![ricardo araújo pereira](https://cdn.statically.io/img/f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/1709742.jpeg)
� humorista portugu�s e um dos criadores do coletivo Gato Fedorento, refer�ncia humor�stica em seu pa�s. Escreve aos domingos.
Sobre um sorriso
Editoria de Arte/Folhapress | ||
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Encontraram-se pela primeira vez numa festa. Ela levantou os olhos e viu que um estranho a olhava, por isso for�ou um sorriso.
Era um sorriso falso excelente para uso em situa��es desse tipo. O zigom�tico maior levantava os cantos da boca durante um per�odo bastante aceit�vel, findo o qual voltava a pous�-los com uma lentid�o muito educada. Quem n�o a conhecesse n�o tinha maneira de saber que aquele sorriso era falso. Era um sorriso burocr�tico, t�o competente a fingir alegria quanto a cerim�nia de se levantar quando o juiz entra na sala consegue simular respeito.
Dias depois houve outro encontro fortuito. Ele aproximou-se, recordou que tinham se visto na festa. Ela n�o se lembrava. "Ah, sim. Me lembro", e de novo o sorriso falso inspirou paix�o verdadeira. Junto de amigos comuns, ele soube onde ela fazia compras, gin�stica. For�ou encontros. Que engra�ado, frequentamos o mesmo supermercado. Sorriso falso.
Uma piada meio aflita sobre peixe congelado. Sorriso falso. Voc� tamb�m faz essa aula de zumba? Sorriso falso. Mais dez anos de pr�tica e eu domino esse reggaeton. Sorriso falso. Cuidado, n�o v� escorregar na minha po�a de suor. Sorriso falso. Toda a vez que o embara�o da presen�a dele se repetia, ela castigava-o com o pr�mio do sorriso falso.
Meses passaram. Qualquer coisa mudou nela, n�o por causa das coisas que ele fazia, claro, mas por causa de uma esp�cie de desespero com que as fazia. Come�ou a procur�-lo.
Esperava por ele na academia enquanto ele, sem saber, se demorava no supermercado para v�-la. Desencontros sucederam-se. At� que, um dia, por um daqueles acasos, esbarraram um no outro numa esquina.
Ela deixou cair coisas, como nos filmes, ele apanhou-as sem jeito, como na vida real, e depois ele olhou para ela e ela sorriu para ele, o rosto abriu-se numa convuls�o sem controlo, l�bios apartaram-se, covinhas foram escavadas na bochecha, era finalmente um sorriso aut�ntico, sincero, verdadeiro.
Ele n�o gostou.
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