Na Folha, foi editor de "Opini�o", da Primeira P�gina, editor-adjunto de "Mundo", secret�rio-assistente de Reda��o e produtor-executivo do "TV Folha", entre outras fun��es.
Bolsonaros n�o existem por acaso
� luz do bom senso mais prosaico, nenhum argumento contra a revis�o da Lei da Anistia fica em p�. O mais utilizado: a lei prega o esquecimento e se aplica "aos dois lados".
A Lei da Anistia foi aprovada em plena vig�ncia do regime militar. S� havia dois partidos autorizados a funcionar: Arena e MDB. Um ter�o dos senadores era bi�nico, indicado pelo regime na engenharia do pacote de abril de 1977. Em vota��o apertada, 206 a 201 votos no Congresso, os generais e o alto empresariado que os sustentava obrigaram um parlamento castrado a engolir a absolvi��o dos algozes. Chamar isso de acordo � abusar da estupidez alheia. O maior interesse do texto sempre foi inocentar fac�noras e seus mandantes, que se deleitavam com a barb�rie cometida nas c�maras de tortura.
Ah, mas os mortos v�timas dos "terroristas"? A tentativa de simetria peca por todos os lados. Nunca se pode, pelo menos do ponto de vista da democracia, colocar no mesmo plano o poder de Estado e o de seus opositores —at� por serem absolutamente desiguais. Claro que isso n�o alivia a perda de familiares, seja de que lado for. Mas omite-se o importante: os oposicionistas daquela �poca foram "julgados" e presos -na melhor das hip�teses. Outros tantos simplesmente desapareceram do mapa, nos por�es militares, nos combates forjados ou executados a sangue frio. Foram mais do que "punidos".
J� o batalh�o de choque do regime, do Planalto � rua Tutoia, pretendeu escapar ileso com a lei 6683/79. Tenta at� hoje, com a ajuda de um Supremo Tribunal Federal cujos veredictos s�o para l� de controversos. Nada disso esconde a hipocrisia do enredo, e a vergonha de o Brasil ser o �nico pa�s do continente a avalizar pr�ticas de torturas.
"Ah, mas isso � remexer no passado; com todo respeito aos mortos, vamos cuidar dos vivos." Ocorre que � justamente pelos vivos que se defende a puni��o de quem institucionalizou a tortura. Por tr�s das humilha��es cometidas cotidianamente contra acusados nas delegacias, inocentes ou culpados, est� a jurisprud�ncia de que maus tratos fazem parte do dia a dia policial. A certeza da impunidade de quem maltrata em nome do Estado sobrevive "em nome da lei".
Pode-se at� entender que muitas iniciativas pol�ticas dependam da chamada "rela��o de for�as". � o jogo democr�tico. Preocupa perceber, no entanto, que a democracia esteja sendo usada para defender a barb�rie. � inaceit�vel, por exemplo, que chefes militares simplesmente se recusem a liberar documentos e informa��es sobre a viol�ncia nos quart�is. E nada acontece. Pense num ministro refrat�rio a fornecer dados sobre tal ou qual projeto. Num pa�s civilizado, o cidad�o seria imediatamente demitido.
Aqui, n�o. Os militares, constitucionalmente submetidos ao poder civil no papel, pintam e bordam. Pior: a presidente da Rep�blica, chefe deles, n�o d� um pio. O m�nimo a esperar era que, diante de um relat�rio como o da Comiss�o da Verdade, a presidente repudiasse publicamente os respons�veis pelos anos de chumbo. Em nome das For�as Armadas. Isto mesmo. Militar que n�o gostasse teria de se submeter, ou ent�o vestir o pijama —para dizer o m�nimo.
As concess�es diante de um passado abomin�vel t�m alto pre�o no presente e no futuro. O deputado Bolsonaro est� a� para provar. Por muito menos, por se deixar fotografar de cueca, um deputado certa vez teve o seu mandato cassado. Bolsonaro idolatra o estupro, ofende colegas e faz pouco dos direitos humanos sempre que pode. Um bandido. Seus herdeiros seguem pelo mesmo caminho, clamando pela interven��o militar. Num belo dia, a hist�ria pede licen�a para se repetir.
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