Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Intolerância religiosa acaba levando à negação da ciência, indica estudo internacional

Intensidade da crença não é fator decisivo para desconfiança de religiosos sobre fatos científicos; convivência entre diferentes fés mitiga negacionismo

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Eis um dos meus truísmos preferidos: para todo problema complicado, existe uma explicação simples, fácil de entender –e completamente errada. Ocorre que isso se aplica um bocado bem às tentativas de entender por que certos grupos religiosos acabam se apegando ao negacionismo da ciência.

Quem tem uma disposição mais agressivamente laica/secularista muitas vezes enxerga a situação apenas pelo lado cognitivo. Para os que pensam dessa maneira, pessoas religiosas foram educadas para aceitar afirmações puramente na base da fé e, portanto, teriam muita dificuldade para mudar de ideia com base em fatos que parecem contradizer suas crenças.

Um novo estudo, porém, indica que não é esse o fator mais importante por trás do problema. Ao que parece, é a intolerância em relação a outras religiões, e não a intensidade da religiosidade em si, que funciona como mecanismo negador da ciência em certos sistemas de crença, e um elemento que contrabalança essa tendência é estar inserido num meio com diversidade religiosa.

Cruz próxima a igreja na Jordânia - Khalil Mazraawi - 12.ja.24/AFP

As conclusões, publicadas no periódico especializado PNAS Nexus, vêm de análises conduzidas por um trio de pesquisadores: Yu Ding, da Universidade Stanford, e Gita Johar e Michael Morris, da Universidade Columbia (ambas instituições americanas). A maioria dos dados que embasam as conclusões do grupo foi garimpada em pesquisas de opinião (em alguns casos, feitas em dezenas de países diferentes), mas eles também fizeram alguns experimentos com voluntários.

O fato de que a intensidade da experiência religiosa dos indivíduos não necessariamente é uma fonte de intolerância, ou de problemas quando ocorrem embates com a ciência, é algo que já tinha sido visto em outros estudos. Sabe-se, por exemplo, que pessoas com intensa piedade pessoal –as que rezam muito em casa, digamos– têm menos probabilidade de ter uma atitude beligerante em relação a outras crenças.

Os problemas costumam começar quando a religião se torna um fator importante na definição grupal, influenciando como a pessoa enxerga o mundo na base do "nós" contra "eles". Os estudos analisados pelos pesquisadores mostraram, por exemplo, que municípios americanos com maior diversidade religiosa e menor intolerância religiosa também foram os que mais aderiram às regras de distanciamento social do começo da pandemia de Covid-19 (primeiro semestre de 2020). O mesmo vale para a aceitação do uso de vacinas durante a pandemia, a partir de 2021.

Países com maior diversidade religiosa também tendem a ter melhores notas em avaliações internacionais de ensino de ciências. Entrevistas com cristãos americanos, hindus da Índia e muçulmanos do Paquistão mostraram, de novo, uma correlação entre intolerância em relação a outras fés e negação da ciência.

Por fim, um experimento com 400 evangélicos americanos mostrou que, quando metade deles eram expostos a um versículo do Novo Testamento que enfatizava a fé cristã como a única verdade, eles mostravam tanto menos tolerância em relação a outras religiões quanto mais tendência a negar fatos científicos quando comparados a quem não tinha lido o versículo em questão.

Os resultados me parecem intrigantes porque mostram como, no fim das contas, existe pouca racionalidade direta e fortes aspectos afetivos e sociais quando as pessoas definem no que podem ou devem acreditar. É claro que não é simples, e pode ser até contraproducente, pensar em maneiras de criar deliberadamente ambientes sociais em que exista diversidade religiosa. Mas é sempre importante entender as raízes de um problema com clareza, em especial quando consideramos que nem a ciência nem a religião vão desaparecer tão cedo da experiência humana. Como dizia um sábio do Vaticano, elas precisam encontrar um "modus vivendi" (um jeito de conviverem), ou, pelo menos, um "modus non moriendi" (uma maneira de não se destruírem).

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