Uma das professoras mais queridas do Liceu Pasteur, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, encerrou sua passagem pela vida deixando entre seus muitos alunos a marca mais almejada por um docente: a de ensinar a pensar.
Zelinda Casella, lembrada tanto pelo afeto quanto pela seriedade, marcou a história do colégio e a memória de algumas centenas de alunos que por lá passaram.
Zelinda trabalhou no Liceu Pasteur de 1956 a 2002, período em que lecionou história e filosofia. “Ela nos desafiava a pensar e apenas falava —não tínhamos livros. Mas assim aprendemos sobre Sócrates, Freud, Marx”, afirma a atriz e professora Bia Bologna, que a tem como inspiração.
Aluno nas duas disciplinas durante todo o ensino médio, o cantor e pianista André Youssef diz carregar até hoje “todos os conceitos dos grandes filósofos e pensadores” graças à mestra.
“Ela era impressionante. Dava uma aula parecida com as de faculdade. Não escrevia quase nada na lousa. Fazia a gente pensar.”
Rita Lee, uma das alunas ilustres, homenageou Zelinda em redes sociais. “Certa vez, passei a aula toda fazendo a caricatura dela sem prestar atenção a nada. No fim da aula, Zelinda se chegou, puxou o desenho e, diante da classe, expôs minha obra-prima com a seguinte crítica: você acertou meus cabelos e minha roupa, mas errou feio na expressão do meu olhar. Da próxima vez, preste mais atenção porque não vou passar a aula toda posando para você!”
O rigor com que Zelinda preparava as aulas e que devotava ao ensino era único, descreve o crítico e professor de teoria literária da USP Marcelo Pen. “Era uma pessoa muito à frente do seu tempo. Tinha liberdade na escolha dos assuntos, os apresentava de forma isenta e prazerosa e aguçava na gente a sede de conhecimento”, diz. “Ela foi importante e essencial na formação de muita gente que, hoje em dia, forma outras pessoas.”
“Irônica, quase clássica na forma de ensinar, dona Zelinda foi professora inesquecível, daquelas que mudam a vida de alunos ao abrir as portas do conhecimento de maneira didática e definitiva”, relembra Sérgio Dávila, diretor de Redação da Folha.
Até o jeito de se vestir —terninhos elegantemente cortados em plenos anos 1980— refletia seus modos, lembra a designer gráfica Regina Félix, 55. “Ela era rígida sem ser grossa. Tinha uma ironia fina, que cabia nas aulas. Aprendemos a ter senso crítico. Zelinda foi especial, foi brilhante.”
Zelinda morreu de causas naturais, com 92 anos e um legado de gerações.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.