Ap�s trag�dia da Chape, Neto enfrenta dores para reviver sonho de crian�a
Na bicicleta ergom�trica da academia da Chapecoense, o zagueiro Neto pedala todos os dias, obstinado. Na sua cabe�a, cada giro dos pedais o coloca mais pr�ximo do seu objetivo imediato: um reencontro consigo mesmo.
Ele n�o queria viajar ao Rio de Janeiro nesta quarta-feira (25) para receber as homenagens na partida entre Brasil e Col�mbia. N�o � que ele n�o goste de ser celebrado, mas a viagem lhe custaria duas sess�es de fisioterapia. Quem o convenceu a ir foi o goleiro Follmann, que teve alta do hospital nesta ter�a-feira (24).
"Para a gente que estava muito mal, um dia faz uma diferen�a enorme. Eu sinto que dia ap�s dia o meu corpo vem respondendo da melhor maneira. Eu n�o queria ir ao Rio para n�o perder a fisioterapia. Estou reconstruindo meu corpo, e cada dia � um tijolinho a mais que eu coloco. Mas ent�o o Follmann me ligou, disse que t�nhamos que ir, que somos sobreviventes, e me convenceu", diz � Folha logo depois de quatro horas de exerc�cios.
Sobrevivente do acidente a�reo que em novembro do ano passado deixou 71 mortos, entre eles 19 jogadores da Chapecoense, Neto � o que esteve em condi��es mais cr�ticas - "quase morri tr�s vezes no hospital". Hoje, ele j� conquistou relativa independ�ncia, caminha sem muletas e conversa com naturalidade.
"Tenho problema no joelho ainda, o ligamento cruzado posterior rompeu e o cruzado anterior estirou. Na coluna, tive um achatamento de v�rtebra. Tenho fraturas nos punhos, que j� est�o bem melhores, n�o sinto mais a dor de antes, que era grande. Tenho tamb�m uma les�o na canela, que deixou a perna dormente. Eu fico mais debilitado pelas les�es da coluna e do joelho. Mas uma hora ou outra elas v�o passar. Minha vida nunca vai ser igual, mas meu corpo vai se recuperando, minha mente vai entrando no lugar", explica, sobre as limita��es que ainda tem.
Essas dores, segundo Neto, incomodam mais quando n�o deixam fazer duas coisas: jogar futebol e brincar com seus filhos.
"Sinto falta de estar dentro de campo, de treinar, de correr, de me sentir forte. Sinto falta de pegar os meus filhos no colo, abra�ar e levar pela casa, que � uma coisa que eu tinha mania de fazer. Eles j� s�o grandes, mas como eu era forte podia fazer isso. Hoje o joelho e a coluna me impedem", lamenta.
A despeito das sequelas que permanecem, Neto diz n�o ter �dio do piloto Miguel Quiroga, apontado como um dos poss�veis respons�veis pelo acidente por ter abastecido a aeronave com uma quantidade menor do que a necess�ria para o trajeto.
"� imposs�vel ter raiva de algu�m que morreu. A gente tem que ter compaix�o. Ele errou, claro, mas o erro est� muito al�m dele. Fomos v�timas de tudo isso, tanto os sobreviventes como aqueles que se foram. Ele tinha um plano de voo que n�s n�o conhec�amos, mas outros conheciam, e muita gente no aeroporto de l� [Bol�via] sabia. N�o podemos culpar s� um cidad�o. Tem muita gente envolvida. Logo a Justi�a vai chegar e eles ser�o punidos pelo que fizeram. A B�blia diz que um dia todos n�s seremos julgados. Um dia Deus vai julg�-lo da melhor maneira poss�vel, correta e justa", acredita.
Depois do acidente, Neto passou mais de dez dias em coma. Ele n�o tem mem�rias relativas ao resgate em Medell�n nem a seus primeiros dias no hospital. As �ltimas lembran�as s�o dos momentos que antecederam a trag�dia.
"Escureceu tudo, eu achei muito estranho, comecei a orar junto de companheiros e a� n�o lembro de mais nada, recobrei consci�ncia dez dias depois. Muita gente acha que teve desespero, correria, e n�o foi assim. Teve muita ora��o, mas incerteza tamb�m, porque a gente n�o sabia se estava pousando ou caindo".
DE VOLTA � ZAGA
Neto n�o recebeu uma previs�o dos m�dicos sobre quando voltaria a jogar, e at� prefere n�o criar expectativas em torno desse retorno. Ele agora reza pela cartilha do "um dia de cada vez".
"N�o existe previs�o para quem caiu de um avi�o. Quero voltar o quanto antes, porque � o que eu sei e gosto de fazer. S� de estar vivo eu tenho que agradecer e treinar para voltar a jogar futebol. Mas n�o cobro previs�es do m�dico e � uma pressa e uma press�o que eu nem quero ter".
Como muitos que passam por experi�ncias tamb�m tr�gicas – mas dificilmente t�o retumbantes–, Neto se apegou aos detalhes rotineiros da vida que levava anteriormente. E � a eles que ele recorre para se motivar.
"Passei a dar mais valor �s pequenas coisas. Quando eu estava na cama, n�o sabia tomar �gua nem ficar de p�. Agora qualquer problema que venha � m�nimo. A li��o que eu tirei � que quando estamos com f� e sa�de n�s podemos reverter qualquer problema. A vida � passageira demais: para alguns dura menos de um ano, para outros dura 20, ou 70. O valor que � dado para dinheiro, fama e sucesso n�o levam a lugar nenhum", filosofa.
A futura volta aos gramados d� frio na barriga. Mas ser� apenas nesse momento que ele poder� se ver novamente como o que sempre quis ser na vida.
"Depois de tudo que passou vai ser como entrar em campo pela primeira vez ou at� como nascer de novo. Meus filhos, esposa e pais torcem por mim e querem que eu volte. Minha motiva��o � voltar ao n�vel que eu estava. Tem um tempo na vida que voc� est� se sentindo bem, forte, e n�o quer deixar aquele momento para tr�s. Eu quero voltar a ficar assim. Vou sofrer, vai ser duro, afinal eu ca� de um avi�o. Mas me motivo ao saber que tem muita gente que me ama dizendo que vai dar certo. Eu quero voltar a campo para viver o sonho que eu tinha quando crian�a, na Pavuna [bairro da zona norte do Rio], de ser jogador de futebol".
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