Para fugir da crise, haitianos trocam o Brasil pelo Chile
Era promessa de futuro. Rapidamente est� virando passado. Empurrados pela crise econ�mica, imigrantes haitianos que vieram ao pa�s tentar reconstruir suas vidas ap�s o terremoto de 2010 est�o deixando o Brasil.
Saem pelas mesmas portas pelas quais entraram em cidades como S�o Paulo e Curitiba: as rodovi�rias, onde chegaram aos milhares ap�s ingressarem no pa�s pelo Acre. Desde o in�cio da d�cada, cerca de 45 mil vieram ao Brasil.
Agora, perseguem uma nova promessa de futuro —do outro lado da cordilheira dos Andes, no Chile, onde o sal�rio m�nimo supera o brasileiro em cerca de US$ 100.
Movimento similar fazem os bolivianos, retornando ao seu pa�s.
"N�o d� mais para pagar aluguel, �gua e luz e mandar dinheiro para minha fam�lia no Haiti. Aqui j� n�o � mais como era quando cheguei", diz o haitiano Jean Antonie Camille, 42, que nesta semana saiu de Camb� (PR) para tentar a sorte no Chile.
O fluxo pode ser medido nos guich�s das duas empresas que ligam S�o Paulo a Santiago semanalmente. Segundo funcion�rios, o movimento cresce desde o fim de 2015.
H� semanas em que, em cada �nibus, s�o 20. Em outras, 15 —o que est� longe de significar que o mesmo n�mero v� pisar em solo chileno, pois partir � mais f�cil que chegar.
Sa�da de haitianos e bolivianos*
N�o h� dados oficiais, mas quase toda semana um imigrante � retido na fronteira entre Chile e Argentina. "J� tivemos que deixar 12 porque n�o tinham documenta��o", diz um motorista. "N�o sei o que acontece na outra linha, mas, na semana passada, barraram dez", afirma o funcion�rio da concorrente.
Ser retido significa ficar na aduana, no meio dos Andes, a 3.200 metros de altitude, entregue � pr�pria sorte ou � espera de outro �nibus ou carona de volta � Argentina.
MOVIMENTO
De janeiro ao final de abril deste ano, a Pol�cia Federal registrou 3.234 sa�das de haitianos do territ�rio nacional. Mais que o dobro dos 1.372 do mesmo per�odo de 2015.
"H� alguns meses estamos observando uma rota de haitianos rumo ao Chile e, em medida menor, rumo aos Estados Unidos", diz o padre Paolo Parise, da Miss�o Paz, que os recebe em S�o Paulo.
ESTRANGEIROS DEIXAM O BRASIL RUMO A PA�SES VIZINHOS
Para entrar no Chile, eles precisam sair do Brasil com as passagens de ida e volta (cada uma custa de R$ 446 a R$ 460), o Registro Nacional de Estrangeiro e uma carta convite de um residente chileno —geralmente outro haitiano.
Esse � o problema. "Eles come�aram a tirar c�pia das cartas para v�rios e, quando a aduana percebeu, passaram a ser barrados", diz o motorista S�rgio Fontoura, 38, que assiste ao p�riplo dos haitianos todas as semanas.
RECOME�O
Do Brasil, Wilberre Chapron, 45, tem algumas boas recorda��es. Foram 15 meses em Mato Grosso do Sul, onde o clima era "parecido com o do Haiti". Do emprego num frigor�fico, no entanto, as lembran�as n�o s�o as melhores.
Fazia pouco mais de 12�C �s 7h50 de sexta-feira (6) no centro de Santiago, no Chile, e o frio for�osamente o lembrava do antigo trabalho. "Minhas m�os doem muito, porque trabalhava com frango muito gelado", disse, mostrando as m�os envoltas por um tensor. "Hoje d�i ainda mais."
H� um m�s e meio vivendo no Chile, Chapron esperava obter um visto de trabalho no segundo andar do edif�cio do departamento de Extranjer�a y Migracion. Est� desempregado, mas tem uma oportunidade em vista.
Avener Prado/Folhapress | ||
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O haitiano Wilberre Chapron, 45, na fila para conseguir um visto de trabalho no Chile |
No Chile, a taxa de desemprego est� em 5,9%, segundo o Instituto Nacional de Estat�sticas. No Brasil, esse �ndice alcan�ou o patamar de 10,2% no �ltimo trimestre.
Em Santiago, os haitianos ocupam vagas que os chilenos j� n�o querem. � f�cil encontr�-los abastecendo carros em postos de combust�vel ou varrendo as ruas de bairros pobres como Los Nogales, na regi�o central, um dos lugares onde se estabeleceram.
Aos poucos, o bairro vai virando uma esp�cie de "Glic�rio chileno", como a regi�o do centro de S�o Paulo em que se concentram. A diferen�a fundamental � que no Chile, eles ainda s�o em menor n�mero do que no Brasil.
