Adoro ver a opinião científica evoluir, sequencialmente enterrando e ressuscitando ideias. Os fatos não mudam; o que muda é a maneira de olhar para os fatos e analisá-los, o que afeta radicalmente sua interpretação.
Veja o caso da Lua. Povos antigos, não urbanos, atribuíam vários tipos de influências da Lua e suas fases sobre comportamentos humanos. Vieram os cientistas, tabularam os dados, jogaram tudo em um saco só, como se todos os humanos fossem comparáveis e imutáveis em suas características e sensibilidades, e como se o ciclo lunar fosse apenas um.
Deste saco, tiraram um único gráfico, com a conclusão absolutamente correta e baseada em dados: o efeito médio da fase da Lua sobre o ser humano médio é... insignificante e portanto desprezível. Para fins práticos: inexistente.
Mas o ser humano médio não existe, e o efeito médio é irrelevante. Humanos são pessoas diferentes, suas sensibilidades são não só idiossincráticas como também mutáveis, e acontece que a Lua não tem apenas um ciclo, mas três (é, também aprendi isso agora, fazendo minha pesquisa para esta coluna). Junte tantas variáveis, e destrinchar a complexidade da situação requer um cientista de mente aberta e métodos matemáticos adequados em mão que decida que a história está mal contada.
No caso da Lua, o cientista foi o psiquiatra Thomas Wehr, dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos EUA, ao se deparar com um paciente bipolar cujos episódios de depressão e mania se alternavam obviamente com as fases da Lua.
Em vez de compilar dados de pessoas diferentes e calcular médias como seus colegas, Wehr passou a analisar seus pacientes individualmente. E um por um, cada qual à sua maneira, os padrões começaram a surgir.
Em suas observações, publicadas em uma série de artigos desde 2018, Wehr demonstra que a maioria dos pacientes bipolares passa de um extremo de humor ao outro OU conforme o ciclo de luminosidade da Lua, que se completa com outra lua cheia em 29.5 dias (e não 28); OU conforme o ciclo de declinação da Lua, de 27.3 dias; OU conforme o ciclo de apogeu-perigeu, este sim de 28 dias (bom, 27.6, mas é o que chega mais perto da aproximação popular).
Que a Lua tem efeito sobre o cérebro humano a ponto de afetar seu humor, isto agora é claro. A parte sobre como é agora objeto de estudo, mas o candidato óbvio mora não em nossos olhos, mas em nossas orelhas: os órgãos vestibulares, sensíveis ao campo gravitacional da Lua.
Mas vamos ao que importa imediatamente, que é a parte prática. Wehr propõe que a sensibilidade do cérebro aos ciclos lunares é normalmente abafada pelo ciclo solar, mas se manifesta em algumas pessoas e circunstâncias. Faz sentido: em ordens de grandeza, a variação da luminosidade solar deixa no chinelo a variação gravitacional da Lua sobre coisas minúsculas como moléculas no cérebro humano.
Isso também explicaria o efeito mais impressionante demonstrado por Wehr: a imposição de um ciclo noite-dia rígido de luminosidade oblitera a sensibilidade aos ciclos gravitacionais da Lua e estabiliza o humor dos seus pacientes bipolares, tanto mulheres quanto homens.
Soa complicado, mas não é nada mais que voltar a ter seus horários ditados pelo sol, o que pelo jeito basta para manter em xeque nossas sensibilidades à Lua.
Que internet, que nada. Taí algo da vida moderna urbana que de fato esculhamba o cérebro: a luz elétrica que nos deixa fingir que ainda é dia, e dá voz à Lua.
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