Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel
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É hora de considerar a gravidade da Lua

A variação individual é grande, mas a sensibilidade de homens e mulheres é inquestionável

Adoro ver a opinião científica evoluir, sequencialmente enterrando e ressuscitando ideias. Os fatos não mudam; o que muda é a maneira de olhar para os fatos e analisá-los, o que afeta radicalmente sua interpretação.

Veja o caso da Lua. Povos antigos, não urbanos, atribuíam vários tipos de influências da Lua e suas fases sobre comportamentos humanos. Vieram os cientistas, tabularam os dados, jogaram tudo em um saco só, como se todos os humanos fossem comparáveis e imutáveis em suas características e sensibilidades, e como se o ciclo lunar fosse apenas um.

A imagem mostra as diferentes fases da Lua dispostas em um círculo contra um fundo preto. As fases variam desde a Lua nova, passando pela crescente, cheia e minguante, até a Lua nova novamente. Algumas fases são mostradas em tons de cinza, enquanto outras apresentam uma coloração avermelhada, indicando um eclipse lunar.
Uma montagem mostra todas as fases de um eclipse total lunar, registrado na Cidade do Panamá, em 2019 - Luis Acosta/AFP

Deste saco, tiraram um único gráfico, com a conclusão absolutamente correta e baseada em dados: o efeito médio da fase da Lua sobre o ser humano médio é... insignificante e portanto desprezível. Para fins práticos: inexistente.

Mas o ser humano médio não existe, e o efeito médio é irrelevante. Humanos são pessoas diferentes, suas sensibilidades são não só idiossincráticas como também mutáveis, e acontece que a Lua não tem apenas um ciclo, mas três (é, também aprendi isso agora, fazendo minha pesquisa para esta coluna). Junte tantas variáveis, e destrinchar a complexidade da situação requer um cientista de mente aberta e métodos matemáticos adequados em mão que decida que a história está mal contada.

No caso da Lua, o cientista foi o psiquiatra Thomas Wehr, dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos EUA, ao se deparar com um paciente bipolar cujos episódios de depressão e mania se alternavam obviamente com as fases da Lua.

Em vez de compilar dados de pessoas diferentes e calcular médias como seus colegas, Wehr passou a analisar seus pacientes individualmente. E um por um, cada qual à sua maneira, os padrões começaram a surgir.

Em suas observações, publicadas em uma série de artigos desde 2018, Wehr demonstra que a maioria dos pacientes bipolares passa de um extremo de humor ao outro OU conforme o ciclo de luminosidade da Lua, que se completa com outra lua cheia em 29.5 dias (e não 28); OU conforme o ciclo de declinação da Lua, de 27.3 dias; OU conforme o ciclo de apogeu-perigeu, este sim de 28 dias (bom, 27.6, mas é o que chega mais perto da aproximação popular).

Que a Lua tem efeito sobre o cérebro humano a ponto de afetar seu humor, isto agora é claro. A parte sobre como é agora objeto de estudo, mas o candidato óbvio mora não em nossos olhos, mas em nossas orelhas: os órgãos vestibulares, sensíveis ao campo gravitacional da Lua.

Mas vamos ao que importa imediatamente, que é a parte prática. Wehr propõe que a sensibilidade do cérebro aos ciclos lunares é normalmente abafada pelo ciclo solar, mas se manifesta em algumas pessoas e circunstâncias. Faz sentido: em ordens de grandeza, a variação da luminosidade solar deixa no chinelo a variação gravitacional da Lua sobre coisas minúsculas como moléculas no cérebro humano.

Isso também explicaria o efeito mais impressionante demonstrado por Wehr: a imposição de um ciclo noite-dia rígido de luminosidade oblitera a sensibilidade aos ciclos gravitacionais da Lua e estabiliza o humor dos seus pacientes bipolares, tanto mulheres quanto homens.

Soa complicado, mas não é nada mais que voltar a ter seus horários ditados pelo sol, o que pelo jeito basta para manter em xeque nossas sensibilidades à Lua.

Que internet, que nada. Taí algo da vida moderna urbana que de fato esculhamba o cérebro: a luz elétrica que nos deixa fingir que ainda é dia, e dá voz à Lua.

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