"Eu estava procurando uma edição de 'Dom Quixote'", poderia dizer um leitor ao chegar no Assumpção Livreiros, no edifício Maletta, em Belo Horizonte. Tal pergunta era uma receita para agitar aquele senhor baixinho, de bigode branco e cuja fisionomia tinha um quê de Albert Einstein.
Renatinho —ou "Professor Renato" para o colunista da Folha Ruy Castro— passava a listar, de cabeça, todas as edições lançadas e os diferenciais de cada. Sabia a melhor tradução, o melhor acabamento, a rara, e por aí vai.
O gosto por livros vinha de novo. Nascido na mineira Pedra do Anta, foi criança para a capital e morou perto de um livreiro. Gastava o tempo imerso nas obras literárias e as realidades que elas permitiam.
Chegou a fundar uma livraria nos anos 1970, mas vendeu-a após alguns anos. Graduou-se em história e em biologia, e foi professor da segunda até se aposentar. O hobby que adquiriu, porém, persistiu pela vida. Toda vez que saía, voltava com um livro. Às vezes, mais de um. Em algumas ocasiões, dezenas.
Foi apreciador de vinhos e música clássica, dos quais também detinha vasto conhecimento --era comum que Paganini ressoasse onde estivesse. Só abriu o sebo no Maletta após uma bronca da mulher devido aos borbotões de livros pela casa.
Não classificava como "sebo", no entanto, que a ele remetia à sujeira. Preferia dizer que tinha uma livraria de antiguidades, ou de usados.
Morreu em 2 de outubro, aos 86, três dias após ser atropelado e sofrer um traumatismo craniano. Deixa a mulher Maria Lucília, os filhos Renata, João Alfredo e Daniel, a neta Júlia, o irmão Willer e um acervo enorme, mas com dois livros a menos. É que um exemplar de "Vinho e História" e um "Rubaiyat" de Omar Khayyam o acompanharam para o descanso eterno.
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