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HER�I. MORTO. N�S.
[Cr�nica publicada em 1� de setembro de 1977]

Neste texto foi mantida a grafia original da �poca



Louren�o Diaf�ria

N�o me venham com besteiras de dizer que her�i n�o existe. Passei metade do dia imaginando uma palavra menos desgastada para definir o gesto desse sargento S�lvio, que pulou no po�o das ariranhas, para salvar o garoto de catorze anos, que estava sendo dilacerado pelos bichos.

O garoto est� salvo. O sargento morreu e est� sendo enterrado em sua terra.

Que nome devo dar a esse homem?

Escrevo com todas as letras: o sargento Silvio � um her�i. Se n�o morreu na guerra, se n�o disparou nenhum tiro, se n�o foi enforcado, tanto melhor.

Podem me explicar que esse tipo de hero�smo � resultado de uma total inconsci�ncia do perigo. Pois quero que se lixem as explica��es. Para mim, o her�i -como o santo- � aquele que vive sua vida at� as �ltimas consequ�ncias.

O her�i redime a humanidade � deriva.

Esse sargento Silvio podia estar vivo da silva com seus quatro filhos e sua mulher. Acabaria capit�o, major.

Est� morto.

Um bel�ssimo sargento morto.

E todavia.

Todavia eu digo, com todas as letras: prefiro esse sargento her�i ao duque de Caxias.

O duque de Caxias � um homem a cavalo reduzido a uma est�tua. Aquela espada que o duque ergue ao ar aqui na Pra�a Princesa Isabel -onde se re�nem os ciganos e as pombas do entardecer- oxidou-se no cora��o do povo. O povo est� cansado de espadas e de cavalos. O povo urina nos her�is de pedestal. Ao povo desgosta o her�i de bronze, irretoc�vel e irretorqu�vel, como as enfadonhas li��es repetidas por cansadas professoras que n�o acreditam no que mandam decorar.

O povo quer o her�i sargento que seja como ele: povo. Um sargento que d� as m�os aos filhos e � mulher, e passeie inc�gnito e desfardado, sem divisas, entre seus irm�os.

No instante em que o sargento -apesar do grito de perigo e de alerta de sua mulher- salta no fosso das simp�ticas e ferozes ariranhas, para salvar da morte o garoto que n�o era seu, ele est� ensinando a este pa�s, de her�is est�ticos e fundidos em metal, que todos somos respons�veis pelos espinhos que machucam o couro de todos.

Esse sargento n�o � do grupo do cambalacho.

Esse sargento n�o pensou se, para ser honesto para consigo mesmo, um cidad�o deve ser civil ou militar. Duvido, e fa�o pouco, que esse pobre sargento morto fez revolu��es de bar, na base do u�sque e da farolagem, e duvido que em algum instante ele imaginou que apareceria na primeira p�gina dos jornais.

� apenas um homem que -como disse quando pressentiu as suas �ltimas quarenta e oito horas, quando pressentiu o roteiro de sua �ltima viagem- n�o podia permanecer insens�vel diante de uma crian�a sem defesa.

O povo prefere esses her�is: de carne e sangue.

Mas, como sempre, o her�i � reconhecido depois, muito depois. Tarde demais.

� isso, sargento: nestes tempos cru�is e embotados, a gente n�o teve o instante de te reconhecer entre o povo. A gente n�o distinguiu teu rosto na multid�o. �ramos irm�os, e s� descobrimos isso agora, quando o sangue verte, e quanto te enterramos. O her�i e o santo � o que derrama seu sangue. Esse � o pre�o que deles cobramos.

Pod�amos ter estendido nossas m�os e te arrancando do fosso das ariranhas -como voc� tirou o menino de catorze anos- mas quer�amos que algu�m fizesse o gesto de solidariedade em nosso lugar.

Sempre � assim: o her�i e o santo � o que estende as m�os.

E este � o nosso grande remorso: o de fazer as coisas urgentes e inadi�veis -tarde demais.

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  •  Textos citados

    Her�i. Morto. N�s., cr�nica de Louren�o Diaf�ria
    Editorial: Em defesa da lei
    Banditismo, por Octavio Frias de Oliveira
    A Sucess�o e o Percurso, por Fernando Henrique Cardoso


    Coluna em branco (� dir.) na Ilustrada protesta contra pris�o de Diaf�ria
    Tanques em rua do Rio de Janeiro ap�s o movimento de 64
    A amea�a das metralhadoras em charge de Luiz G�, de 26/12/1978, sobre a repress�o militar

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