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Biblioterapia utiliza livros para aliviar sintomas de depressão e de ansiedade

Obras de ficção envolvem os leitores com as histórias dos personagens e ajudam a superar desafios semelhantes

Carina Gonçalves
Belo Horizonte

Em um cartaz ao lado da livraria Jenipapo, em Belo Horizonte (MG), lê-se: "Vendem-se remédios para curar a desinteligência natural". Além de "curar a desinteligência", os livros também são benéficos para aliviar sintomas de transtornos como depressão e ansiedade. A técnica conhecida como biblioterapia utiliza a literatura como ferramenta terapêutica.

O livro "Farmácia Literária", de Ella Berthoud e Susan Elderkin, define biblioterapia como "prescrição de ficção para os males da vida". As autoras indicam obras desse gênero literário por sua capacidade de envolver o leitor de maneira profunda, permitindo que ele experimente emoções e viva a vida dos personagens, promovendo uma catarse que a não ficção não oferece.

Deborah Cabral, doutora em estudos literários, coordena o projeto Tomates Verdes Fritos na USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto e utiliza a leitura como suporte no tratamento de pacientes com câncer e doenças neurodegenerativas. Ela começou a ver os benefícios do método em 2020, quando descobriu um câncer de mama e buscou livros para ajudar a encarar o processo. Os preferidos foram os da série napolitana de Elena Ferrante: "Amiga Genial", "História do Novo Sobrenome", "História de Quem Foge e Quem Fica" e "História da Menina Perdida".

Imagem mostra uma pessoa vestindo um suéter cinza, segurando um livro aberto com uma mão e uma xícara de café com a outra. A pessoa está sentada sobre uma manta de tricô bege.
Livros de ficção envolvem o leitor de modo que ele experimente emoções e viva a vida dos personagens - Alina/Adobe Stock

Cabral, que também realiza um trabalho de leitura para jovens internos da Fundação Casa, explica que a escolha dos textos para cada público é feita de maneira cuidadosa, considerando necessidades e preferências. A ideia é oferecer livros que não apenas entretenham, mas que também proporcionem reflexões sobre a vida e as dificuldades enfrentadas. "A leitura permite a verbalização das emoções e exteriorização dos problemas, servindo, algumas vezes, também como provocação."

Um estudo da Universidade de Sussex, no Reino Unido, mostrou que ler por apenas 6 minutos reduziu o estresse em 68% dos participantes, mais eficaz do que ouvir música (61%), tomar uma xícara de chá (54%) ou dar um passeio (42%). Os pesquisadores dizem que isso ocorre porque a mente precisa se concentrar na leitura e a distração alivia as tensões nos músculos.

Para Cristiana Seixas, psicóloga, biblioterapeuta e autora do livro "Biblioterapia: Cais de Sopros Vitais", o processo de cura da técnica consiste em identificar palavras, pensamentos e crenças que estejam obstruindo os fluxos existenciais. A literatura pode oferecer amparo expressivo, com autores traduzindo estados complexos e acessando perspectivas ainda não imaginadas, ela diz. "A pessoa gradualmente conquista sua 'família literária', que minimiza o sentimento de solidão."

Angela Maria Puppim é um exemplo de como a biblioterapia pode ajudar a superar problemas. Após experimentar a técnica, tornou-se escritora de quatro livros, poemas e participante de um coletivo de mulheres cronistas. "Considero libertárias as minhas escritas, por serem fruto de meu encontro com a biblioterapia, processo de interiorização e de cura, mediado pela literatura", explica.

A trajetória de Puppim nessa terapia começou em meio a perdas significativas e problemas de saúde que lhe causaram profundo sofrimento físico e emocional. Sentindo-se exaurida, ela buscou na biblioterapia uma forma de superar essas adversidades. "Iniciei o meu processo de escrita tardiamente, aos 64 anos, quando vivi momentos de grandes perdas, de graves problemas de saúde, com sofrimentos físicos e emocionais", relata.

