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Aline Pellegrino

Como seria o dia após o ouro olímpico do Brasil no futebol feminino?

Será mesmo que o divisor de águas é uma medalha, um título mundial?

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Aline Pellegrino

Ex-jogadora de futebol, é coordenadora de Competições Femininas da CBF

Como ex-capitã da seleção feminina de futebol e atualmente coordenadora de Competições Femininas da CBF, frequentemente sou questionada sobre o cenário de desenvolvimento do futebol feminino no Brasil. E, diante da repercussão nas Olimpíadas, proponho algumas reflexões à imprensa, aos torcedores e à cadeia produtiva do futebol.

Se ganhássemos uma medalha nos Jogos Olímpicos de Tóquio, independentemente da cor, quais seriam as transformações imediatas e significativas para o futebol das mulheres? Por exemplo: quantos de nós acompanhamos o futebol feminino fora de Olimpíadas e Copas?

Brasileiras comemoram gol em Tóquio; como seria se elas tivessem subido ao topo do pódio dos Jogos Olímpicos? - Amr Abdallah Dalsh - 24.jul.21/Reuters

Quantos direitos de transmissão seriam vendidos para a temporada de 2022? Quantos novos patrocinadores abraçariam a modalidade? Quantos campeonatos estaduais teriam um aumento na procura de clubes para disputar as competições femininas em 2021? Será mesmo que o divisor de águas é uma medalha, um título mundial, ou as mudanças são consequência do trabalho em curso?

Quando os avanços se resumem à conquista de troféus, estamos desconsiderando todo o processo necessário para uma evolução contínua. É claro que acredito que temos condições de vencer em campo e entendo que os questionamentos sobre performance fazem parte do esporte. Porém tenho convicção de que o nosso principal objetivo está no trabalho realizado para além dos gramados de grandes eventos.

A seleção brasileira representa o topo da pirâmide, mas não podemos ignorar os pilares que sustentam a formação de novos talentos, com massificação e profissionalização. De forma resumida, é preciso dar oportunidade a meninas e mulheres Brasil afora.

Então, para responder às retóricas: uma medalha ou um título mundial não vai transformar o cenário do futebol feminino na segunda-feira após a vitória. “Tempo”, “planejamento” e “processo” são palavras-chave. E, na mesma medida, vale a máxima: investimento gera visibilidade, e visibilidade gera retorno.

Faço parte de uma geração que conquistou a prata olímpica em 2004 e o vice-campeonato mundial em 2007, à época com estrutura limitada e pouca visibilidade. O talento, por si só, não nos garante resultados, como acontecia no passado, especialmente quando os demais países que competem em alto nível colocaram o fomento em prática há muito mais tempo do que nós.

E é sempre relevante contextualizar: o futebol feminino foi proibido por lei no Brasil entre 1941 e 1979. Esses 38 anos de proibição deixaram marcas históricas e culturais profundas.

A maior conquista que o futebol das mulheres quer alcançar é a mudança de percepção da sociedade brasileira. Não podemos colocar mais barreiras para a evolução delas, e a verdade é que as vitórias não podem ser o preço a se pagar para termos oportunidades e investimentos. São esses dois pontos que vão acelerar o processo de desenvolvimento contínuo e sustentável. E, de fato, é o que vai nos colocar cada vez mais perto das grandes potências mundiais.

É tempo de o ecossistema do futebol (entidades esportivas, imprensa, patrocinadores, atletas e torcedores) entender que precisa atuar de forma ativa e proativa. Há certa frustração em ver que as mulheres estão sob os holofotes somente em Copas e Olimpíadas. Sabemos o peso dos eventos que acontecem de quatro em quatro anos, mas não adianta formar opinião com base somente nesses jogos.

Será mesmo que os especialistas estão acompanhando o que acontece às quartas e aos domingos no intervalo dos grandes torneios? Fica o convite. No nível nacional, temos o Brasileirão Feminino A1, A2, sub-16, sub-18 e, a partir do ano que vem, A3 e Supercopa do Brasil.

Meus desejos são que estejamos todos atentos e comprometidos com o desenvolvimento do futebol das mulheres no Brasil. Por fim, nós não buscamos elogios, e sim espaço para evoluir. E estamos sempre abertas às críticas construtivas que levam em consideração o contexto do futebol das mulheres no Brasil, para além de quem nos olha só de tempos em tempos.

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