Após quatro campanhas dentro do grupo das dez melhores nações no quadro de medalhas, antes e depois de sediar os Jogos, o Brasil está consolidado entre as principais forças paralímpicas do mundo.
Em Tóquio-2020, o país alcançou a —modesta— meta oficial de ficar no top 10 e foi além: bateu seu recorde de medalhas de ouro (22, contra 21 em Londres-2012), totalizou 72 pódios (mesma marca do Rio-2016) e igualou a sétima posição no quadro geral (também de 2012).
Além desses números mais amplos, a campanha no Japão teve outros trunfos importantes que indicam o amadurecimento do esporte paralímpico no Brasil.
Atletas brasileiros foram ao pódio em 14 das 20 modalidades com representação nacional em Tóquio —o programa teve 22. Saíram ouros inéditos na canoagem, no judô feminino, halterofilismo, goalball e taekwondo, este último estreante e no qual o Brasil ganhou medalhas com os seus três representantes.
Das 14 modalidades que marcaram presença no pódio, em 8 delas o Brasil subiu no lugar mais alto com algum representante. No Rio, esses números foram de 13 e 4, respectivamente, e em Londres, de 7 e 5.
A participação feminina nas conquistas também foi mais expressiva em Tóquio: das 72 medalhas, 26 foram obtidas por mulheres (sete ouros) e 3 em revezamentos mistos.
A natação e o atletismo, que somados possuem 313 dos 539 eventos dos Jogos, continuam como as principais fontes de bons resultados.
Na natação, o país obteve um recorde de 23 conquistas e o ineditismo de contar com 5 campeões diferentes, dos quais 4 fizeram suas estreias nos Jogos. De 2008 a 2016, apenas Daniel Dias e Andre Brasil haviam conquistado títulos nas piscinas.
A maior multimedalhista desta vez foi Carol Santiago, com três ouros e cinco medalhas, seguida por Gabriel Bandeira (1 e 4), Gabriel Geraldo (2 e 3), Wendell Belarmino (1 e 3) —todos debutantes—, Talisson Glock (1 e 3) e Daniel Dias (3 pódios, sem ouro).
Eles têm deficiências físicas, visuais ou intelectual e pertencem a diferentes classes funcionais, com graus variados de comprometimento físico-motor, formando um leque diverso que é fundamental tanto para os resultados quanto para a inclusão.
A passagem de bastão do agora aposentado Daniel Dias para a nova leva de campeões é auspiciosa. Bandeira, 21, Geraldo, 19, Belarmino, 23, e Glock, 26, ainda poderão ter muitas participações nos Jogos. Carol, 36, chegou mais tarde ao esporte adaptado, mas pelo menos para o ciclo de três anos até Paris-2024 ela tem condições de permanecer forte.
No atletismo, responsável por 28 medalhas, Yeltsin Jacques brilhou com seus dois primeiros ouros, nos 1.500 m e nos 5.000 m; Petrúcio Ferreira e Silvânia Costa levaram o bi respectivamente nos 100 m rasos e no salto em distância; mais quatro medalhas douradas vieram das provas de campo —poderiam ser cinco, não fosse a até agora mal explicada revogação do título de Thiago Paulino no arremesso do peso.
Para estar entre as potências dos Jogos é preciso diversificar as apostas de medalha, e o CPB (Comitê Paralímpico do Brasil) conseguiu mostrar por meio dos resultados no Japão que tem seguido essa cartilha.
Além de boa vontade e trabalho, nada disso seria possível sem investimentos. O sucesso do esporte de alto rendimento para pessoas com deficiência no país nas últimas décadas também se deve ao fato de existir financiamento público regular e abrangente no setor.
A Lei Piva, sancionada em 2001, regulamentou o repasse das verbas das loterias federais a entidades esportivas. Ela previa inicialmente que 2% dessa arrecadação iria para o COB (Comitê Olímpico do Brasil) e o CPB, com uma divisão de 85% e 15% para as entidades. Em 2015, o percentual de arrecadação repassado subiu para 2,7%, e o esporte paralímpico passou a ficar com 37% desse bolo.
O CPB possui também contrato de patrocínio com a Caixa. No último ciclo paralímpico de quatro anos, o valor foi de R$ 95 milhões. Em maio, as entidades anunciaram a renovação do acordo por mais 12 meses, até julho de 2022, por R$ 24,7 milhões.
Um dos legados materiais mais sólidos dos Jogos do Rio-2016, o Centro de Treinamento Paralímpico Brasileiro está em São Paulo e tem instalações de ponta para 17 modalidades. Inaugurado em maio daquele ano, o espaço teve seus custos de implementação divididos entre o governo federal e o governo paulista.
Desde 2017, o centro é administrado pelo CPB, que venceu uma concorrência e mantém a operação com custo anual de cerca de R$ 30 milhões.
Sob um raro alinhamento entre política pública e desenvolvimento esportivo no país, o esporte paralímpico colhe o sucesso próximo ao topo da pirâmide. Mas há espaço para mais avanços.
O comitê reconhece as possibilidades de ampliar as ações de detecção de talentos e o incentivo em geral à prática esportiva para pessoas com deficiência, que poderão ou não passar ao alto rendimento.
Em muitos casos ainda há dificuldade de acesso ao esporte adaptado e conhecimento sobre quem pode participar dele. É por isso que a cada ciclo novos nomes surgem e alguns fazem barulho rapidamente, como ocorreu com Carol Santiago e Gabriel Bandeira no Japão.
Outra frente possível de evolução está na participação feminina. As brasileiras representaram 40% do total da delegação em Tóquio e poderão ver sua contribuição para as medalhas crescer ainda mais nas próximas edições caso tenham presença incentivada e ampliada no esporte paralímpico.
Russos 'tiram' medalhas das principais forças
O retorno dos atletas russos aos Jogos, sob o nome de Comitê Paralímpico Russo, fez com que a divisão de medalhas entre as principais potências aumentasse na comparação com 2016, quando o país foi totalmente barrado do evento em razão de um megaescândalo de doping.
China, 207 medalhas e 96 ouros, e Grã-Bretanha (124 e 41) permaneceram nas duas primeiras posições do Rio para Tóquio. Os EUA, que haviam ficado atrás da Ucrânia em 2016, assumiram a terceira colocação, seguidos dos russos.
Já os ucranianos, com uma expressiva queda de ouros (de 41 para 24), terminaram na sexta posição, atrás também da Holanda.
Nota curiosa para o Azerbaijão, que apareceu na décima posição com um número baixo de medalhas (19), das quais, porém, 14 foram douradas.
O Japão, após passar zerado em ouros no Rio e com 24 medalhas, conquistou 13 títulos em casa e foi ao pódio 51 vezes, mas ainda assim não conseguiu entrar no top 10.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.