São Paulo é o estado com a maior população carcerária do país. São mais de 198 mil detentos, conforme dados parciais do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Destes, 35% —quase 70 mil— são presos provisórios, que aguardam atrás das grades uma sentença definitiva.
As provas e as perícias que podem culpar ou inocentar alguém ficam nos institutos de criminalística (ICs) da Polícia Técnico-Científica. Essas unidades, porém, guardam um dado alarmante. No estado, dois de cada três dos prédios que abrigam esse material não possuem certificação contra incêndios.
"Em alguns eu nem chego a ver extintor", diz o presidente do Sinpcresp (Sindicato dos Peritos Criminais de São Paulo), Eduardo Becker. "Pode acontecer como no Museu Nacional e perder-se tudo", diz, sobre o acervo da instituição no Rio que também funcionava sem o aval dos bombeiros.
Caso um instituto de criminalística pegue fogo e isso implique na perda de evidências criminais, presos que ainda aguardam julgamento podem ser libertados. Segundo o advogado criminalista Pedro Iokoi, isso seria facilitado principalmente em casos de posse ilegal de armas e de tráfico de drogas.
Com a perda do material comprobatório, explica Iokoi, não haveria como prosseguir na acusação. O tráfico de drogas é o segundo crime que mais prende no Brasil, responsável por 24% dos detentos.
O inverso também poderia ocorrer em caso de incêndio de um desses prédios: alguém que estiver preso injustamente e dependa de uma análise pericial para provar sua inocência se veria condenado. Ou ainda pode-se comprometer uma futura acusação a um suspeito não identificado —uma peça de roupa de uma vítima de estupro com material biológico do agressor, por exemplo.
O auto de vistoria emitido pelo Corpo de Bombeiros, chamado de AVCB, assegura que o local está adaptado para situações de incêndio. Isso significa que foram feitas as adequações para viabilizar rotas de fuga, segurança das instalações elétricas e presença de sistema de combate ao fogo, como extintores e hidrantes, portas corta-fogo e afins.
Tanto os bombeiros, responsáveis pela certificação, quanto os institutos de criminalística, da Polícia Científica, estão sob a administração da Secretaria da Segurança Pública, sob a gestão de Márcio França (PSB), candidato à reeleição. "A gente exige algo do terceiro, e a nossa própria instituição não toma conta disso", afirma o presidente do sindicato dos peritos.
O descaso não vem de hoje. Parecer do TCE (Tribunal de Contas do Estado) de 2013 produzido a partir de fiscalização já apontava entre os problemas nas "instalações precárias" das unidades da Polícia Técnico-Científica.
À época, em apenas 8% das unidades estaduais foi atestado o AVCB, e 98% ainda não possuíam o alvará de funcionamento da prefeitura de seu município. No relatório, o TCE cobrava adequações do governo Geraldo Alckmin (PSDB), pedido reforçado pelo Ministério Público de Contas do Estado posteriormente.
Levantamento atual do Sinpcresp aponta que pouco foi feito desde então. Só 19% dos prédios estão aptos, de acordo com o sindicato. Nenhuma das sete unidades na capital está entre eles.
Porém um simples cruzamento feito com endereços informados no próprio site da Polícia Científica e a checagem no serviço dos Bombeiros aponta que esse percentual é ainda menor: 14% das unidades.
A Secretaria da Segurança Pública diz que os dados estão desatualizados. Segundo a pasta, hoje 23 das 64 unidades no estado já possuem o auto de vistoria ou similar, o equivalente a somente 36% do total.
Das demais, ainda de acordo com a secretaria, 14 esperam a documentação, 13 teriam iniciado o processo de adequação e 7 estão em reforma. Seriam, portanto, 7 unidades, ou 11% delas, sem o AVCB no horizonte próximo, segundo o governo estadual.
Institutos de Criminalística em São Paulo
Relatório de 2013 do TCE cobrou adequações; maioria segue desprotegida até hoje
64 unidades no estado
23 (36%) possuem auto de vistoria dos bombeiros ou similar
34 (53%) estão em processo de certificação
7 (11%) não possuem o auto de vistoria
Fonte: SSP-SP
População carcerária
666.697 presos no país
198.050 presos em SP*
69.518 presos provisórios em SP*
*Valor parcial
Fonte: CNJ (dados de 25.out)
Penas recorrentes
27% Roubo
24% Tráfico de drogas
11% Homicídio
8% Furto
4% Posse, disparo e comércio de arma de fogo ilegal
3% Estupro
Fonte: CNJ (dados de 6.ago)
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