FRANCISCA FERREIRA DE VASCONCELOS, 74
FRANCISCA FERREIRA DE VASCONCELOS, 74: Dandara pedia por mim, diz m�e de travesti assassinada no Cear�
RESUMO Em 15 de fevereiro, a filha da aposentada Francisca Ferreira de Vasconcelos, 74, foi agredida e assassinada a tiros, em Fortaleza (CE). Nascida Ant�nio Cleilson Ferreira de Vasconcelos, 42, adotou o nome Dandara Kethlen. Cinco homens foram presos e outros quatro adolescentes apreendidos, suspeitos de participarem da morte da travesti. Eles gravaram um v�deo com as agress�es, que viralizou na internet. Doze pessoas ao todo foram identificadas como envolvidas na a��o –tr�s ainda est�o foragidas.
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Est� dif�cil viver nessa casa, pretendo vend�-la. Morava aqui [im�vel de seis c�modos no bairro Conjunto Cear�, na zona oeste de Fortaleza] com Cleilson, a Dandara, com mais uma filha e uma neta. Tudo me lembra ele.
Ainda est�o aqui as roupas que meu filho vendia. Roupas usadas, que ganhava de amigos. Ele era muito querido.
Neste mais de um m�s desde que ele morreu, j� chorei muito, j� fiquei com raiva, dei muitas entrevistas, j� falei com o governador [Camilo Santana, do PT, que recebeu Francisca no Pal�cio da Aboli��o, no dia 10 de mar�o], mas o que mais me deixa agoniada � que Cleilson me pediu para ter um animal de estima��o, um gato, e n�o deixei. Isso me agonia agora.
As lembran�as dessa casa s�o tamb�m de meu outro filho que morreu, o Alisson. Ele tamb�m era travesti, se chamava de Sheila. Ele morreu numa queda. Ele tinha convuls�es, e em uma delas acabou caindo, batendo a cabe�a e morrendo. Em maio agora faz dois anos.
NASCEU MULHER
O Cleilson, a Dandara, era extrovertido. Falava "que j� havia nascido mulher". Estudou s� at� a oitava s�rie. Tinha uma veia de humorista. Pessoas vinham at� em casa para ouvi-lo contar piadas. Eu sempre achei que ele seria humorista.
Uma vez perguntei por que havia escolhido Dandara, e ele disse que era um nome internacional. Era Dandara Kethlen. N�o entendo at� agora porque a imprensa escreve Dandara dos Santos, esse dos Santos nunca existiu.
Uma das minhas netas disse que � porque agora o Cleilson vai virar um santo. N�s, familiares, s� o cham�vamos de Cleilson. Os amigos o chamavam de Dandara.
O Alisson era mais fechado. Ele era sete anos mais novo que Cleilson, mas quando completou 25 decidiu ir para S�o Paulo. Disse que um amigo arrumaria emprego. L� colocou silicone, fui contra. Ele gastou R$ 6.500, e tentou ir para a Espanha, dizia que trabalharia por l�.
Olha s� o que falaram para o meu filho Alisson: que ele chegasse l� no aeroporto, em Barcelona, e falasse que passaria f�rias na Espanha, em um hotel cinco estrelas. Mas ele tinha R$ 900 no bolso. Na entrevista no aeroporto viram o pouco dinheiro, n�o acreditaram na hist�ria, e o deportaram.
AIDS E PRECONCEITO
O Cleilson tamb�m morou em S�o Paulo e no Rio. Mas os dois acabaram voltando para casa, principalmente quando ficavam doentes. Eles tinham HIV. Eu gostava de t�-los aqui perto, nunca achei que algum mal aconteceria, apesar de todo o preconceito por eles terem assumido a homossexualidade.
Nunca percebi que os dois poderiam ser homossexuais, quando crian�as. Nenhum dos dois me contou diretamente, eu descobri.
No caso do Cleilson, uma menina um dia veio aqui e pediu para falar com ele. Ficaram ali dentro mais de uma hora. De repente ela saiu chorando. Me falou que se declarou, mas ele disse que n�o gostava de meninas, gostava de homens. Tinha 17 anos.
"N�o sinto atra��o por mulheres, m�e", ele me dizia assim desde ent�o.
Nunca rejeitei meus filhos, sempre tive muito carinho por eles. O que vamos fazer, mat�-los pela op��o que escolheram seguir?
Meu ex-marido foi embora faz 20 anos. Ele sempre teve uma rela��o distante com os filhos, mas anos depois uma colega me disse que ouviu da boca dele que iria embora porque dois dos filhos estavam virando 'baitolas'.
MORTES
Eu tive dez filhos. Tr�s j� morreram. Al�m de Cleilson e do Alisson, perdi uma garotinha quando ainda era pequena. Tenho 23 netos e tr�s bisnetos. A fam�lia � grande, mas agora tenho um vazio.
Meu filho estava debaixo de umas �rvores, que ficam aqui no fim da rua, depois do almo�o. Pegaram ele l� e levaram para o Bom Jardim [bairro distante 4 km do Conjunto Cear�]. � um bairro bonito, mas falam que est� muito perigoso. Muito.
Estava em casa, quando um homem chegou e pediu para ver uma foto do Cleilson. Mostrei, ele disse que n�o era o homem morto no Bom Jardim, mas vi que ele mentia. Depois ele cochichou com os vizinhos e eu soube.
Me d�i que eu n�o estava l�. Falam que ele pedia por mim, que ele pedia �gua. Os moradores do local onde ele morreu se esconderam nas casas, mas ligaram para a pol�cia, que chegou s� tempos depois, e porque os moradores diziam que os bandidos ateariam fogo no corpo.
Eles atiraram pedra no meu filho, chutaram, bateram. O caix�o precisou ficar fechado no vel�rio e no enterro, ele estava desfigurado.
MENTIRAS
N�o vi todo o v�deo, s� uma cena, quando participei de um programa [de TV em S�o Paulo]. Ouvi muitas mentiras, de que meu filho tinha d�vida por droga, de que havia brigado. Meu filho vendia roupas usadas para me ajudar, e dizia que o sonho era poder ter dinheiro para terminar essa casa. Morreu por �dio e preconceito.
Foi ainda mais dor para enterr�-lo. O �nico lugar inicialmente que ter�amos para enterr�-lo era num cemit�rio no Bom Jardim, justamente no bairro em que ele morreu.
Quando o Alisson se foi, o [jazigo] que temos em Ant�nio Bezerra [bairro da zona oeste de Fortaleza] j� estava cheio, ent�o tivemos que enterr�-lo em um emprestado l� no Bom Jardim.
O Alisson continua l�, vai ficar mais tr�s anos at� eu poder tir�-lo. Mas o Cleilson n�o queria colocar l�. Conseguimos dinheiro emprestado, R$ 1.500, para enterr�-lo em um cemit�rio novo. Seria horr�vel ter que voltar ao Bom Jardim toda vez que quisesse visitar meu filho.
Espero Justi�a, que todos que fizeram mal ao meu filho paguem por isso. E que seja algo que fa�a as autoridades olharem mais para o preconceito e o �dio. O pior � o �dio que sentiam pelo meu filho. O que ele fez para merecer morrer desse jeito?
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