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06/03/2004 - 08h43

Obra de Max Weber ganha reedi��o

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VINICIUS MOTA
da Folha de S.Paulo

Est� quebrada uma imagem sobre a obra mais conhecida do soci�logo alem�o Max Weber (1864-1920). "A �tica Protestante e o Esp�rito do Capitalismo" n�o � um �nico texto. S�o dois.

Tampouco estava o ensaio plenamente carregado com a poderosa conceitua��o weberiana quando foi publicado pela primeira vez, h� cem anos. A famosa express�o "desencantamento do mundo", por exemplo, teria que esperar at� 1920 para aparecer.

Essas e outras descobertas v�o aflorar com a publica��o prevista para o pr�ximo dia 29, pela Companhia das Letras, de "A �tica Protestante e o 'Esp�rito' do Capitalismo".

As aspas em "esp�rito" n�o significam deslize dos editores. Preservam � exatid�o o t�tulo do texto publicado, em duas partes, nos volumes 20 (1904) e 21 (1905) da revista "Archiv f�r Sozialwissenchaft und Sozialpolitik".

"Aspas de cautela e ao mesmo tempo de �nfase", escreve na apresenta��o da nova edi��o brasileira o soci�logo Ant�nio Fl�vio Pierucci, 58, professor da USP. Ele foi o respons�vel pela revis�o t�cnica e edi��o de texto. Tamb�m elaborou apresenta��o, refer�ncias vocabulares, gloss�rio e �ndice remissivo. A tradu��o � de Jos� Marcos Mariani de Macedo.

Max Weber suprimiria as aspas na vers�o de 1920, a mais conhecida no mundo e at� agora a �nica dispon�vel em tradu��o brasileira. Mas as mudan�as n�o pararam a�.

Foi feita pelo autor alem�o uma s�rie de inser��es no texto original, quase sempre para esmiu�ar, depurar, amarrar conceitualmente o ensaio de perfil mais hist�rico-descritivo de 1904-5.

Altera��es em t�tulos tamb�m ocorreram na vers�o de 1920. A parte dois do volume em 1904 se chamava "A id�ia de profiss�o". O t�tulo escolhido 15 anos depois foi "A �tica profissional do protestantismo asc�tico", mais trabalhada para exprimir um conceito.

Duas edi��es em uma

A solu��o para oferecer ao leitor brasileiro, num s� volume, a vers�o original e a posterior �, at� onde se sabe, inovadora: elas foram justapostas no correr das p�ginas, e a d�cada e meia de evolu��o intelectual que separa uma da outra foi marcada por colchetes.

O resultado dessa opera��o d� ao leitor a sensa��o de estar diante de um s�tio arqueol�gico textual. "Isso mostra que a obra, ela mesma, tem a sua pr�pria biografia e ajuda a quebrar a louva��o sobre a '�tica' como uma obra acabada", disse Pierucci � Folha.

� p�gina 139, v�-se um exemplo desse efeito: "O trabalho � um meio asc�tico h� muito comprovado, desde sempre apreciado na igreja do Ocidente [em n�tido contraste n�o s� com o Oriente, mas com quase todas as Regras mon�sticas do mundo inteiro]".

Nos 15 anos at� a inser��o do trecho entre colchetes, decorre um per�odo de intensa depura��o anal�tico-conceitual de Weber para o qual o estudo comparado, extensivo e sistem�tico entre as grandes tradi��es religiosas do Ocidente e do Oriente (sobretudo �ndia e China) foi fundamental.

Essa evolu��o pode ser acompanhada no livro "O Desencantamento do Mundo" (ed. 34), que Pierucci lan�ou recentemente. No mundo desencantado, a religi�o se despoja da magia, da contempla��o e dos rituais m�sticos, caracter�sticas da tradi��o oriental.

