Decisão sobre tombamento da Chácara das Jaboticabeiras, em SP, é adiada de novo

Promotoria instaura inquérito para apurar processo sobre área na Vila Mariana

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São Paulo

A decisão sobre os parâmetros de tombamento da Chácara das Jaboticabeiras, na Vila Mariana (zona sul de São Paulo) voltou a ser adiada nesta segunda (25) pelo conselho municipal de patrimônio, o Conpresp. Embora o órgão tenha reconhecido o tombamento como oportuno, seus termos vêm sendo debatidos longamente.

A Chácara das Jaboticabeiras é o nome dado ao polígono compreendido entre as ruas Domingos de Morais, Joaquim Távora, Humberto 1º e pela avenida Conselheiro Rodrigues Alves. A região, cujo nome deriva daquele dado ao loteamento original, iniciado em 1925 e batizado Villa Jaboticabeiras, tem sua preservação pleiteada há mais de dois anos.

Antes da reunião desta segunda (25), a Promotoria do Meio Ambiente do MPSP (Ministério Público do Estado de São Paulo) se reuniu virtualmente com membros do Conpresp e representantes dos moradores para uma discussão da questão.

O encontro foi convocado após os promotores pedirem a suspensão da votação do caso pelo Conpresp nesta segunda.

vemos várias casas e árvores do lado esquerdo da foto e, em torno de uma praça redonda, alguns prédios
Vista aérea de parte da Chácara das Jaboticabeiras, porção da Vila Mariana que moradores querem preservar - Bruno Santos - 13.set.21/Folhapress

Compareceram, pelo Conpresp, o presidente João Cury e três conselheiros do colegiado —Wilson Levy Braga Da Silva Neto, representante do Crea (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia); Antonio Carlos Cintra do Amaral Filho, da SMJ (Secretaria Municipal de Justiça); e Marcela Evans, da área de urbanismo da Smul (Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento).

Os relatores do processo de tombamento, Eneida de Almeida, do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil), e Guilherme Fatorelli dell'Arco (da área de licenciamento da Smul), no entanto, não estavam presentes.

Após o encontro, Cury optou por manter a votação do caso na reunião do Conpresp, transmitida publicamente pelo canal do órgão no YouTube —logo no início, Eneida de Almeida queixou-se de que não fora convocada para a conferência com o MPSP e ouviu do presidente que não havia tido tempo para fazer o convite.

À tarde, enquanto a reunião do Conpresp corria, o MPSP determinou a abertura de inquérito civil sobre o processo de tombamento.

Na reunião do Conpresp, os moradores apelaram à compreensão técnica dos argumentos produzidos até agora pelo Departamento do Patrimônio Histórico e pelos conselheiros relatores. Ao longo do processo, foram produzidas sucessivas versões da minuta de tombamento —documento que fixa as regras para o bem a ser preservado.

As diferentes versões buscaram uma conciliação entre os moradores e empresas que pretendem construir no local, que se encontra na região do largo Ana Rosa e, por isso, seria alvo de adensamento pelas diretrizes do Plano Diretor Estratégico (PDE).

De um lado, os moradores organizados no Coletivo Chácara das Jaboticabeiras defendem a manutenção das características da gleba, na qual nasce um córrego, o Guariba, que alimenta o lago do Ibirapuera.

De outro, parte dos conselheiros, inclusive o representante do Crea, afirma que o tombamento é incompatível com o adensamento proposto pelo PDE. O argumento, levantado em reunião do último dia 23 de agosto, vai contra a posição de pareceres técnicos do processo e foi criticado mesmo pelo relator do PDE, Nabil Bonduki.

Entre os dois lados, na reunião desta segunda, surgiu uma nova proposta.

Apresentada por Marcela Evans, que estivera no encontro com o MPSP durante a manhã, a proposta permite que um terreno pertencente à construtora Constrac fique de fora dos limites de gabarito estabelecidos para preservar a Chácara das Jaboticabeiras.

Após ouvir a proposta de colocar essa porção da gleba numa área em que fosse permitido gabarito de até 50 metros (um edifício de 16 andares), os conselheiros relatores, Eneida de Almeida, e Guilherme Fatorelli Del'Arco, pediram que Evans detalhasse melhor sua proposta.

