Doria ignora secret�rio, estudos e regras em an�ncio de farinata a alunos
O prefeito Jo�o Doria (PSDB) anunciou que, at� o fim deste m�s, a farinata ser� incorporada � merenda escolar da rede de S�o Paulo.
Al�m de se antecipar a estudos sobre uma real necessidade do produto para as crian�as, o an�ncio pegou de surpresa a pr�pria Secretaria de Educa��o, que n�o foi consultada sobre a decis�o. Contraria, ainda, normas municipal e federal que regem a alimenta��o escolar.
A farinata � uma farinha feita com alimentos perto da data de validade que seriam descartados por produtores ou revendedores. O produto serve de base para o granulado alimentar que virou pol�mica nos �ltimos dias, quando Doria divulgou que distribuiria o composto para fam�lias de baixa renda da cidade.
Em entrevista na manh� de quarta-feira (18), Doria disse que a Secretaria de Educa��o j� tem autoriza��o para utilizar o "alimento solid�rio" na merenda escolar, "de forma complementar".
"Com todas as suas caracter�sticas de prote�na, de vitamina, de sais minerais, para a complementa��o desta merenda. E j� com in�cio neste m�s de outubro", disse o prefeito. No an�ncio, o secret�rio municipal de Educa��o, Alexandre Schneider, nem sequer estava presente.
LEGISLA��O
A alimenta��o escolar � orientada por legisla��o espec�fica, de �mbito municipal e federal. A Secretaria de Educa��o tem ainda um departamento de merenda, a quem cabe definir o card�pio que seja condizente com a necessidade nutricional das crian�as.
� fun��o da Codae (Coordenadoria de Alimenta��o Escolar), ligada � secretaria, planejar e executar as atividades relativas ao abastecimento de g�neros aliment�cios, al�m de planejar os card�pios. O �rg�o, conforme a Folha apurou, n�o foi consultado antes do an�ncio feito pelo prefeito, que se posiciona como pr�-candidato � Presid�ncia em 2018.
A legisla��o federal do PNAE (Programa Nacional de Alimenta��o Escolar) estipula que qualquer introdu��o de novo alimento (com exce��o de frutas e hortali�as) deve passar por teste de aceitabilidade pelos alunos, coordenado por nutricionista. Por meio desse programa federal, a prefeitura paulistana recebe recursos para a merenda.
Especialistas questionam a pertin�ncia da inclus�o do ingrediente na merenda. Tanto pelo fato de o programa de alimenta��o escolar no munic�pio j� atender crit�rios nutricionais, n�o havendo necessidade de complementa��o, quanto pela falta de clareza das caracter�sticas alimentares da farinata. Com 1 milh�o de alunos, a rede municipal serve mais de 2 milh�es de refei��es por dia.
A ex-diretora do departamento de merenda do munic�pio Erika Fisher diz que o an�ncio de Doria contraria a pol�tica do departamento de alimenta��o escolar vigente.
"N�o falamos de qualquer p�blico, mas isso � para crian�as, e nisso h� uma delicadeza muito grande" diz ela, que insiste na dificuldade de incluir num card�pio em que h� preocupa��o nutricional um item sobre o qual n�o h� informa��es suficientes.
"Quais s�o os componentes? Precisa de testes, ter a estabilidade da produ��o e fornecimento. Afirmo categoricamente: as crian�as de S�o Paulo n�o precisam disso em nenhuma situa��o."
Jorge Araujo/Folhapress | ||
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O prefeito Jo�o Doria e o cardeal Dom Odilo Scherer em evento sobre o granulado aliment�cio |
O m�dico nutr�logo Celso Cukier, do Instituto de Metabolismo e Nutri��o, avalia que o prefeito, ao classificar a farinata como complementar, parte do pressuposto de que a alimenta��o fornecida pelas escolas n�o � suficiente.
