Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Sylvia Colombo
Descrição de chapéu Uruguai América Latina

Esquerda no Uruguai vai na contramão do resto do mundo e se fortalece pré-eleições

Yamandú Orsi, do bloco Frente Ampla, ganhou de braçada a primária e desponta como líder na maioria das sondagens

Já virou lugar-comum ressaltar o Uruguai como um país especial na América Latina, onde prevalecem uma democracia organizada, o respeito às instituições, uma sociedade com excelente formação educativa, na vanguarda com relação à aceitação de vários direitos pessoais, ao mesmo tempo em que possui um Estado com ampla preocupação com a justiça social.

Os principais partidos do país são instituições antigas e bem estabelecidas. O atual governante, o Partido Nacional, ou Blanco, hoje mais liberal, nasceu em 1836, mesmo ano em que foi criado o Partido Colorado, hoje mais conservador. Enquanto isso, a Frente Ampla, que reúne vários partidos e agrupações de centro e de esquerda, estabeleceu-se em 1971.

É claro que nenhuma situação pode ser assim tão idílica e estável, e o quadro real dos problemas uruguaios é mais complexo. A poucos meses da eleição presidencial, em outubro, as principais preocupações dos uruguaios talvez surpreendam quem imagina o país como um lugar paradisíaco para passar a aposentadoria: segurança, altos impostos e desemprego.

Um homem sorridente está depositando um envelope em uma urna de votação de madeira. Ele veste uma jaqueta preta e uma camisa azul. Ao fundo, várias pessoas observam a cena, algumas tirando fotos e outras conversando. Uma pessoa está usando um gorro vermelho e outra está com um casaco bege
Yamandú Orsi, pré-candidato à Presidência do Uruguai pelo bloco esquerdista Frente Ampla, vota em seção eleitoral durante as primárias em Montevidéu - Mauricio Zina - 30.jun.24/Adhoc/AFP

Obviamente, não se pode comparar as cifras de homicídios do país (11,2 para cada 100 mil habitantes) com as de uma nação centro-americana convulsionada como Honduras (31,1 para cada 100 mil). Mas, diante de Chile (4,5) e Argentina (4), trata-se de um dado alarmante.

No último dia 30, ocorreram as primárias uruguaias, e a interpretação de seus resultados passa por compreender tanto as características que fazem do Uruguai um país positivamente diferente, como também suas mazelas e angústias específicas.

O partido governante, liderado pelo presidente de direita moderada, Luis Lacalle Pou, curiosamente recebeu um castigo nestas eleições, mesmo não tendo enfrentado grandes crises e tendo mantido índices de popularidade altos durante todo o mandato.

O comparecimento às urnas dos blancos foi muito menor que o esperado, e o vencedor, o ex-secretário da Presidência Álvaro Delgado, que será o candidato da sigla em outubro, não entusiasma para além de seu espaço político. Com isso, o ambiente não é o mesmo de 2019, em que o Nacional pôde formar uma ampla aliança com outros partidos para vencer.

Já na Frente Ampla, o entusiasmo transborda com um líder de uma nova geração. Trata-se de Yamandú Orsi, de 57 anos. Simpaticão, torcedor do Peñarol, ele faz campanha com a garrafa de mate debaixo do braço, hábito típico dos uruguaios comuns. Orsi ganhou de braçada a primária e desponta como líder na maioria das sondagens.

Antes da vitória de Lacalle Pou, a Frente Ampla governou por três mandatos seguidos, dois do socialista Tabaré Vázquez e um do ex-guerrilheiro José Mujica.

Sendo um "partido de partidos", a legenda abarca várias correntes de pensamento. Orsi, no caso, volta a colocar o time de Mujica em campo, o MPP (Movimento de Participação Popular), formado nos anos 1980, quando ex-combatentes da organização Tupamaros decidiram trocar a luta armada pelo caminho democrático.

Nestas primárias, e também reforçando que o Uruguai é um país na contramão dos vizinhos e mesmo do planeta, o partido de ultradireita, Cabildo Abierto, encolheu.

Tudo indica que teremos uma eleição competitiva e que é cedo para previsões. A tendência, hoje, é de um possível retorno de uma esquerda consolidada e organizada, de tendência mais combativa e popular, com o impulso de uma velha geração de idealistas em armas.

Voltar ao clichê é inevitável, mas, sim, trata-se de um país singular.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.