28/06/2002
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05h46
Document�rio "Janela da Alma" discute quest�es do ver e da vis�o
MARIO SERGIO CONTI da Folha de S.Paulo, no Rio
O fil�sofo Jos� Arthur Giannotti disse certa vez que os cientistas sociais brasileiros n�o deveriam se restringir a pensar temas nacionais. Para ele, pesquisar e escrever sobre, digamos, os alfaiates do Piau� n�o � necessariamente sinal de nacionalismo.
A dedica��o exclusiva a assuntos brasileiros pode ser ind�cio de colonialismo: as grandes quest�es ficariam por conta de pensadores dos pa�ses dominantes, enquanto os perif�ricos se conformariam em lidar com coisas pequenas.
"Janela da Alma", de Jo�o Jardim e Walter Carvalho, � um document�rio que segue o postulado de Giannotti. Ele enfrenta um tema abstrato, a vis�o, sem os travos do subdesenvolvimento.
Os diretores pensam grande j� no t�tulo, que alude � frase de Leonardo da Vinci: o olho � a janela da alma, o espelho do mundo. Eles entrevistaram artistas, intelectuais e pessoas ditas comuns da Europa e do Brasil. Recorreram � filosofia, � medicina, � biologia, � m�sica e � literatura para investigar o que � a vis�o.
O resultado � um filme que enriquece a vis�o que se tem da vis�o. Os 19 entrevistados, com graus de acuidade visual que v�o da miopia � cegueira, discorrem sobre ver, n�o ver e ver de maneira �nica, intransfer�vel.
O leque de entrevistados � amplo. Entre eles est�o o m�sico Hermeto Pascoal, o escritor Jos� Saramago, a atriz alem� Hanna Schygulla, o poeta Manoel de Barros, a cineasta Agn�s Varda, o neurologista ingl�s Oliver Sacks.
Absolutamente tudo o que dizem ou fazem � pertinente e interessante. N�o h� enrola��o, n�o se desperdi�a imagem ou sil�ncio.
Acompanhando a torrente de discursos, as imagens s�o focadas, desfocadas e refocadas, alterando a percep��o do espectador. O document�rio mostra um mundo saturado de imagens que visam atrair o olhar para o consumo (as da propaganda) e o contrasta com paisagens desoladas, onde n�o h� nada para ver.
A abstra��o tamb�m � confrontada com vis�es bem concretas. O vereador cego Arnaldo Godoy, de Belo Horizonte, conta com �timo humor como � a vida sem enxergar nada. O fil�sofo esloveno Eugen Bavcar, tamb�m ele cego, mostra como tira �timas fotografias. � preciso ver para crer.
Seria f�cil, num filme como esse, cair na abstra��o pretensamente po�tica -citando Bergson, Borges, Milton e quetais- e dela n�o sair. Ou ent�o ir para o p�lo oposto, enfileirando esquisitices uma ap�s a outra.
Jo�o Jardim e Walter Carvalho habilmente v�o de um p�lo ao outro, tornando o filme cada vez mais denso, cada vez mais claro e opaco. A tese central, a de que a vis�o � constru��o cultural, e n�o um dado da natureza, � exposta por meio de nuan�as.
"Janela da Alma" est� longe, contudo, de ser um filme de tese. Ele � uma express�o pessoal. Jo�o Jardim (diretor de document�rios como "Terra Brasil" e "Free Tibet") e Walter Carvalho (diretor de fotografia de "Abril Despeda�ado") s�o duas toupeiras m�opes: o primeiro usa �culos de 8 graus; Carvalho, 7,5.
Eles v�em pouco, mas enxergam muito: "Janela da Alma" � um filme luminoso.
JANELA DA ALMA Dire��o: Jo�o Jardim Produ��o: Brasil, 2001 Com: Jos� Saramago, Wim Wenders Quando: a partir de hoje no Espa�o Unibanco 1
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