Descrição de chapéu pantanal

Ocupação do Pantanal no século 19 ganha livro que apoia combate a incêndios

Publicação conta história de famílias que desbravaram territórios alagados e traz fotos do período em que caça a onças era 'programa de domingo'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A casa que abrigou os dilemas familiares de José Leôncio e Filó, na novela Pantanal, foi sede, fora das telas, da fazenda de um dos pioneiros a ocupar a região. O negociante de gado Cyríaco da Costa Rondon, tio-avô do marechal Cândido Rondon, mandou construir a casa em 1920.

O sobrado viveu seu apogeu até 1940. Recebia viajantes para fartos desjejuns e festas que duravam dias, espelhando a prosperidade da fazenda Rio Negro.

A história é narrada pela jornalista Teté Martinho no livro "Memórias de Um Pantanal – Histórias de Homens e Mulheres que Desvendaram a Região do Rio Negro" (Documenta Pantanal, 296 págs.), lançado neste mês.

Sede da Fazenda Rio Negro (MS), onde foram gravadas cenas da novela Pantanal na TV Manchete e TV Globo
Fachada da sede da Fazenda Rio Negro (MS), onde foram gravadas cenas da novela Pantanal na TV Manchete e TV Globo - Everton Ballardin/Divulgação

"Tão intrigantes quanto personagens ficcionais, como o José Leôncio das duas versões da telenovela que ajudou a popularizar a região, pessoas reais como Cyríaco Rondon e a mulher, Thomázia, contribuem para mapear as raízes do Pantanal contemporâneo", afirma a autora.

Para criar gado em terras desocupadas da região do Rio Negro (MS), próximas a Corumbá, Cyríaco e o amigo Joaquim Eugênio Gomes da Silva, o ‘Nheco’, enfrentaram "terras inundadas, sob sol inclemente e ataque de mosquitos, ao som de urros de onças e silvos de cobras". Algo que poucos estavam dispostos a fazer.

Na virada do século 19, a dupla dominava toda a região pantaneira conhecida como Nhecolândia. Nas palavras de familiares, "ainda que agissem como peões" e tivessem pouca influência sobre o poder local.

As breves memórias dão conta da vida na planície mato-grossense, numa "cultura que se forjou no isolamento": atolamentos de Fords em corixos, mortes à beira do rio e a rotina com o gado, que iniciava às 4h da manhã com arroz carreteiro e ovos.

Cyríaco da Costa Rondon e Thomázia Leite em foto de família
Cyríaco da Costa Rondon e Thomázia Leite em foto de família, com filhos reunidos - Reprodução Everton Ballardin/Divulgação

Modo de vida que Teté Martinho detalha a certa altura assim: "Conviver com os homens da lida, cavalgar pela planície vendo a chuva chegar, entender o que é possível e impossível na seca e na cheia foram vivências que ajudaram a semear, nas diversas gerações da família, a visão de mundo do homem pantaneiro."

Em dois anos de pesquisa, a jornalista, que foi editora, correspondente e repórter especial da Folha, entrevistou fazendeiros, empresários, historiadores e conservacionistas.

Thomázia Leite casou com Cyríaco aos 15 e viveu até os 87 anos. Tinha menos de 30 quando ficou viúva, com "uma vastidão de terras e 12 filhos para criar."

"Dura sem ser excessivamente severa", Thomázia foi modelo para a família e tomou a frente dos negócios com firmeza. Na velhice, tornou-se "rezadeira até debaixo d’água". Em Campo Grande (MS), adotou crianças pobres e recebeu doentes em casa.

Para contar a saga da família, a autora teve acesso a diários, fotos de época, mapas e documentos herdados pelos descendentes —muitos deles ilustrados no livro, que traz versão em inglês das 104 páginas.

Depois de contar brevemente a história dos herdeiros da família, o livro apresenta Alexandre "Sacha" Siemel, que entre 1920 e 1940 liderou safáris de caça às onças com brasileiros e estrangeiros no Pantanal.

É preciso estômago para percorrer as fotos de caçadores posando com peles de animais. A atividade era "programa de domingo e reinava como esporte oficial dos pantaneiros".

O capítulo final trata do declínio da pecuária extensiva a partir de 1970 e do avanço da ocupação do planalto mato-grossense, região de cerrado.

As terras de Cyríaco e Thomázia hoje são modelo na busca de alternativas para o desenvolvimento sustentável, com iniciativas de proteção ambiental.

Com a proposta de ser biblioteca de referência sobre a história, cultura e visualidade pantaneiras, a Documenta Pantanal destinará toda a renda obtida com a aquisição da obra para as Brigadas Pantaneiras e a Brigada do Alto Pantanal. Ambas atuam na prevenção e no combate a incêndios em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Em 2022, Brigadas Pantaneiras, iniciativa da SOS Pantanal e da Documenta, foi finalista do Prêmio Empreendedor Social na categoria "Inovação em Meio Ambiente".

"O apoio através dessa obra é fundamental para a continuidade do programa, que vem obtendo ótimos resultados na prevenção e resposta a incêndios inclusive na região do Rio Negro", afirma Leonardo Gomes, diretor de estratégia da SOS Pantanal.

Segundo ele, em dois anos, as Brigadas Pantaneiras reduziram em mais de 90% a área queimada e a ação já faz parte da rotina de pantaneiros no combate às mudanças climáticas.

Serviço
Memórias de Um Pantanal – Histórias de Homens e Mulheres que Desvendaram a Região do Rio Negro
Pesquisa e texto: Teté Martinho
Projeto gráfico e ilustração: Letícia Moura
Fotos e reproduções: Everton Ballardin
Versão em inglês: Ana Elisa Igel
Editora: Documenta Pantanal
Ano de edição: 2022
Páginas: 296
Preço: R$ 60

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.