Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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O fim do mundo há de me encontrar com a bunda impecável

Fingimos desprezá-la, mas é nela que pensamos primeiro nas situações de aperto

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As notícias mais perturbadoras sobre a Covid-19 são as que dizem respeito ao papel higiênico. Nos Estados Unidos, no Japão e no Canadá, já são impostas algumas medidas de racionamento. Na Austrália, há relatos de consumidores envolvidos em rijas pelejas, nos supermercados, por uma embalagem de rolos. Um pouco por toda a internet, especuladores vendem papel higiênico a preços exorbitantes.

A Covid-19 ameaça acabar com a civilização tal como a conhecemos, e o primeiro pensamento da raça humana vai para a bunda. Sim, não poderei sair de casa para ir às compras, a museus e a salas de espectáculos —mas e a minha bunda? Tudo bem, fecham as escolas, as fábricas, a economia regride— mas vou fazer tudo para garantir o conforto da minha bunda. O fim do mundo há de me encontrar com a bunda impecável.

Ilustração em linhas pretas de uma pessoa tomando álcool gel de canudinho segurando 4 rolos de papel nas mãos. Ela está com os olhos vendados e papel enrolado no pescoço.
Luiza Pannunzio/Folhapress

Ocorre-nos imediatamente o velho provérbio: “Quem tem bunda tem medo”. No entanto, a sabedoria popular parece estar incompleta. Se é verdade que identifica, e de forma muito perspicaz, a relação do medo com a bunda, não é menos verdadeiro que os antigos ficaram aquém de registrar todo o alcance dessa relação. “Quem tem bunda tem medo de ser apanhado com ela encardida” talvez fosse uma
observação mais completa.

Se alguma forma de vida alienígena nos observa de longe, tem aqui uma idiossincrasia bem interessante para analisar. Enquanto espécie, mantemos com a bunda uma relação de grande ambiguidade —talvez mesmo de hipocrisia. Ao mesmo tempo que fingimos desprezá-la no dia a dia, é nela que pensamos em primeiro lugar em situações de aperto.

A bunda não tem prestígio para ser tema de conversa no salão, e no entanto ocupa o centro das nossas preocupações. Os noticiários continuam a se debruçar sobre todos os aspectos da Covid-19, mas nenhum abre com a notícia do reforço da produção de papel higiênico, que nos tranquilizaria a bunda.

Pela minha parte, vou tentar cumprir todos os mais importantes conselhos para ultrapassar da melhor maneira a epidemia de Covid-19, acrescentando um: lavar as mãos com frequência, tossir para a cova do cotovelo e comprar ações da Mili.

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