Os primeiros casos de uma estranha doença respiratória detectada na China há cerca de seis meses indicavam que um novo vírus estava por trás do problema. Desde então, um esforço científico e médico sem paralelos na história recente levantou enorme quantidade de informações sobre a Covid-19 e o causador da doença, o vírus Sars-CoV-2.
Saiba o que aprendemos sobre o novo coronavírus ao longo desses meses de pandemia.
1. Como ele surgiu
As marcas da origem natural do Sars-CoV-2 podem ser detectadas em seu material genético. Quando um vírus é manipulado em laboratório, os especialistas em biotecnologia normalmente usam o equivalente de “peças de Lego” padronizadas para montar seu genoma, e nada disso está presente no causador da Covid-19.
Por outro lado, as letras químicas que compõem o RNA do vírus apresentam mais de 90% de semelhança com os genomas de coronavírus que infectam o morcego-ferradura (Rhinolophus affinis) e uma espécie de pangolim (Manis javanica), ambos mamíferos nativos da Ásia.
Alguns dos primeiros casos da doença foram detectados em pessoas ligadas a um mercado de animais vivos na cidade chinesa de Wuhan. Mais de 60% das doenças emergentes registradas nas últimas décadas surgiram como zoonoses, ou seja, moléstias de origem animal, e os morcegos são uma fonte importante de tais patógenos, como os vírus Ebola.
2. Ninguém está “naturalmente protegido”
Uma consequência lógica das origens recentes do vírus em espécies animais é o fato de que, quando a doença começou a se espalhar na China, não havia praticamente nenhuma pessoa com defesas naturais eficazes contra eles. Ou seja, toda a população mundial era suscetível ao Sars-CoV-2 no começo de 2020. Isso explica, em parte, a grande velocidade com que a moléstia se espalhou.
3. A Covid-19 é mais do que uma doença respiratória
Está cada vez mais claro que o Sars-CoV-2 é capaz de afetar diferentes órgãos e produzir grande variedade de sintomas, alguns muito graves.
Além da febre e da tosse seca, considerados os sintomas mais comuns, e da falta de ar, vista como um sinal de que a doença está piorando, o novo coronavírus pode produzir fadiga, dores musculares, diarreia, vômitos, dor de cabeça e até vermelhidão na pele. Outro sinal importante de infecção pelo patógeno é a perda de olfato e paladar.
Ao se espalhar pelo organismo, a doença pode provocar uma reação exacerbada do sistema de defesa das células, num processo inflamatório capaz de destruir os pulmões. Também tem potencial para impulsionar a formação de coágulos nos vasos sanguíneos e de desencadear problemas cardíacos, renais, hepáticos e derrames.
4. Doença também é fatal para quem não está em grupo de risco
Por um lado, é verdade que cerca de 80% das pessoas infectadas acabam tendo sintomas leves ou mesmo imperceptíveis (os chamados assintomáticos). A doença tende a ter efeitos mais graves e a trazer risco mais elevado de mortalidade em idosos ou pacientes com problemas cardiovasculares, renais, diabetes ou câncer.
Entretanto, adultos mais jovens e saudáveis, inclusive os que têm histórico atlético, podem apresentar sintomas graves, necessitando de terapia intensiva e chegando a morrer. Os casos graves e de morte em crianças até os dez anos de idade são muito mais raros, embora não impossíveis.
5. Mortalidade é muito superior à da gripe
Já está claro que a comparação entre a Covid-19 e as formas normais de gripe é descabida. Enquanto a chamada gripe sazonal leva à morte menos de 0,1% das pessoas infectadas, de acordo com estimativas da OMS (Organização Mundial da Saúde), as estimativas mais confiáveis produzidas até agora indicam que o novo coronavírus mata entre 1% e 0,5% de suas vítimas.
No caso do Brasil, as comparações iniciais com a dengue também são estapafúrdias: em 2015, pior ano da série histórica no país, a dengue matou 985 pessoas, contra mais de 34 mil mortos por Covid-19 em território brasileiro até agora.
6. Calor e umidade não protegem contra o coronavírus
A doença começou a se espalhar no auge do inverno no hemisfério Norte, e já se sabia que, ao menos em alguns lugares do planeta, vírus respiratórios conseguem se propagar com mais facilidade se o tempo está frio e seco. É o que costuma acontecer com o vírus influenza, causador da gripe, no Sul e no Sudeste do Brasil. Essa esperança, contudo, revelou-se completamente infundada.
No Brasil, os dez municípios proporcionalmente mais afetados ficam todos na Amazônia, caracterizada pelo clima quente e úmido. Ceará e Pernambuco, estados do Nordeste com clima quente, também estão entre os que apresentam maior número de mortos (mais de 3.000 em cada um deles, por enquanto).
