'A desinformação pode levar à morte', diz ministra da Saúde em conferência da Cátedra Otavio Frias Filho

Nísia Trindade destaca papel crucial da comunicação em crises sanitárias e ressalta que futuras pandemias devem estar relacionadas a questões climáticas

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São Paulo

"A desinformação pode levar à morte e ao adoecimento", afirmou a ministra da Saúde, Nísia Trindade, nesta segunda (28) durante conferência magna sobre ciência, comunicação e o futuro da pesquisa científica da Cátedra Otavio Frias Filho de Estudos em Comunicação, Democracia e Diversidade.

O evento teve a abertura de Carlos Gilberto Carlotti Junior, reitor da USP, Maria Arminda Arruda, vice-reitora da universidade, e de Guilherme Plonski, diretor do IEA. A conferência foi transmitida ao vivo e também contou com comentários de André Chaves de Melo Silva, coordenador acadêmico da cátedra, e de Vinicius Mota, secretário de Redação da Folha.

Criada pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP (Universidade de São Paulo) em parceria com a Folha, a cátedra tem como titular a neurocientista e colunista do jornal Suzana Herculano-Houzel, debatedora da conferência. O tema da conferência foi ciência, comunicação e o futuro da pesquisa científica.

A ministra da Saude, Nísia Trindade, durante entrevista em seu gabinete em Brasília, em maio deste ano - Gabriela Biló - 31.mai.23/Folhapress

Trindade abordou os dilemas impostos à comunidade científica durante a pandemia de Covid-19 e seus aprendizados. Ela destacou ainda o papel da desinformação na promoção de desconfianças da população em relação às orientações sanitárias de prevenção da doença e à vacinação.

"Não é novo o tema do ataque à ciência, mas a pandemia mostrou novas formas organizadas desse combate expressas naquilo que o senso comum passou a chamar de negacionismo, que tem origem importante no negacionismo histórico-político", avaliou. "O ataque à ciência durante a pandemia teve uma carga política muito evidente no Brasil, foi uma política de governo, e não podemos esquecer disso."

Segundo a ministra, a desinformação e o negacionismo são, no entanto, uma parte da explicação para a recente queda na cobertura vacinal no Brasil, país que antes era referência neste campo.

Em 2021, o Brasil atingiu o menor patamar de cobertura vacinal em 20 anos e chegou a apenas 59% da população vacinada, quando o índice preconizado pelo Ministério da Saúde é de 95%.

Para ela, vacinas como a da Covid-19 e do HPV, vírus que causa grave infecção sexualmente transmissível, foram objeto de campanhas sistemáticas de negação, que, no entanto, não explicam totalmente o fenômeno da mudança de comportamento dos brasileiros em relação à vacinação.

"Políticas bem-sucedidas às vezes são vítimas de seu próprio sucesso porque mudam a percepção de risco das pessoas. Tenho visto muitas pessoas que não são negacionistas, mas que se esqueceram de tomar o reforço contra a Covid com a vacina bivalente porque a doença deixou de ser vista como uma ameaça."

Trindade ressaltou que a Covid-19 continua a causar mortes no Brasil e que existe uma nova variante da doença no mundo. Informou, ainda, que o Ministério da Saúde lançou em agosto uma campanha de multivacinação para crianças e adolescentes.

"O sucesso da cobertura vacinal que o Brasil tinha não foi uma evolução natural da compreensão da sociedade sobre a importância das vacinas. Tivemos uma construção histórica pelo trabalho de vários sanitaristas que se dedicaram a este tema", disse.

A ministra afirmou que os prospectos de futuras pandemias estão cada vez mais relacionados a questões climáticas. "Precisamos entender as dinâmicas de intersecção de patógenos, meio ambiente, meios de subsistência e modelos de desenvolvimento, numa perspectiva relacional", disse.

Os desafios futuros da saúde não estão só em novas pandemias, mas em emergências motivadas pelas mudanças climáticas. "Grandes inundações, secas intensas e prolongadas e ondas de calor configuram situações de emergência em saúde e os sistemas terão de ser pensados para elas."

Para ela, a questão também passa por mudanças nos meios de comunicação e informação, que se tornam constitutivas da própria pandemia quando a população é mal informada ou tem acesso a notícias falsas.

"Os impactos da desinformação são imensos. Planos estratégicos de comunicação estão sendo feitos pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República, mas têm na saúde um de seus pilares mais importantes porque é onde a desinformação pode levar à morte e ao adoecimento."

Primeira mulher a chefiar o Ministério da Saúde no Brasil, Nísia Trindade também foi a primeira mulher a presidir a prestigiosa Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), referência internacional em ciência e tecnologia. É doutora em sociologia e mestre em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de janeiro (Iuperj, atual Iesp) e tem graduação em ciências sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Durante a pandemia, sua atuação à frente da instituição centenária foi tida como exemplar, e ela protagonizou o acordo feito com o governo federal e a AstraZeneca para a produção do imunizante contra Covid em parceria com a Fiocruz.

A cátedra foi lançada em fevereiro de 2021, quando a Folha completou cem anos. A iniciativa homenageia o jornalista Otavio Frias Filho (1957-2018), que liderou o projeto de modernização deflagrado pelo jornal em 1984 e dirigiu a Redação até sua morte.

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