Na semana passada, Jerome Powell, presidente do Fed, disse que o caminho para reduzir a inflação nos EUA neste ano "provavelmente terá idas e vindas". Tal indicação tornou-se ainda mais provável após a divulgação de novos dados mostrando que a economia norte-americana não está desacelerando o quanto se esperava, enquanto pressões sobre preços estão mais persistentes —principalmente nos serviços, que são intensivos em mão de obra.
Se antes a discussão era se a economia passaria por um "soft landing" (pouso suave) ou um "hard landing" (recessão), agora chega-se a discutir o "no landing" (cenário em que a atividade segue forte).Se, por um lado, tanto o Fed quanto o mercado estão mais confiantes de que uma maior desaceleração da atividade será evitada a curto prazo, por outro a batalha contra a inflação alta parece longe de terminar. Um dos dados de inflação ao consumidor referentes a janeiro mostra um núcleo (inflação ex-alimentos e energia) próximo de 4,5% —bem acima do objetivo de 2%.
O ritmo de queda da inflação até agora não estaria dando ao Fed a segurança de que a meta será atingida. Tendo já aumentado as taxas de juros de quase zero para o intervalo de 4,5% a 4,75%, o Fed provavelmente precisará apertar ainda mais a política monetária ou mantê-la mais restritiva por um período maior do que pressupunha ser suficiente para esfriar a economia dos EUA.
Alguns economistas já preveem que o Fed aumentará sua previsão para a trajetória futura da taxa de juros em sua próxima reunião de março, embora os dados adicionais de emprego e inflação que serão divulgados até lá sejam fundamentais para essa decisão.
Em dezembro, o Fed indicava que a chamada "taxa terminal" estaria entre 5% e 5,25% neste ano, o que implicaria apenas dois aumentos adicionais de juros de 0,25 ponto percentual em 2023. Agora, no entanto, cogita-se que o Fed aponte para mais uma alta na reunião de junho. Alguns poucos economistas chegam até mesmo a considerar que a autoridade monetária americana poderia voltar a subir os juros em 0,25 ponto percentual em março, o que resultaria em uma estimativa muito maior para a taxa terminal do que a atual.
Sabemos que há defasagens na transmissão política monetária —o impacto de um aperto nos juros se materializa ao longo do tempo—, o que leva bancos centrais em geral a interromperem o processo de subida dos juros quando suas projeções apontam para o alcance da meta de inflação no seu horizonte de atuação, não quando a inflação propriamente dita chega à meta. Dito isso, o fato de dados recentes de atividade estarem surpreendendo positivamente, principalmente os referentes ao mercado de trabalho, levanta questionamentos sobre a possibilidade de alguns fatores estarem operando para que a transmissão da política monetária apresente-se mais lenta ou insuficiente.
Em primeiro lugar, embora as condições de crédito estejam mais apertadas, a saúde dos balanços corporativos limita o impacto imediato desse canal. Um declínio nos lucros das empresas seria uma força poderosa de desinflação, mas as recentes revisões para cima nessas previsões sugerem que o efeito desse fator será mais limitado do que o usual na atual fase do ciclo monetário.
Em segundo lugar, a taxa de juros neutra —aquela que não é inflacionária nem desinflacionária— pode ter subido nos EUA. No rescaldo do choque pandêmico, a política fiscal passou a ser muito mais expansionista, trazendo um aumento significativo da dívida pública.
Por fim, a alavancagem das empresas e famílias é hoje bem menor do que era antes da grande crise financeira, o que reduz o impacto da contração do crédito na atividade como um todo.
O Brasil certamente será afetado se as taxas de juros americanas ficarem mais altas e por mais tempo em patamar restritivo. A diminuição do nosso diferencial de juros reduzirá a atratividade dos ativos domésticos, ainda mais no momento em que o país coloca em risco suas âncoras fiscal e monetária. A taxa de câmbio tenderá a depreciar em relação ao dólar, com reflexos importantes na dinâmica da inflação.
Além do mais, a maior resiliência do crescimento e a maior persistência da inflação são uma realidade em outras economias, não só nos EUA, o que aumenta a pressão por mais aperto monetário global, trazendo o risco de uma desaceleração profunda mais sincronizada. Não há no mundo uma discussão intensa sobre a elevação das metas de inflação, apesar de a maioria dos países estar com a inflação longe de suas metas.
Parece ser imprudente contar com um cenário externo favorável para adiar ajustes urgentes na agenda econômica doméstica ou retroceder em conquistas passadas.
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