Antes, porém, que Evans pudesse indicar os detalhes nos mapas que saltou em sua apresentação, o presidente do conselho sugeriu que a decisão fosse adiada para a próxima reunião do órgão, marcada para 8 de novembro.

Enquanto Cury defendia o adiamento, Evans inadvertidamente compartilhou a janela do WhatsApp Web, permitindo ver suas mensagens no aplicativo.

Numa delas, Evans dizia, durante a reunião, a alguém identificado como "Debora Pref" que estava sendo alvo de várias perguntas e que não sabia falar. O contato, segundo a Smul a assessora da pasta Débora da Silva Campos, então respondia que ela havia estudado tudo e só precisava ficar calma e pensar "um pouquinho" antes de responder.

Após 25 segundos com a tela em exibição, foi alertada por outro contato, Guilherme SERVIN, de que estava expondo as mensagens. Servin é a sigla que designa a Coordenadoria de Edificação de Serviços e Uso Institucional, que faz parte da Smul. Segundo a Smul, trata-se do conselheiro do Conpresp Guilherme Fatorelli Del'Arco.

Ao mesmo tempo, era possível ver em outra mensagem que, durante a reunião, Evans combinava com uma pessoa chamada "Maricona" uma compra assim que acabasse sua participação na comissão.

Além de indagar sobre a identidade dos contatos, a Folha perguntou à Prefeitura de São Paulo, à Smul e à SMC (Secretaria Municipal de Cultura, da qual faz parte o Conpresp) por que Marcela Evans não saberia defender seu próprio relatório.

Questionou ainda por que a servidora estava tendo uma conversa particular enquanto apresentava sua proposta e, por fim, se João Cury Neto propôs o adiamento da votação ao notar que Evans estava tendo dificuldades na defesa —em outra mensagem visível na tela, sobre cujo teor a Folha também indagou, Cury diz a Evans, antes de sua exposição: "Kkkkkk Vai firme... tamojunto!".

A Prefeitura de São Paulo explicou por meio da Smul que, apesar de ter "todas as credenciais para o exercício de sua função", a arquiteta Marcela Evans Soares é conselheira suplente da pasta no Conpresp.

A reunião desta segunda, diz a Smul, "aconteceu sob um clima tenso, com debates acalorados, o que contribuiu para manifestações da funcionária demonstrando nervosismo em troca de mensagens com colegas de trabalho".

"A Smul se desculpa pela postura da funcionária em tratar de assuntos pessoais em seu aplicativo de troca de mensagens durante a reunião do Conpresp e garante que ela será advertida. Entretanto, a pasta entende que, em nenhum momento, esse comportamento, comprometeu o seu trabalho durante a reunião desta segunda-feira."

De acordo com João Cury, o "encaminhamento de adiamento da votação aconteceu em consonância com o entendimento de uma conselheira que solicitou vista do processo para melhor análise da proposta apresentada pela conselheira Marcela".

"Naquele momento, entendi que este poderia ser o melhor encaminhamento, sugerindo então um pedido de vista coletivo para que todos os conselheiros pudessem, com mais tempo, analisar a proposta apresentada pela conselheira" —o que foi aceito por todos os presentes.

Cury também frisou o nervosismo de Marcela Evans pela participação excepcional, sendo ela suplente e o portanto "pouco familiarizada com a dinâmica e a tensão que envolvem essas reuniões, principalmente, nas pautas mais polêmicas e emblemáticas".

Evans substitui Ricardo Ferrari Nogueira, que se declarou impedido nesse processo por ser morador da região. "Ao encaminhar uma mensagem dizendo que estava nervosa com a reunião eu disse a ela que fosse firme e que contasse com meu apoio", afirmou Cury.

Na portaria de abertura do inquérito civil, o promotor Carlos Henrique Prestes Camargo dava ao presidente do Conpresp cinco dias para recorrer da instauração e determinava que, em até 30 dias, apresentasse quatro estudos completos de volumetria que ilustrem os resultados das diferentes propostas feitas até aqui pelos conselheiros.

O texto solicita ainda que, conforme a reunião da manhã desta segunda, se mantivessem no conselho as "as discussões técnicas sobre as restrições que devem ser aplicadas no caso de tombamento da 'Chácara das Jaboticabeiras', até consenso com relação à efetiva proteção do local".

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