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Alexandre Kalache

E se você fosse um bilionário?

Fundado por Nelson Mandela em 2007, grupo The Elders reúne líderes políticos e filantropos no combate à desigualdade global

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Alexandre Kalache

Médico gerontólogo, presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil (ILC-BR)​

Ao anunciar a criação do grupo The Elders, em 2007, no dia em que completava 89 anos, Nelson Mandela afirmou: "Iremos trazer coragem onde há medo, encorajar harmonia onde há conflito, e inspirar esperança onde há desespero."

A ideia partiu do bilionário britânico Richard Branson, presidente do conglomerado Virgin, que demonstrava seu empreendedorismo social, muito além de sua obsessão com a corrida de voos espaciais.

O The Elders é formado por líderes que já não detêm cargos públicos, são independentes de governos e galgaram reconhecimento e confiança internacional por terem demonstrado integridade. São líderes comprometidos com a mediação de conflitos, promotores da paz e defensores da equidade e da inclusão social.

No grupo inicial, estavam, sob a liderança de Mandela, Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e Alta Comissária de Direitos Humanos das Nações Unidas; Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU; Jimmy Carter, ex-presidente dos EUA; e Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil.

E também minha ex-chefe Gro-Harlem Brundtland, ex-diretora da OMS (Organização Mundial da Saúde), o bispo Desmond Tutu, entre outros.

uma mulher branca, três homens negros e dois homens brancos vestem roupas formais e posam para foto um ao lado do outro
Integrantes do The Elders na cerimônia do aniversário de 89 anos de Nelson Mandela, em Johanesburgo, na África do Sul - Siphiwe Sibeko - 18.jul.2007/Reuters

Branson quis, por meio de uma doação milionária, proporcionar a esses eminentes líderes a oportunidade de continuarem a contribuir para a sociedade global com o peso de suas estaturas morais e trajetórias reconhecidas internacionalmente. Em comum, tinham apenas a idade avançada.

A mensagem era bem clara: pessoas idosas continuam a contribuir muito para a sociedade global. No site do The Elders, há inúmeros exemplos de suas atividades e realizações.

Branson não estava fazendo algo fora do comum nos países anglo-saxões. Seus bilionários identificam causas e as financiam substancialmente. Basta citar Bill Gates, por meio da fundação que tem seu nome, e Melinda, sua ex-mulher. Eles financiam pesquisas e intervenções na área da saúde há mais de duas décadas.

Carecemos da mesma tradição.

No Brasil, em 2021, em plena pandemia, 42 pessoas se somaram à lista de bilionários, perfazendo o total de 315. O patrimônio combinado deles ultrapassa R$ 1,9 trilhão.

Em 2020, 1% dos brasileiros detinha 49,6% de toda a riqueza do país —em 2010, alcançava 40%. A concentração de nossa renda só faz aumentar, na contramão de outros países latino-americanos, como o México, onde houve declínio de 43% para 31%, e o Chile, com queda de 40% para 33% no mesmo período. Não é à toa que continuamos campeões internacionais da desigualdade.

O PIB brasileiro terminou 2020 indicando mais uma década perdida, a pior performance desde 1990. Mas o número de bilionários só faz crescer, e suas fortunas aumentar.

Em 2020, nosso índice de Gini (coeficiente que calcula o grau de desigualdade de uma economia) foi de 89. Em 2010, era 82,2. Quanto mais perto de 100, maior a desigualdade.

Conseguimos retroceder, em grande parte, pelo congelamento de gastos sociais —o teto de gastos, que perdurará por ainda 15 anos, podendo ser prolongado por mais dez.

Enquanto isso, no ano passado, os empréstimos de bancos às famílias aumentaram 16,5%, atingindo R$ 642 bilhões, o que indica um desesperado esforço para pagar as contas, comprar comida, compensar a queda da renda pelo desemprego, inflação e os salários, em média, cerca de 10% abaixo dos níveis de 2019.

Branson possibilitou um espaço para pessoas idosas serem valorizadas, contribuindo para a sociedade global. Todos saíram ganhando.

E você, se fosse um bilionário, que causa abraçaria? Conseguiremos vir a ser uma sociedade mais solidária?

SEÇÃO DISCUTE QUESTÕES DA LONGEVIDADE

A seção Como Chegar Bem aos 100 é dedicada à longevidade e integra os projetos ligados ao centenário da Folha, celebrado em 2021. A curadoria da série é do médico gerontólogo Alexandre Kalache, ex-diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde da OMS (Organização Mundial da Saúde).​

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