Tanto homens quanto mulheres procuram esse método para tratamento e têm um perfil semelhante. "São pessoas que gostam de livros, geralmente são educados, curiosos e provavelmente bastante prósperos —eles têm tempo para ler. Geralmente, têm entre 30 e 80 anos", explica Ella Berthoud, autora de "Farmácia Literária". Ela conta também que muitas pessoas compram sessões de biblioterapia como presentes para entes queridos.

Berthoud diz que a procura pela técnica não se limitar a pessoas que já fizeram terapia tradicional. "São pessoas que querem terapia, mas não querem a terapia tradicional, ainda que não tenham experimentado a terapia tradicional também."

A pesquisa "Panorama do Consumo de Livros no Brasil", de 2023, encomendada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), mostra que as mulheres representam 57% dos compradores de livros no país, indicando uma maior inclinação para utilizar a leitura como ferramenta de autoconhecimento. De acordo com o Censo 2022 do IBGE, dos 203,1 milhões de habitantes no Brasil, elas representam 51,5 % da população.

"A leitura ajuda a relaxar e expressa valores que auxiliam no cotidiano para as pessoas se sentirem mais fortes, inspiradas e empoderadas a partir dos personagens", diz Cabral.

Não só os adultos, mas as crianças também podem ter benefícios com a biblioterapia. Seixas cita o livro "O Menino Nito", de Sonia Rosa, como obra que ajuda os mais jovens a expressarem seus sentimentos.

"O livro conta a história de um menino que passou a engolir vários choros por dia, pois seu pai o ensinou que homem não chora. De tanto engolir choros, ficou doente. Então o doutor Aymoré é chamado e o examina. Ao conversar, fica sabendo dos choros engolidos. O médico reúne a família e comunica: 'O caso é muito simples: o jeito agora é desachorar todo choro engolido'. 'Como é que desachora?' pergunta o menino. O médico responde: 'Vá lembrando dos choros engolidos e desengula todos eles, um a um, sem esquecer nenhum'", narra Seixas.

Em grupos de leitura, a presença masculina costuma ser menor do que a feminina, observa a psicóloga Elaine Gass, que frequenta seis desses clubes e media um deles. A especialista começou a ir às reuniões quando a mãe ficou doente e continuou indo durante o processo de luto.

Os encontros eram um alívio para ela, tornando o processo de leitura menos solitário e uma possibilidade para trocar opiniões com outras pessoas. "Me proporcionou essa convivência, saindo um pouco daquela situação pesada e difícil. Poder estar com outras pessoas para ser ouvinte. Acho que isso me deu um respiro e até uma força para seguir em frente."

Esse espaço seguro de leitura e compartilhamento também pode ser um processo terapêutico. Por exemplo, o projeto Leia Mulheres, criado em 2015, é uma iniciativa que tem ganhado destaque por seu objetivo de promover a literatura feminina e dar visibilidade às autoras que muitas vezes são negligenciadas pelo mercado editorial tradicional.

O Leia Mulheres se consolidou como um movimento que vai além de simples recomendações de leitura. Trata-se de uma rede de clubes de leitura que se expandiu para mais de cem cidades no Brasil, em que os participantes se reúnem regularmente para discutir obras escritas por mulheres. Os encontros oferecem um espaço para refletir sobre questões de gênero e valorização da diversidade de vozes femininas na literatura.

Juliana Leuenroth, uma das criadoras do Leia Mulheres, destaca que a leitura é um exercício de empatia. Ela acredita que entrar em contato com diferentes realidades por meio dos livros permite aos leitores refletirem sobre suas próprias vidas e experiências. O ritmo mais lento da leitura, em comparação com outros meios de entretenimento, oferece um espaço para a introspecção e a desconexão das distrações cotidianas.

Livros recomendados por especialistas

  • "Bel Canto", de Ann Patchett

  • "O Perfume de Jitterbug", de Tom Robbins

  • "O Dia do Casamento", de John Berger

  • "As Cosmicômicas", de Italo Calvino

  • "Overstory", de Richard Powers

  • "A Escrita como Faca e Outros Textos", de Annie Ernaux

  • "Mulheres Que Correm Com os Lobos", de Clarissa Pinkola Estés

  • "O Menino Nito", de Sonia Rosa

  • "A Amiga Genial", de Elena Ferrante

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