Café, álcool, peixe cru, embutidos, gemas cruas, remédios, pintar o cabelo, limpar a areia de gatos. Esse conjunto de palavras poderia ser uma lista de afazeres, mas compõe as complexas recomendações de coisas que, segundo o senso comum, gestantes devem evitar.
Mas, para a economista Emily Oster, as orientações careciam de embasamento. Quando começou a pesquisar sobre o tema, ela já trabalhava com microeconomia e saúde, mas foi a gravidez —e o gosto por café— que a levaram a investigar tantas proibições.
O resultado é o livro "O Guia da Grávida Bem Informada", publicado no Brasil pela Sextante. "O livro se origina da minha própria gravidez. Foi minha primeira interação mais duradoura com o sistema de saúde e tive muita dificuldade para chegar às respostas que eu queria."
Ela não esperava respostas específicas, mas, sim, entender por que uma recomendação era feita e outra não, "fosse não tomar café, fosse fazer ou não um teste pré-natal".
"Eu queria viver a gravidez da forma como interajo com o mundo, que é por meio de dados", diz a economista e professora da Universidade Brown (EUA). E assim o fez. Ela narra ter trocado emails e mais emails com o marido, Jesse Shapiro, também economista, pesando os prós e contras de fazer determinados testes pré-natais, e apresenta dados de forma palatável para que suas leitoras conheçam o que está em jogo.
Foi mergulhando em rios de pesquisas que Oster decidiu que estava tudo bem tomar não só algumas xícaras de café, mas também uma tacinha de vinho e remédios para aliviar enjoos matinais, três coisas que costumam arrepiar as espinhas de grávidas temerárias pela saúde de seus bebês. Sushi e carne mal passada também perderam a pecha de vilões para alívio da economista, que se coloca humana e presente o tempo todo na obra.
"Isso não é uma questão que afeta só as grávidas, mas as recomendações de saúde, no geral, tendem a ser simples. Não beba durante a gestação, por exemplo", diz ela. "O problema é quando os dados não sustentam a recomendação e cada pessoa indica um comportamento diferente."
A questão do álcool é polêmica. A média da autora disse que "provavelmente" não haveria problema em tomar um ou dois drinques por semana, mas, escreve Oster, "'provavelmente' não é um número". Ela revisou artigos que, para ela, não apresentaram provas convincentes de que o consumo moderado de álcool era arriscado para o feto.
A conclusão, para Oster, é que ela não viu problema em beber até dois drinques por semana no primeiro trimestre, até um por dia no segundo e que a velocidade com a qual se bebe importa.
No caso do álcool, ela diz que cerca de 40-45% dos obstetras nos EUA aconselham suas pacientes que beber moderadamente não apresenta risco ao feto e que essa recomendação coexiste com indicações mais duras, de abstenção. "Temos um problema quando criamos regras que não podemos explicar. Se uma pessoa não entende, é fácil ignorar, reagir de forma exagerada e permite desconfiança."
A indicação da Sociedade Brasileira de Pediatria é de abstenção em qualquer fase da gestação. A associação equivalente nos Estados Unidos também prega a abstenção.
Oster diz que uma das descobertas mais surpreendentes de sua pesquisa foi em relação ao repouso total. "Cerca de 20% das gestações nos EUA têm recomendação de repouso, por motivos variados, mas dados indicam que não tem muitas complicações que se beneficiam disso e que as desvantagens são grandes, como enfraquecimento muscular e perda de emprego."
Apesar da sede de Oster por desmistificar o senso comum, algumas recomendações básicas permanecem firmes. Evitar cigarro, seja como fumante ativa ou passiva, é algo em que Oster não arreda o pé —afinal, inúmeras pesquisas, escrutinadas pela autora, embasam essa posição.
A ideia por trás de tantos dados é que saber analisá-los seja uma ferramenta de autonomia. "As pessoas gostam de ser tratadas como adultas." A situação fica agravada na gravidez, segundo a economista, quando impera uma sensação de perda de autonomia.
"É um período em que outras pessoas se sentem donas das suas ações e no direito de comentá-las, de tocar na sua barriga. Estranhos acham ok invadir seu espaço, é bizarro se você está acostumada a ser tratada como adulta."
Ela diz que o objetivo do seu guia para grávidas, além de quebrar mitos, é "ajudar as pessoas a ficarem confortáveis com as decisões que estão tomando e permitir que elas participem de questões médicas". Habituar as leitoras ao uso de dados e apresentar os parâmetros das boas (e más) pesquisas é um bônus bem-vindo.
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