"O Brasil vai ser um país de velhos, porque estão matando as nossas crianças.” O diagnóstico sombrio é da empregada doméstica Bruna da Silva, 36, que teve o filho de 14 anos morto por um tiro no último dia 20 na favela da Maré, zona norte do Rio.
Marcos Vinícius da Silva ia uniformizado para a escola quando foi baleado na barriga. Ele chegou a ser socorrido, mas morreu horas mais tarde. Em entrevista à Folha, a mãe responsabiliza o Estado pela morte de seu filho.
Policiais civis faziam operação no início da manhã para cumprir 23 mandados de prisão quando o jovem foi atingido. Outras seis pessoas foram mortas, todas suspeitas de envolvimento com o tráfico de drogas, segundo a polícia.
A camisa branca onde se vê uma mancha de sangue já desbotada sobre a tradicional faixa azul do uniforme escolar da rede municipal do Rio virou o símbolo da luta que Bruna trava agora por justiça.
“Enquanto o Brasil comemora a Copa do Mundo, a minha bandeira é essa”, diz ela, com o uniforme do menino na mão. Marcos queria descolorir o cabelo como o do jogador Neymar para assistir aos jogos da Copa com os amigos. A mãe prometera atender ao pedido, mas não teve tempo. O garoto foi atingido dois dias antes de o Brasil vencer a Costa Rica por 2 a 0, no dia 22.
“É daqui que eu vou tirar a força”, diz, mostrando a camisa. A mancha para ela é “a marca da vergonha do Brasil”. “Esse aqui é meu símbolo de resistência contra esse Estado que mata os nossos filhos”.
Marcos Vinícius havia perdido a hora da escola e corria para entrar na aula antes das 9h. Ele é descrito pela mãe como um menino alegre, carinhoso e querido na comunidade. Também era tido como sério e, apesar da idade, diz ela, era “muito sujeito homem”.
“Ele ria só entre os coleguinhas, não dava mole na comunidade e andava certo”, diz ela, que mora num conjunto de favelas com 130 mil habitantes cujo território é disputado por duas facções de tráfico de drogas e uma milícia.
Além da perda, a família teve que suportar uma torrente de notícias falsas disseminadas nas redes sociais que buscavam ligar o jovem ao crime organizado da região como forma de justificar sua morte.
Fotos montadas com o rosto do menino empunhando uma arma circularam pelas redes até a Justiça do Rio determinar a retirada do conteúdo falso do ar. Ao UOL, a Polícia Civil confirmou que Marcos não tinha antecedentes criminais.
Em um apartamento de um cômodo, de pouco mais de 20 m² e tijolos aparentes, a mãe mostrou onde a família de quatro pessoas dormia.
O menino gostava do sofá no canto do cômodo, onde batia mais vento. A irmã, Maria Vitória da Silva, 12, dormia na única cama do local. Entre os dois, em um colchonete no chão, dormiam o pai e a mãe. Foi ali que o Marcos foi se despedir antes de ir para a escola, no último beijo que a mãe receberia de seu filho.
“A presença dele tá forte aqui”, diz ela. “Eu ainda acho que vou vê-lo chegando, afastando o pano e dizendo: ‘mãe, cheguei. Já entrei pra dormir’”.
Informações da perícia preliminar do caso, divulgadas pela Polícia Civil, apontam que o menino foi atingido pelas costas num tiro que entrou pelo lado esquerdo da região lombar e saiu na altura do peito. A polícia ainda não descobriu de onde partiu o tiro.
Quando a mãe soube que o filho foi atingido, correu para a UPA da Maré e ficou com Marcos antes de ele morrer no hospital Getúlio Vargas, para onde foi levado mais tarde.
Ele disse estar com sede— algo comum em casos em que a vítima perde muito sangue— e relatou que o tiro teria sido disparado por um veículo blindado da polícia.
Segundo Bruna, o menino questionou a mãe se os agentes não tinham visto que ele estava de uniforme escolar.
Naquele dia, dois blindados e um helicóptero davam apoio à operação policial. Entidades criticaram o fato de policiais terem disparado de dentro da aeronave sobre uma área densamente povoada por civis sem relação com os constantes conflitos armados.
Segundo a ONG Rio de Paz, ao menos 50 crianças de até 14 anos foram mortas por balas perdidas no estado desde 2007. Só neste ano foram oito.
A mãe diz que, com a intervenção federal na segurança pública do Rio, em fevereiro, proibiu o filho de sair sozinho da favela da Maré com medo de que ele pudesse ser confundido com criminoso pelas forças de segurança.
“Porque lá fora [da favela], de menor, a gente tinha esse cuidado. Aí aconteceu aqui dentro, na comunidade que ele se sentia seguro”.
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