"Quando h� necessidade de macro ou micronutrientes, o complemento deve ser utilizado. Mas faltam dados t�cnicos, n�o sabemos do que a farinata ser� composta. Se for rica em carboidratos, pode piorar a obesidade nas crian�as; se tiver muita prote�na, pode prejudicar a condi��o renal; se for pobre em vitaminas e minerais, as crian�as podem ter alguma defici�ncia nutricional", diz Cukier.
A secret�ria municipal de Direitos Humanos, Eloisa Arruda, disse que as mat�rias-primas usadas em bolos e p�es podem ser substitu�das pela farinata nas escolas. Mas Cukier se mant�m reticente.
"A farinha a gente conhece, vem do trigo. Precisamos saber melhor do que � feita essa farinata. Quais alimentos v�o ser utilizados em sua composi��o? As crian�as podem ser alimentadas com coisas desnecess�rias", conclui.
Para Priscila Cruz, do Movimento Todos pela Educa��o, servir esse tipo de alimento, "que � at� dif�cil de denominar o que �", vai contra a dignidade das crian�as.
"Al�m da quest�o dignidade e nutri��o, tem uma quest�o de gest�o. Porque existem recursos para merenda, inclusive com complemento do governo federal. Qual justificativa para isso?", diz.
cardeal
Ao lado de Doria na entrevista desta quarta na C�ria Metropolitana, o cardeal dom Odilo Scherer, arcebispo de S�o Paulo, voltou elogiar a farinata como base de alimentos que seriam desperdi�ados e que poderiam ser usados para combater a fome.
"Fico ofendido quando falam que � ra��o. N�o politizem a fome do pobre. Desprez�-lo � n�o dar alimento", disse o cardeal, que em 2013 chegou a recomend�-la ao papa Francisco por meio de carta.
� noite, a assessoria do prefeito afirmou que a pasta est� autorizada a utilizar o produto. "No entanto, nenhum alimento da merenda escolar � distribu�do sem que sejam cumpridos os tr�mites necess�rios e obrigat�rios. A Codae ser� consultada para deliberar sobre o assunto." O produto s� seria distribu�do ap�s an�lise e aprova��o, disse a gest�o do tucano.
Em 2011, Doria chegou a dizer, enquanto era apresentador de um reality show, que pessoas pobres n�o t�m h�bitos alimentares. "H�bitos alimentares? Voc� acha que gente humilde, pobre, miser�vel, l� vai ter h�bito alimentar? Voc� acha que algu�m pobre, humilde, miser�vel infelizmente pode ter h�bito alimentar? Se ele se alimentar, ele tem que dizer gra�as a Deus", disse, na ocasi�o.
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Abaixo, entenda o que � esse granulado alimentar, a pol�mica em torno dele e os argumentos contra e a favor da iniciativa.
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1. O que � a farinata?
Uma esp�cie de farinha feita a partir de v�rios alimentos (frutas e legumes, por exemplo) que est�o perto da validade e seriam incinerados por produtores e supermercados. O objetivo � combater a desnutri��o.
2. O que � o granulado alimentar?
Um produto feito � base da farinata. Essa farinha tamb�m pode ser adicionada a bolos e p�es ou ser usada como ingrediente para "refor�ar" sopas, j� que teria boa quantidade de carboidratos e prote�nas.
3. Qual foi o projeto anunciado por Doria?
Trata-se de um programa para combater o desperd�cio de alimentos e erradicar a fome. O texto, do vereador Gilberto Natalini (PV), foi apresentado ainda na gest�o de Fernando Haddad (PT) e aprovado em setembro na C�mara Municipal.
4. A farinata faz parte do projeto municipal aprovado?
Apenas indiretamente. O projeto de lei menciona a "implanta��o de unidades de beneficiamento ou de processamento de alimentos em regi�es em que se verifique destina��o inadequada de volumes significativos de alimentos", mas n�o trata especificamente da farinata, de sua composi��o ou de seu uso.