Segundo estimativa do governo chileno, hoje h� cerca de 9.000 haitianos no pa�s. No Brasil, passam de 45 mil.
Estrangeiros no Brasil - Por pa�s de origem
REGULARIZA��O
A semelhan�a � que nos dois pa�ses eles se destacam pelo quanto trabalham. "A imigra��o haitiana est� longe de ser um problema para o Chile", diz o diretor nacional do departamento de Extranjer�a y Migracion do Chile, Rodrigo Sandoval Ducoing.
O visto de trabalho que Chapron esperava s� � poss�vel para imigrantes como ele gra�as a uma recente decis�o administrativa de desemperrar a demanda reprimida.
Pela lei, um estrangeiro que queira trabalhar no pa�s precisa ser convidado por um empregador que lhe pague as passagens de ida e volta, afirma Sandoval. Se o funcion�rio for demitido, tem 30 dias para encontrar novo emprego antes de se tornar ilegal.
Com o ato administrativo, o governo regulariza a situa��o dos imigrantes, possibilitando que aqueles que chegam como turistas possam requerer um visto de trabalho para serem contratados.
Avener Prado/Folhapress | ||
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Haitiana em �nibus que saiu da rodovi�ria do Tiet�, em S�o Paulo, rumo ao Chile |
A medida est� em vigor h� um ano e, desde ent�o, o crescimento das regulariza��es � maior do que a entrada de novos estrangeiros. Entre 2014 e 2015, os vistos tempor�rios a haitianos cresceram 144%.
A provid�ncia contrasta com a rigidez dos casos de haitianos impedidos de entrar no pa�s pela aduana nos Andes.
Nem tudo, no entanto, vai bem para eles. Em Los Nogales, um peruano varria a rua ao lado de um haitiano na tarde de sexta. Segundo o homem, que n�o quis se identificar, nenhum deles estava devidamente contratado.
"Os haitianos s�o os mais explorados e se for mulher � pior ainda", disse.
RECESS�O
Nem s� o Chile est� recebendo imigrantes sa�dos do Brasil, nem s� os haitianos est�o deixando o pa�s. A crise econ�mica tamb�m leva bolivianos de volta a sua terra.
Os an�ncios de emprego em oficinas de costura continuam afixados nas lojas e lanchonetes t�picas do Br�s, no centro de SP, ponto de encontro dessa popula��o.
O problema � outro, diz Luis Vasquez, presidente da associa��o de empreendedores bolivianos da regi�o. Assim como os haitianos, os bolivianos j� n�o conseguem viver por aqui e juntar dinheiro para enviar a suas fam�lias.
Avener Prado/Folhapress | ||
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Mulher aguarda hor�rio de embarque em �nibus para Bol�via na rodovi�ria da Barra Funda, em SP |
"Dezembro, janeiro e fevereiro foram os piores meses da hist�ria [da associa��o]", afirma Vasquez. "As vendas ca�ram 50% e 30% das oficinas fecharam as portas."
Mesmo assim, de acordo com a Pol�cia Federal, o movimento de bolivianos atravessando as fronteiras brasileiras em dire��o a outros lugares —principalmente a Bol�via— aumentou.
Os n�meros mostram tend�ncia de movimenta��o dessa popula��o, mas n�o podem ser considerados sa�das definitivas, pois a mesma pessoa pode sair e retornar ao Brasil.
Para alguns, a crise apenas acelerou uma vontade maturada h� muito tempo. "N�o � s� isso. Tem a quest�o da seguran�a tamb�m. Na Bol�via ando tranquilo, aqui � um assalto por semana", diz um comerciante do Br�s, que pede para n�o se identificar e que planeja sua volta � Bol�via.
H� duas semanas foi a vez de �lvaro Torres retornar. Ap�s quase tr�s anos no Brasil, desistiu. "J� n�o ganho o suficiente. Vou ser motorista l�", diz o agora ex-costureiro.
OUTRAS ROTAS
H� tamb�m, entre haitianos, imigrantes indo para mais longe. O caminho que muitos fizeram para chegar ao pa�s, pelo Acre, � agora percorrido em sentido contr�rio.
Nana Valcin, 32, conta que sua prima deixou o Brasil por essa via, atravessando para o Peru. De l�, foram tr�s meses at� chegar ao M�xico e contratar um coiote para lev�-la aos Estados Unidos.
Em toda a jornada, foram mais de R$ 4.000 gastos. Nana faz as contas.
"Antes, com R$ 200 enviava U$100 a minha fam�lia. Hoje j� n�o � assim, preciso de R$ 400", diz ela que tem dois filhos no Haiti e planeja regressar "quando puder".
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