No trajeto de metrô para casa, a psicanalista Selma Boaventura, 38, acompanhava, cantarolando, a música que saía dos alto-falantes do vagão. A melodia lhe trazia boas lembranças e uma sensação de relaxamento.
Em outro vagão, na linha azul, a estudante de direito Tainara Stefany, 23, resmungava para a amiga: “Essa musiquinha vai ficar na minha cabeça a noite toda!”. “Ninguém merece!”, respondeu a colega.
A música ambiente tem suscitado reações variadas um mês depois do projeto, iniciado pelo Metrô em 6 de julho. Há usuários enfurecidos, outros felizes da vida e aqueles que nem notaram a mudança. “Música? Nunca tinha reparado. Sempre vou de fone de ouvido”, diz a vendedora Alessandra Aparecida, 23.
Segundo o Metrô, o projeto, implementado de forma progressiva e em fase de testes, deve chegar a 55 estações e 142 trens, das linhas 1, 2 e 3.
O custo é de cerca de R$ 35 mil mensais, pagos à agência CC&P, que presta o serviço —deste total, R$ 10,6 mil são para direitos autorais.
A playlist tem 200 músicas, com estilos como jazz, bossa nova e samba, e costuma ser suave, ainda que a percepção do volume varie de acordo com o trem, a lotação e a capacidade auditiva do usuário.
“Adoro, tinha que ser mais alta!”, pede entusiasmada a aposentada Carmem de Jesus, 80. Já Antonio dos Santos, 66, reclama: “O volume está desproporcional”.
Ainda assim, para o vendedor, a música ajuda “a aliviar a tensão”. O policial Evandro Lima, 45, que volta fardado de um dia de trabalho cansativo, concorda: “Gostei, acalma”.
Além do volume, o repertório é controverso. Tainara acha que as músicas são sempre iguais. “Parece loja de shopping. É horrível”, diz. “Música de elevador” e “tranquila demais” são críticas comuns.
Para amantes de música clássica, um gênero recorrente, a viagem é um deleite. “Curti muito”, diz o estudante Igor de Moraes, 14, que toca violino.
Por outro lado, em um ambiente já barulhento, muitos usuários afirmam que a música é só mais um ruído. “É muita poluição sonora”, diz a secretária Sheila Ribeiro, 35.
Alguns passageiros que gostam de ler sentem dificuldades de se concentrar. “É a única hora que tenho para estudar. Isso tira a atenção”, diz o advogado Francisco Fernando, 43.
Música no metrô de São Paulo
55 estações devem receber o projeto, que está sendo implantado progressivamente desde julho
142 trens das linhas 1-azul, 2-verde e 3-vermelha terão música até o fim da implantação do programa
R$ 35 mil é o custo mensal do projeto
R$ 10,6 mil são gastos por mês com pagamento de direitos autorais
200 músicas compõem a playlist, com ritmos como bossa nova, samba e jazz
3,5 milhões de pessoas passam pelo metrô de São Paulo todos os dias
Fonte: Metrô de São Paulo
Segundo psicólogos, a música tem efeitos variados, que dependem do estilo, do volume, da pessoa e até do humor do dia. “Quando a pessoa está estressada, um ruído adicional pode ser um desgaste. Tem gente que odeia música de relaxamento”, afirma a psicóloga Ana Maria Rossi, da International Stress Management Association.
O psiquiatra do Hospital das Clínicas Elko Perissinotti, especialista em estresse e desgaste profissional, afirma que não há estudos comprobatórios de que a música em meios de transporte tenha benefícios. “Parece palpite do metrô.”
Especialistas avaliam que o Metrô pode ter recorrido à música para abafar ruídos, já que intervenções para melhorar a acústica seriam caras.
“Precisaria mudar o contato da roda com o trilho, o perfil do trilho... Seria complexo. Os ruídos da máquina e do deslocamento do ar causado pelo trem são altos mesmo”, diz o físico Marcelo Aquilino, do Laboratório de Conforto Ambiental do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas).
No entanto, segundo o arquiteto Marcos Holtz, da Associação Brasileira para a Qualidade Acústica, a técnica de disfarçar ruídos com sons harmônicos não funciona bem no metrô. “É um local barulhento. A música precisa ser muito alta e acaba sendo invasiva.”
A associação desconhece iniciativas parecidas em outros metrôs do mundo. “A pessoa é obrigada a escutar a música o percurso todo. Isso enfurece. O fato de ser onipresente é perturbador”, diz.
Procurado, o Metrô, ligado à gestão Márcio França (PSB), afirmou que acompanha a opinião dos usuários. “[O Metrô] constata em pesquisas que aqueles que têm alguma posição, positiva, neutra ou negativa sobre o tema formam um contingente mínimo”, disse.
“Se ‘especialistas’ afirmam que não há estudos que comprovem o relaxamento trazido pela música, [...] então ninguém pode ser considerado especialista no assunto —e colocar música no ambiente é tão somente questão de liberalidade da empresa, o que vale para consultórios, elevadores, salas de espera e transporte público, como o metrô.”
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