A influência global da União Europeia (UE) é em parte explicada pelo chamado efeito Bruxelas. Na expressão cunhada por Anu Bradford, o bloco define regras que pautam discussões mundo afora, influenciam padrões internacionais e, em última instância, fazem com que outros países se adaptem aos europeus ou se inspirem neles. A regulação da UE sobre proteção de dados pessoais serviu de referência, por exemplo, para novas legislações no Brasil e na China.
Em matéria de mudança climática, é inegável a capacidade de a UE moldar o debate internacional. Pois é justamente contando com o tal “efeito Bruxelas” que os europeus deram um passo ambicioso nesta semana.
A Comissão Europeia divulgou detalhes do que efetivamente deve ser o primeiro imposto de importação sobre carbono —ou mecanismo de ajuste de carbono na fronteira, no jargão. No universo de iniciativas já adotadas para combater mudanças climáticas, trata-se, de longe, da medida com maior impacto comercial sobre terceiros países. E vem da UE, que, como bloco, é uma das três maiores potências comerciais do mundo.
Eis a motivação apresentada pelos europeus: empresas têm optado por produzir em países com exigências ambientais mais frouxas e então exportam para o bloco. Além de provocar uma competição injusta, a prática —apelidada de vazamento de carbono— mina os esforços para redução de CO₂ no plano global.
Eis o que irrita o resto do mundo: cá estão os europeus novamente dizendo como os demais devem se portar. Se não seguirem a cartilha europeia, pagarão mais caro para acessar o mercado do bloco.
Isso porque, habilmente, a Comissão previu na sua proposta a possibilidade de reconhecer esforços climáticos de outros países, podendo, nessa base, criar exceções ao tal imposto de importação. Com isso, convida —ou convoca— parceiros comerciais a virem à mesa negociar. Mas não em condições de igualdade. A UE é parte interessada e juíza nesse processo, avaliando ela mesma as medidas climáticas dos demais. Difícil para o resto do mundo engolir. O efeito Bruxelas embute, assim, o defeito Bruxelas. Muitos se sentem acuados pelo modus operandi europeu.
Além do mais, os parceiros comerciais da UE se queixam de não ter havido diálogo suficiente. Suspeitam que, sob o argumento climático legítimo, interesses protecionistas europeus possam encontrar abrigo.
Bruxelas, compreensivelmente, alega não poder esperar um alinhamento dos astros para combater mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, espera que os demais países se adaptem às novidades e, idealmente, inspirem-se nas políticas ambientais europeias.
Apesar do desconforto que provoca entre seus parceiros comerciais, a medida da UE tem o potencial de servir a uma grande causa. Isso porque a taxa de carbono é um enorme bode na sala de discussão sobre clima, competitividade e comércio internacional. E como agora é impossível ignorar o animal, talvez os europeus tenham criado os incentivos para que, finalmente, haja uma discussão séria sobre o tema, seja na Organização Mundial do Comércio, no G20 ou onde for.
E antes que isso pareça um delírio, vale lembrar que, até pouquíssimo tempo, a ideia de um imposto global sobre multinacionais soava como tal. Um dos grandes gatilhos para a discussão foi a proposta de uma taxa digital, anunciada pelos europeus. A taxa, claro, teria impacto especialmente grande sobre multinacionais de tecnologia. Para tirar da sala o bode —ou a taxa digital—, os países decidiram, para valer, discutir regras para que multinacionais paguem mais impostos.
Não seria um resultado ruim se a taxa de carbono da UE viesse a ser o próximo bode na fila —afinal já passa da hora de uma discussão séria sobre como o comércio internacional pode contribuir para combater mudanças climáticas.
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