Governo Lula muda postura e decide atuar para frear PEC das Drogas

Secretária do Ministério da Justiça dialoga com parlamentares sobre a proposta em tramitação no Congresso

Brasília

O governo Lula (PT) deve marcar posição e atuar para frear o avanço da PEC (proposta de emenda à Constituição) das Drogas na Câmara dos Deputados. O objetivo é adiar a votação ou trabalhar para alterar o texto, que prevê punição para o porte de entorpecentes.

A atuação, discutida no Palácio do Planalto e em ministérios, contrasta com o tratamento dado ao texto quando ele passou pelo Senado. Na ocasião, aliados do presidente Lula evitaram se posicionar por entenderem não ter força para influenciar o debate diante de um Congresso conservador.

Lewandowski e Lula conversam; o ministro fala e aponta com o dedo algo para Lula, que se aproxima dele para ouvir
O ministro Ricardo Lewandowski (Justiça) e o presidente Lula em evento no Planalto - Pedro Ladeira -17.jun.2024/Folhapress

Os ministérios da Justiça e da Saúde serão responsáveis pela tentativa de convencer parlamentares de que não se deve criminalizar os usuários. O assunto é considerado delicado porque pode opor Lula ainda mais a grupos como evangélicos, já refratários ao presidente.

A estratégia definida pelo governo é tratar o tema como uma questão de saúde pública e não de costumes. Aliados de Lula devem repisar o discurso de que são contra as drogas, argumentando que criminalizar o usuário pode afastá-los do acesso a serviços de saúde.

O governo vai defender o tratamento da posse e do uso de drogas como um ato ilícito, passível de sanções administrativas, mas não como crime.

Deve haver também a propagação da leitura de governistas de que a PEC acaba por afetar, sobretudo, populações negras e periféricas.

Auxiliares do presidente avaliam que há chances de evitar o avanço da proposta, por enquanto. A expectativa é que os debates sejam retomados só depois das eleições municipais, em outubro.

A leitura é que a repercussão negativa em torno da PL Antiborto por Estupro gerou desgastes ao Parlamento e mostrou que assuntos sensíveis não devem ser discutidos de forma açodada.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), oficializou a criação de uma comissão especial para discutir a PEC das Drogas no final de junho, em reação ao STF (Supremo Tribunal Federal). Horas antes, a corte havia decidido a favor da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, depois de nove anos de julgamento.

A comissão da Câmara, no entanto, ainda não foi instalada. O próprio Lira sinalizou aos pares que não deve acelerar a tramitação da proposta.

Antes disso, ela andou de forma rápida no Senado. Apresentada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em setembro do ano passado, ela foi aprovada em abril. Em junho, a PEC recebeu o aval da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara.

A PEC das Drogas inclui na Constituição o crime de possuir ou carregar drogas, independentemente da quantidade e da substância.

A tendência é que a comissão especial na Câmara seja composta por maioria de centro-direita, favorecendo sua aprovação. O governo pretende reforçar o discurso de que o Congresso precisa se concentrar nos projetos ligados à economia e que outras matérias sensíveis não devem ser prioridade.

Quando a comissão for de fato instalada, auxiliares de Lula pretendem agir para ampliar o número de governistas no colegiado e colocar um time em atuação. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, quer trazer do exterior especialistas fora do campo da esquerda para debater a questão.

Com um Congresso considerado mais conservador, o Planalto vem lidando com cautela com temas considerados polêmicos e que possam entrar na seara de costumes ou ideologias.

Integrantes do governo avaliam, no entanto, que a gestão Lula não pode correr o risco de ficar distante do debate como ocorreu no caso do PL Antiaborto por Estupro e precisa se posicionar, mesmo que acabe derrotado no Congresso.

A senha foi dada por Lula em entrevista ao UOL, quando disse considerar "nobre" que haja uma decisão ou regra que faça a diferenciação entre os consumidores de drogas e os traficantes. Ele ponderou, no entanto, que a decisão não precisaria ter sido tomada pelo STF, acrescentando que a corte "não tem que se meter em tudo".

Depois, o ministro Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) disse que o Congresso deve se debruçar sobre pautas econômicas, mas afirmou que ministros se envolverão no debate da PEC das Drogas.

A secretária Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos, Marta Machado, afirmou à Folha que tem defendido junto a parlamentares o teor da decisão do STF.

"A gente está dialogando com diversos parlamentares para tentar justamente esclarecer um pouco mais a decisão do STF. Ao contrário do que os discursos mais populistas dizem, não é um 'liberou geral'", afirmou.

Machado argumentou que a decisão é clara ao determinar que o Executivo, junto ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e ao Congresso, regulamente as sanções administrativas a serem aplicadas aos usuários. Afirma ainda que o governo e os parlamentares devem elaborar medidas de conscientização e redução do consumo de maconha.

"A gente vai, para cumprir a decisão do Supremo, pensar um plano, com investimento robusto, em ações para a diminuição do consumo."

Ela afirmou que mesmo os votos no STF contrários à decisão apontam falhas na aplicação da lei atual e que pesquisas comprovam que a lei é aplicada de modo diferente a pessoas negras e periféricas.

"Pesquisas e a experiência internacional mostram que a criminalização não é capaz de diminuir o consumo, a criminalização só joga os usuários nas mãos das facções e gera estigma", disse a secretária.

Ela defende que é preciso investir recursos na asfixia do crime organizado. "A gente encarcera quem não precisaria estar encarcerado. E quando a gente encarcera, imediatamente uma pessoa é recrutada para as organizações criminosas."

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