De um lado est� tipificado o m�stico que lida com deuses e dem�nios imersos em seu pr�prio mundo, sacrifica animais para aplacar a f�ria de um esp�rito, usa de sortil�gios para que viva mais, para que se cure da doen�a, para que ven�a uma contenda etc.

Do outro, o ocidental, est� mais saliente a �tica religiosa, em que o divino j� se distanciou do mundo (est� em outra dimens�o) e na qual a rotiniza��o da a��o cotidiana, da conduta de vida, tem, ela pr�pria, um sentido religioso.

O desencantamento do mundo �, para Weber, o tr�nsito da primeira para a segunda tradi��o. A passagem de uma para outra estrat�gia religiosa � um processo de longa dura��o que caracteriza, para o autor, a hist�ria ocidental, enquanto, por exemplo --e Pierucci cita Weber, n�o o da "�tica", em seu livro--, "o mundo indiano permaneceu um jardim encantado irracional".

E o �pice desse processo de racionaliza��o � identificado pelo autor alem�o em alguns ramos do protestantismo asc�tico descritos na "�tica" de 1904, mas cuja evolu��o, em termos de desencantamento do mundo, s� seria conceituada, ensina Pierucci, a partir dos escritos j� tardios de Weber --por volta de 1913.

"Quando Weber insere o desencantamento do mundo na '�tica' de 1920, os conceitos fundamentais de sua sociologia j� estavam formulados", diz Pierucci.

Disciplina do corpo

Nos ramos mais radicais do protestantismo analisados por Weber, a ascese intramundana � levada ao extremo. Ascese, como explica o gloss�rio da nova edi��o brasileira, � "o controle austero do corpo atrav�s da evita��o met�dica do sono, da comida, da bebida, da fala, da gratifica��o sexual e de outros tantos prazeres".

E intramundana porque, � diferen�a do monge que jejua para comunicar-se com o outro mundo, � praticada no dia-a-dia por pessoas comuns, que introjetam c�lculo, disciplina e m�todo nos seus afazeres mais comezinhos.

O protestantismo asc�tico que se desenvolveu na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, portanto, favoreceu a racionaliza��o do cotidiano. Mais: transformou o trabalho met�dico, vocacional, numa finalidade em si mesma, carregada de sentido religioso.

E a rela��o sin�rgica entre a cultura capitalista e a frugalidade e disciplina laboriosa do corpo � certeira para Weber.

"A valoriza��o religiosa do trabalho profissional mundano, sem descanso, continuado, sistem�tico, (...) tinha que ser, no fim das contas, a alavanca mais poderosa que se pode imaginar dessa concep��o de vida que aqui temos chamado de 'esp�rito' do capitalismo", escreve Weber, na nova tradu��o brasileira.

Mesmo os brasileiros que se acostumaram a ler a tradu��o j� existente da "�tica" de 1920 no Brasil n�o toparam com a express�o "desencantamento do mundo" ("Entzauberung der Welt", no original alem�o). Os tradutores anteriores preferiram utilizar termos mais did�ticos, como "elimina��o da magia do mundo".

Outra restitui��o vocabular foi o uso da express�o "afinidades eletivas" para descrever a atra��o "entre a �tica religiosa do protestantismo asc�tico e a racionalidade pr�tica da cultura capitalista", como escreve o professor da USP no gloss�rio. O termo � tomado da alta literatura alem� (Goethe).

Tamb�m sugestiva � a inser��o feita por Weber, em 1920, da palavra ab-rea��o. Trata-se, como explica o gloss�rio, de termo t�pico da psican�lise freudiana: � o al�vio de carga emocional que um indiv�duo sente ao ver-se livre de "um acontecimento traum�tico at� ent�o recalcado". As afinidades eletivas entre Weber e Freud s�o ainda pouco conhecidas e estudadas.

A �TICA PROTESTANTE E O "ESP�RITO" DO CAPITALISMO
Autor:
Max Weber
Lan�amento: Companhia das Letras
Quanto: R$ 38 (288 p�gs.)

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