5. Essa farinha pode ser usada na merenda s� com aval de Doria?
N�o. A Codae (Coordenadoria de Alimenta��o Escolar), da Secretaria Municipal de Educa��o, � respons�vel pelo planejamento, execu��o e o controle das atividades relativas ao abastecimento de g�neros aliment�cios, assim como pela defini��o dos card�pios oferecidos na merenda. Resolu��o federal no �mbito do PNAE (Programa Nacional de Alimenta��o Escolar) ainda estipula que a introdu��o de novos alimentos na merenda, com exce��o de frutas e hortali�as, seja precedida por teste de aceitabilidade por parte dos alunos. O teste � realizado pela Codae, que analisa a pertin�ncia dos alimentos com rela��o ao balanceamento nutricional.
6. E o granulado faz parte do projeto municipal?
Apenas de maneira indireta, como a farinata. O produto foi mostrado pelo prefeito em 8 de outubro apenas como exemplo durante evento para san��o da lei. Doria o apresentou dentro de uma embalagem com uma imagem de Nossa Senhora e o chamou de "aben�oado".
7. Por que Doria apresentou o granulado se ele n�o faz parte do projeto?
A Plataforma Sinergia, organiza��o sem fins lucrativos que fabrica o granulado, estava no evento e entregou uma amostra a Doria. Sem saber detalhes do produto, o prefeito fez um v�deo o promovendo.
8. Como seria a distribui��o desses produtos pela prefeitura?
O modelo de distribui��o para as escolas e seu cronograma n�o foram definidos. Doria afirmou apenas que a rede municipal receberia a farinata em outubro, de forma complementar. A secret�ria de Direitos Humanos, Elo�sa Arruda, disse que a farinha deve ser usada como mat�ria-prima para bolos, macarr�o, entre outros.
Segundo a gest�o, o granulado seria distribu�do sem custos, a partir de outubro, por entidades cadastradas -como igrejas, templos e sociedade civil- e pela pr�pria prefeitura. A secret�ria tamb�m diz que regi�es em que os alimentos in natura n�o chegam facilmente (que ela chamou de "desertos alimentares") em S�o Paulo tamb�m seriam contemplados -mas esses locais ainda n�o foram especificados.
9. Quem forneceria a mat�ria-prima usada na farinata e no granulado?
Os alimentos seriam doados por produtores, supermercados e at� pessoas f�sicas, que seriam tratados pela Sinergia de forma ainda n�o especificada: por meio de usinas transportadas em carretas, ou por meio de licenciamento da produ��o para outras empresas
10. Qual � a rela��o desses produtos com a Igreja Cat�lica?
A Arquidiocese de S�o Paulo apoia o uso da farinata no combate � fome desde 2013, quando dom Odilo Scherer a recomendou ao Papa Francisco por meio de carta. Nesta quarta-feira (18), o arcebispo disse que fica "ofendido" ao ouvir compara��es da farinata a ra��o. "N�o politizem a fome do pobre. Desprezar o pobre � n�o dar alimento a ele", disse.
11. Por que alguns nutricionistas e chefes de cozinha s�o contra a ideia?
Eles argumentam que a alimenta��o � um ritual que inclui saborear o alimento, preferencialmente in natura. Outra preocupa��o � o fato de a farinha ser feita � base de produtos pr�ximos do vencimento. Nutricionistas que criaram o produto afirmam que ele pode ser um complemento de combate � fome em situa��o emergencial.
12. Produtos semelhantes � farinata j� foram usados antes no pa�s para o combate � fome?
Sim. Zilda Arns, m�dica sanitarista e fundadora da Pastoral da Crian�a, defendia um produto chamado multimistura, composto por farelo de arroz, trigo e p� de sementes. Apesar de ter sido divulgada como modelo nos anos 70 e 80, hoje a pr�tica � desaconselhada pelos conselhos de nutri��o por causa dos riscos relacionados a higiene e toxicidade.
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