Educadora e professora primária no Rio de Janeiro, dona Jane Mundim, ou vovó Nena para os amados familiares, ensinava sobre tudo —só não informava uma coisa: a própria idade.
O mistério entre os Mundim era se Jane nascera de fato em 1932, como dizia a certidão, ou se já completara 95 anos. A dúvida permanece, originada após o sumiço dos documentos originais.
Professora dos irrequietos Jairzinho Furacão e Paulo Cézar Lima, o PC Caju, Jane deu aulas em Botafogo, Bangu e Paquetá pela vida toda. Ao casar a filha com pompas na igreja da Candelária, em 1974, com a presença de vários homens fortes do governador Raimundo Padilha (da Arena, o partido de sustentação do regime militar), Jane esperava que a vida fosse leve como os fins de semana na fazenda, ou no casarão da família em Paquetá.
Ledo engano — um câncer levaria seu marido Ivan em 1976, então diretor do DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem). Seria o início do segundo ato de sua vida.
Pois a educadora não esmoreceu. A fazenda em Itaguaí, com currais e um magnífico touro holandês chamado Bolívar, tornou-se ponto de encontro dos cinco filhos, do irmão militar, Nilo Jayme, e dos mais diversos amigos da família. Por lá passavam o ator Luiz Fernando Guimarães e os cantores Eduardo Dussek e Ney Matogrosso, que se tornou um dos maiores fãs de dona Jane.
"Lembro que tinha um sapo gigante ali pela fazenda, era quase um animal de estimação da casa, e o Ney adorava o bicho", lembra o neto, Flávio Mundim. "Havia um piano na sala, e minha avó adorava tocar músicas de sua juventude. Quando chegavam o Dussek ou o Ney, ela cedia o piano e a fazenda virava uma festa, com um som bem mais rock'n rol. Eu era bem pequeno mas não esqueço".
No último dia 27 de maio, Jane sentou ao piano para tocar algumas de suas músicas prediletas, como ela fazia sempre —sua favorita era "My Way", uma versão da canção francesa "Comme d’Habitude", de Jacques Revaux. Ao fechar o piano e tentar se levantar da banqueta, desequilibrou-se e tombou.
Após uma semana no hospital, dona Nena foi velada num lindo sábado de sol, dia 8 de junho, no cemitério de Paquetá, ao lado do bucólico cemitério de passarinhos, papagaios e gatos da ilha carioca.
Entre amigos e parentes contando histórias bonitas de alegria, alguns presentes choravam de soluçar — eram seus aluninhos, agora gente crescida, inconsoláveis diante da partida da mestra, a descansar na impressionante capelinha de pedra do cemitério de Paquetá. Precisamente ali, onde seu esposo, havia quase 50 anos, cumpria seu repouso eterno, e a contragosto a esperava.
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