7. Quem venceu Covid-19 fica protegido (ao menos por um tempo)
Diversos estudos feitos com animais de laboratório (em especial macacos) e com seres humanos que tiveram Covid-19 mostram que o mais comum é que, no fim da primeira semana de sintomas, as vítimas do vírus desenvolvam uma reação específica ao Sars-CoV-2, incluindo tanto anticorpos que neutralizam o patógeno quanto células que “memorizam” suas características para atacá-lo no futuro.
A grande dúvida é saber quanto tempo essa capacidade de reação rápida se mantém no organismo, já que ela costuma durar apenas algo entre um ano e dois anos no caso dos coronavírus mais conhecidos.
8. “Imunidade de rebanho” ainda vai demorar a chegar
Dá-se o nome de imunidade de rebanho, ou imunidade comunitária, à presença de uma proporção de pessoas já infectadas e curadas numa população que faz com que um patógeno não consiga mais se espalhar, porque a probabilidade de que ele encontre indivíduos suscetíveis (que nunca tiveram a doença) é muito baixa. As pessoas que já ficaram doentes e agora têm defesas contra o patógeno funcionam como escudo de quem ainda não foi infectado.
No caso Sars-Cov-2, o “número mágico” necessário para que a imunidade de rebanho passe a funcionar é de contágio de 70% da população.
Ainda falta muito para que se alcance essa proporção de infectados e recuperados. O estudo da Universidade Federal de Pelotas, numa amostragem feita com 25 mil pessoas de 90 cidades, calculou que apenas 1,4% dos habitantes do país teve contato com o vírus até agora. Em São Paulo, o número fica em torno de 3%, enquanto a capital estadual mais afetada é Belém, com 15%.
9. Máscaras ajudam, mas não são mágicas
De início, as orientações das autoridades de saúde sobre o uso de máscaras como proteção contra o vírus foram contrárias à prática, em parte porque elas eram mais necessárias para profissionais de saúde e estavam escasseando, em parte porque elas podem trazer uma falsa sensação de invulnerabilidade.
Alguns estudos, porém, mostraram que a mera barreira física das máscaras de pano é suficiente para barrar as gotículas emitidas pelo nariz e pela boca, que parecem ser o principal veículo de transmissão do Sars-CoV-2. O simples uso da máscara, porém, não elimina a necessidade das medidas de distanciamento social e os cuidados com o contato das mãos que tocaram objetos e superfícies com os olhos e o rosto.
10. Transmissão se dá no começo dos sintomas e na fase assintomática
Modelos epidemiológicos e dados experimentais mostram que não é preciso estar com sintomas graves da doença para que seja possível transmitir facilmente o vírus. Há indícios de que o pico de produção e exportação das partículas virais acontece logo nos primeiros dias de sintomas e que esse processo talvez já esteja acontecendo ainda na fase assintomática da doença.
11. Remédios que temos tratam só os sintomas
Ainda não existem remédios com ação específica comprovada contra o Sars-CoV-2. O antiviral remdesivir é o que chegou mais perto até agora, mas seus efeitos são modestos. Ele consegue apenas reduzir em alguns dias o tempo de internação dos pacientes.
Outros medicamentos, como a hidroxicloroquina, apresentaram resultados contraditórios e ainda estão sendo avaliados. Há também remédios que tentam combater alguns dos piores efeitos da doença, como a reação exacerbada do sistema de defesa do organismo.
12. Vacinas já têm os primeiros resultados positivos
Mais de 150 vacinas com diferentes formulações já estão sendo desenvolvidas contra o Sars-CoV-2. Dessas, sete já estão sendo testadas em seres humanos, e duas delas, desenvolvidas na China e nos EUA, divulgaram os primeiros resultados positivos em grupos com dezenas de pacientes. Nesses testes, foi possível estimular a produção de anticorpos e de células de defesa com ação específica contra o novo coronavírus, com efeitos colaterais aparentemente suaves. Trata-se apenas do começo do trabalho, que envolve análises complexas de segurança e eficácia.
Outra vacina, desenvolvida pela Universidade de Oxford, deverá ser testada em 2.000 voluntários brasileiros a partir de junho.
13. Testes, testes e mais testes são essenciais
Enquanto vacinas e remédios não tiverem eficácia comprovada. A testagem do maior número possível de casos suspeitos da doença é a ferramenta essencial para o controle da Covid-19, junto com o distanciamento social. Só os testes constantes são capazes de identificar precocemente os casos da doença e isolar as pessoas infectadas e seus contatos, cortando assim a cadeia de transmissão.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.