Ricardo Melo

Jornalista e apresentador do programa 'Contraponto' na rádio Trianon de São Paulo (AM 740), foi presidente da EBC (Empresa Brasil de Comunicação).

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Lula erra ao se ausentar de atos contra Bolsonaro

Faltam às manifestações líderes e objetivos em que o povo acredite

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Nem tão grandes como esperava a oposição nem tão diminutas como apregoam os bolsonaristas. Assim foram manifestações de sábado que ocorreram em centenas de cidades pelo país e pelo mundo. De todo modo, ficou patente outra vez que o horror a JMB (dito Bolsonaro) está espraiado internacionalmente.

O ensaio de uma “frente” contra o neofascismo não se refletiu no asfalto na dimensão que esperavam os organizadores. Vários motivos para isso.

Entre eles, a desconfiança da população mais humilde e menos instruída ao ver gente que sempre defendeu um impeachment indecente e sem base legal, apoiou o bolsonarismo e a derrota de governos populares –ver toda essa turma aparentemente “unida” contra o que ela própria plantou.

Talvez mais importante seja o fato de não se enxergar no horizonte um instrumento prático para atingir o “Fora Bolsonaro”.

No movimento das Diretas Já contra a ditadura, mal ou bem havia um alvo concreto: aprovar a emenda Dante de Oliveira. Pressionar o Congresso a sancionar a medida que correspondia à vontade da maioria da população.

No caso de Collor, ocorria uma onda pelo impeachment de um salafrário, movimento vindo de cima e de baixo. O Congresso não pôde se curvar.

Já contra Dilma, cujos erros são de conhecimento de todos, havia um acordo dos maganos das finanças, parlamentares, Judiciário servil e mídia obediente para encerrar uma série de governos que favoreciam o povo.

Contra JMB surge uma situação nova. A maioria esmagadora do Brasil rejeita o governo. Não se trata de uma ou outra pesquisa, das quais sempre é bom desconfiar. Mas quando todas falam a mesma coisa... Ou seja, nada a ver com um flá-flu quanto a presença de manifestantes nas ruas. Até o Planalto sabe muito bem disso.

Acontece que o desespero dos de cima é tamanho na procura de uma “terceira via” inexistente, um “Bolsonaro” desdentado, que hoje também estão pendurados na figura de Arthur Lira.

A criatura, ela mesma alvo de processos, é o presidente da Câmara a quem uma legislação manca entregou o direito divino de decidir ou não levar JMB ao julgamento antes do cadafalso.

Foi um avanço que as manifestações de sábado tenham associado o Fora Bolsonaro a reivindicações concretas que atormentam o povo.

Este governo vem promovendo um retrocesso sem limites às condições de vida do país. Desemprego sem solução, inflação fora de controle, trambiques na vacinação, fome e miséria ladeira acima, inquilinos em desespero.

Juntando esse quadro de indicadores horripilantes à pauta ideológica pré-Inquisição tem-se material suficiente para derrubar qualquer governo.

Falta, porém, um ingrediente fundamental. Líderes capazes de transformar este sentimento difuso em forma material. Lula é o nome. Mas tem errado feio. Não se explica a ausência do maior líder político e popular do país nos atos contra JMB convocados, entre outros, pela sua própria legenda.

Ao mesmo tempo em que manifestações ocorriam no Brasil inteiro, dizem as notícias, Lula agendou reuniões com caciques de partidos de diferentes colorações com vistas a alianças para eleições daqui a um ano.

Que tipo de mensagem isso transmite aos militantes, apoiadores, simpatizantes ou eleitores daquele que disparado é favorito em qualquer embate eleitoral? Não é preciso muita inteligência para responder: “Vão às ruas enquanto eu negocio nos acarpetados; quem sabe a gente se encontra”.

Ao agir dessa forma, Lula joga contra o projeto do PT original, sabe-se lá o que ele anda pensando. Imaginar um acordo com a elite apodrecida do Brasil será repetir os erros que alavancaram o impeachment de Dilma Rousseff e a ascensão do protofascismo no Brasil.

Por que Lula não exige que os parlamentares destes partidos "convertidos" se juntem no Congresso para forçar a votação do impeachment de JMB? Por quê? Ou será que ele não percebe que o grande capital quer transformá-lo na “terceira via” tão sonhada pelos poderosos?

Lula fez bastante pelo Brasil. É inaceitável que seja vítima de processos manipulados, ilegais e sob comando de um juiz declaradamente parcial.

Mas Lula não tem o direito de ignorar o povo que acredita nele, que sai às ruas num dia de descanso ou não, que luta por um Brasil melhor. Se prefere as negociatas de bastidores, acomodações que mudam tudo para nada mudar, que seja franco com seus próprios apoiadores.

Seja como for, o Brasil está à beira de uma explosão, queiram ou não os caciques. Ninguém come osso destinado a fabricar sabão sem guardar isso na memória. Onde e quando o pavio será aceso não dá para prever. Pode ser bem antes de outubro de 2022.

Dispensa comentários, a não ser o repúdio, o ataque físico de skinheads do Partido da Causa Operária a Ciro Gomes nas manifestações de sábado.

Ciro é como uma biruta de aeroporto, segue para onde o vento sopra. Já trafegou por quase uma dezena de partidos. Abusa das impropriedades e contradições em suas falas.

Mas deve ser respeitado quando se junta à luta contra o neofascismo. Ninguém precisa concordar com ele. Nem ele com os outros. Desde que seja num ponto: tirar JMB do governo. O resto vai por cada um.

O pré-candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT) discursa em ato pelo impeachment de Bolsonaro na avenida Paulista
O pré-candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT) discursa em ato pelo impeachment de Bolsonaro na avenida Paulista - Marlene Bergamo - 2.out.2021/Folhapress

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