O que “O Banquete”, de Platão, tem a nos ensinar sobre o amor? E o romance heteronormativo “Romeu e Julieta”, de Shakespeare, será que ainda emociona os jovens que experimentam ou debatem, cada vez mais, relações abertas, fluídas e pautadas pelo poliamor?
Renato Nogueira, doutor em filosofia e pesquisador do Laboratório de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas, se debruçou arduamente sobre contos, fábulas, mitos africanos, textos célebres de filósofos e pensamentos de diferentes sociedades, com as seguintes questões: “Afinal, o que é o amor? Seria uma forte amizade? Uma paixão incontrolável? Será que o amor verdadeiro existe? É possível encontrá-lo?”.
Como literatura, a obra cai em alguns lugares-comuns que podem distanciar os leitores mais exigentes, mas, como ensaio, o livro é um ótimo e rico material de pesquisa, amplamente interpretado por Noguera.
Durante a leitura, podemos relembrar histórias mais óbvias, como a de Adão e Eva e a de “As Mil e Uma Noites”, na qual a nobre jovem Sherazade salva sua vida porque nunca termina de contar um envolvente enredo ao traumatizado rei Shariar —nos ensinando que “a vida é um fenômeno narrativo” e, ainda, sobre a importância de manter algum mistério, deixando o outro sempre curioso (e, não obstante, que as relações eram e são muito pautadas pelo machismo: “a mulher não pode se dar toda logo de cara”). E conhecer pontos de vista bastante surpreendentes, como o da filósofa burquinense Sobonfu Somé.
Somé é proveniente do povo dagara, do oeste da África, e tem uma visão bem contrária à nossa ocidental. Ela defende que o amor é uma emoção mais coletiva do que individual e que, por isso, não podemos considerar nosso ego na brincadeira. Para ela, amar é um percurso de intimidade. Se a paixão fosse o suporte da relação, “começaríamos a trajetória pelo topo e só nos restaria descer”.
Ao lermos “A Metafísica do Amor”, de Schopenhauer, ou estudarmos a psicologia evolucionista, podemos entender que a relação entre Marilyn Monroe, maior símbolo sexual de todos os tempos, e o escritor Arthur Miller, agraciado com um Pulitzer, seria apenas “ímpeto de reprodução e manutenção da espécie humana”.
Já a Antiguidade tinha outra forma de interpretar impulsos amorosos, dando destaque à importância da estética. A medida ideal do rosto foi chamada de “proporção divina” e, “quanto mais próxima a aparência de alguém estivesse desse valor matemático, mais atraente a pessoa seria”.
A história de Cupido e Psiquê, um clássico da mitologia romana (Cupido equivalente a Eros na grega), nos traz, segundo Noguera, uma resposta bem simples: “a verdadeira face do amor é justamente o equilíbrio entre prazer e cuidado”. Para o budismo, “o amor é um exercício de cuidado que não pode ser confundido com apego, muito menos com desapego”.
Freud não poderia faltar nesse compilado. Muito menos a sua definição para os três tipos de ciúme: competitivo, projetivo e delirante. Sendo este último um forte indício de que o ciumento tem desejos homoafetivos.
Na psicanálise, ainda, encontramos argumentos para defender que amor e ódio andam juntos, são sentimentos irmãos.
Ao final, o que fica claro, como o próprio Nogueira conclui, é que amamos porque estamos vivos e assim desejamos continuar.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.