.

*

"Sartre"
Autor: Annie Cohen-Solal
Editora: L&PM Editores
P�ginas: 616
Quanto: R$ 68,00
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
Voltar ao topo da p�gina