Descrição de chapéu Causas do Ano Folhajus

Livro traz detalhes inéditos do caso Araceli, crime que completa 50 anos

Estupro e assassinato de menina de 8 anos no ES ficou impune e inspirou dia de combate à violência em 18 de maio

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São Paulo

Um crime brutal contra uma menina de oito anos, que terminou impune e se tornou um símbolo do enfrentamento da violência sexual contra crianças no Brasil, continua repercutindo cinco décadas depois.

O estupro e assassinato de Araceli Cabrera Sánchez Crespo em 1973 já foi tema de peça de teatro, livro reportagem e programas de TV, deu nome a uma operação da Polícia Federal e inspirou a criação do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes em 18 de maio, data em que ela desapareceu quando voltava da escola.

Agora, quando o caso completa 50 anos, um novo livro reconstitui o crime e seus desdobramentos, apontando uma série de falhas na investigação policial e detalhes do processo na Justiça, que se arrastou por 20 anos até ser arquivado, em 1993.

Para escrever "O Caso Araceli: Mistérios, Abusos e Impunidade" (Alameda Editorial), os jornalistas Felipe Quintino e Katilaine Chagas entrevistaram parentes da vítima e outras pessoas ligadas ao episódio e tiveram acesso inédito ao processo judicial de 33 volumes e 12 mil páginas.

"É o primeiro livro que conta o caso a partir de dentro: as pressões, as tensões e rivalidades entre autoridades, a atuação desastrosa de algumas pessoas da polícia e também o que aconteceu com a história do crime ao longo do tempo", diz Quintino.

Araceli desapareceu em Vitória, ES, quando voltava da escola e iria pegar o ônibus para casa. Foi vista pela última vez brincando com um gato em frente a um bar. Seu corpo foi encontrado seis dias depois em um matagal, com sinais de violência sexual.

O Ministério Público denunciou, como autores do crime, três empresários de famílias influentes do Espírito Santo: Paulo Helal, Dante Brito Michelini, o Dantinho, e o seu pai, Dante de Barros Michelini. Segundo a acusação, Paulo e Dantinho "arquitetaram um plano diabólico para possuí-la sexualmente, usando de todos os recursos, mesmo se fosse necessário, sacrificá-la, como aconteceu".

O MP afirmou também que Araceli ficou em cárcere privado no sótão de um bar pertencente a Dante, onde foi drogada e estuprada. A defesa sempre negou o envolvimento deles no assassinato.

Em 1980, o juiz responsável pelo caso condenou Paulo e Dantinho a 18 anos de prisão e Dante, a 5 anos, com base principalmente em mais de 300 depoimentos colhidos pela polícia. Os réus recorreram e, 13 anos depois, foram absolvidos em uma nova decisão, em uma sentença de mais de 700 páginas em que o juiz alegou falta de provas.

Nesses quase 20 anos entre o assassinato e o arquivamento do processo, o inquérito foi questionado por uma série de situações suspeitas. Dante Michelini, por exemplo, era próximo de autoridades da polícia, e Quintino descobriu, ao ler o processo, que o acusado chegou a participar das diligências, dizendo que queria ajudar na apuração do crime.

Algumas testemunhas, como a cozinheira do bar de Michelini, ligaram os três suspeitos ao crime no depoimento à polícia, mas voltaram atrás ao depor em juízo. Outras, como um sargento que começou a apurar o assassinato, morreram de forma considerada suspeita pelo Ministério Público. Houve também várias trocas de delegados, o desaparecimento de provas cruciais —como o filme com fotos do corpo da vítima no dia em que foi encontrado— e pessoas dizendo terem recebido ameaças, entre elas o autor de um romance-reportagem sobre Araceli.

"Foi um inquérito muito marcado por boatos, informações desencontradas, notícias falsas, divergências entre pessoas que trabalharam no caso. A morosidade na apuração, a leniência, a possível força da família dos acusados: tudo isso contribuiu para a impunidade", afirma Quintino.

Desde o arquivamento do caso, foram realizados vários protestos e tentativas de mudar o nome de uma das principais avenidas de Vitória para Araceli Cabrera Crespo. A avenida Dante Michelini recebeu esse nome antes do crime contra a garota, em homenagem ao avô de Dantinho e pai do Dante Michelini. Nenhum dos projetos de lei determinando a mudança foi adiante.

No ano 2000, uma lei federal determinou a criação do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes em 18 de maio.

Para Quintino, o caso Araceli não deve ser esquecido. "Foi um caso que sempre me intrigou, pelas reviravoltas, omissões e pressões envolvidas, pela demora na apuração e no julgamento e pelo desfecho de impunidade", afirma Quintino. "Com a visibilidade atual dos casos de violência contra crianças, achei que retomar a história seria importante para entender esse passado e também o presente, porque infelizmente essas histórias se repetem."

O Caso Araceli: Mistérios, Abusos e Impunidade

  • Preço R$ 69 (282 págs.)
  • Autoria Felipe Quintino e Katilaine Chagas
  • Editora Alameda Editorial

A causa 'Da Repressão à Prevenção da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes' tem o apoio do Instituto Liberta, parceiro da plataforma Social+.

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