Na Folha, foi editor de "Opini�o", da Primeira P�gina, editor-adjunto de "Mundo", secret�rio-assistente de Reda��o e produtor-executivo do "TV Folha", entre outras fun��es.
Ateu, gra�as a deus
A barb�rie estampada na chacina parisiense suscita in�meras quest�es. O ponto de partida: sob nenhum ponto de vista � poss�vel justificar o ataque dos fan�ticos contra a Reda��o do Charlie Hebdo. Agiram como fac�noras, quaisquer que tenham sido suas motiva��es. N�o merecem nenhum tipo de comisera��o. Invocar atenuantes � renunciar aos (poucos) avan�os que a civiliza��o humana proporcionou at� agora.
"A religi�o � o �pio do povo", diz uma frase de velhos pensadores. Permanece verdadeira at� hoje. Qual a diferen�a entre as Cruzadas, a Inquisi��o e o jihadismo atual? Nenhuma na ess�ncia. Tanto uns como outros usaram, e usam, a religi�o como justificativa para atrocidades desmedidas.
Tanto uns como outros servem a interesses que n�o t�m nada a ver com o progresso da civiliza��o e a solidariedade humana. Todos glorificam o sofrimento como b�n��o maior, em nome de um al�m cheio de felicidade e reden��o. Se voc� � pobre, est� aben�oado. Se voc� � rico, d� uns trocados no sem�foro para conquistar o passaporte para o c�u.
Com base em conceitos simpl�rios como estes, milh�es e milh�es de homens e mulheres s�o amestrados para se conformar com a explora��o, as injusti�as e o sofrimento cotidiano. Sejam crist�os, islamitas ou evang�licos. Por tr�s dessa ret�rica, sempre haver� um califa, um Paul Marcinkus, um bispo evang�lico, um papa pronto para amealhar os benef�cios do rebanho obediente.
A figura de deus, em min�scula mesmo, � recorrente em praticamente todas as religi�es. Com nomes diferenciados, ajudou a massacrar islamitas, montar alian�as com o nazismo e dar suporte a ditaduras mundo afora. Na outra ponta, serviu, e serve, de "salvo conduto" para desequilibrados assassinarem jornalistas, cartunistas ou inocentes an�nimos numa lanchonete ou ponto de �nibus.
Um minuto de racionalidade basta para destruir estes dogmas. A Igreja Cat�lica combate a camisinha quando milh�es de africanos morrem como insetos por causa da Aids. Mu�ulmanos fundamentalistas aceitam estupros como "adult�rio" e subjugam as mulheres como seres inferiores em nome de Maom�.
Certo que, paradoxalmente, o obscurantismo religioso algumas vezes serviu de combust�vel para mudan�as sociais. Khomeini, no Ir�, � um exemplo, embora o resultado final n�o seja exatamente promissor. J� a primavera �rabe atolou num inverno sem fim. Hosni Mubarak, ditador de papel passado, recentemente foi absolvido de todos os seus crimes contra o povo do Egito. Os milh�es que se reuniram na pra�a Tahrir para denunciar o autoritarismo em manifesta��es memor�veis repentinamente viraram r�us. T�o triste quanto isso � saber que a grande maioria deles conforma-se com o destino cruel. "� o desejo do profeta", em min�scula mesmo.
A hist�ria registra � exaust�o a alian�a esp�ria entre religiosos e um sistema que privilegia desigualdade e opress�o. O Estado Isl�mico foi armado at� os dentes por na��es "democr�ticas". Bin Laden e sua seita de fan�ticos receberam durante muito tempo o apoio da CIA. Hitler, Mussolini e sua gangue mereceram a complac�ncia do Vaticano em momentos cruciais. Binyamin Netanyahu, o algoz dos palestinos e carrasco da Faixa de Gaza, posou de humanit�rio numa manifesta��o em Paris contra o "terror".
Respeitar credos � uma coisa; nada contra a toler�ncia diante das cren�as de cada um. Mas, sem tocar na ferida da idiotia religiosa como anteparo para interesses bem materiais, o drama de Charlie Hebdo ser� apenas a antessala de novos massacres abomin�veis.
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