Foi na frente da máquina de costura que passou a maior parte de sua vida. Com a idade avançada, usou o que um dia foi seu instrumento de trabalho para demonstrar seu afeto pelos filhos, netos e genros, criando roupas, ajustando barras e fazendo pences. Tinha um caderno dedicado a anotar a medida de cada um deles.
Ofélia Botelho Martins esbanjava vitalidade. O tédio era o seu inimigo. Contava que desde a infância não conseguia ficar parada. Nasceu em 1925 em Muzambinho, Minas Gerais. Viveu lá até a juventude. Mudou-se para São Paulo para trabalhar.
Em segredo, contava para as netas sobre os inúmeros namorados que teve “quando era moça”.
Escolheu Egídio Martins. Casaram e decidiram viver em Santa Adélia, no interior do estado, próximos à família do marido. Lá criaram os filhos Katie, Wagner e Solange. Anos depois, voltaram para a capital e se instalaram no bairro do Ibirapuera.
Por toda a vida acreditou em Deus. A maior parte dela foi católica. Na casa dos 80 visitou a igreja evangélica.
Acreditava que a fé a curou de um câncer no ovário quando tinha 88 anos. O marido não reagiu da mesma forma quando passou pelo tratamento: em 2005 ele faleceu de câncer de pulmão.
Aos 96 anos, a matriarca da família costurava com maestria, cozinhava um pudim de leite condensado sem furinhos e fazia poucos anos que, escondida, havia deixado de cruzar a cidade de ônibus para ver a família —as caronas sempre estavam à disposição.
Não parou por vontade, mas por insistência dos filhos. Era lembrada como alguém com uma presença serena, um colo materno e um corpo disposto. Dona Ofélia ou Feinha, como era chamada, cuidava mais do que precisava de cuidados.
Mesmo nonagenária, sua saúde e vigor transformavam a morte em algo distante. Foi preciso algo que derrubasse o mundo para que a derrubasse também.
Além dos filhos, deixa os netos João, Pablo, Pedro, Leonardo, Victória e Mariana, e os genros Mário e Lincoln.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.